A era das notas de repúdio ficou para trás. Agora a cúpula do Congresso quer combater o golpismo com declarações apaziguadoras e promessas de acordão.
Ontem o presidente da Câmara, Arthur Lira, defendeu uma “saída negociada” para a crise. Sem citar as ameaças de Jair Bolsonaro à democracia, apresentou-se como um guardião do equilíbrio e da moderação.
“O Legislativo sempre buscou a harmonia e a tranquilidade entre os Poderes”, discursou. Ele elencou duas tarefas para si mesmo: “apaziguar” e “acalmar”. Faltou informar quem precisaria ser amansado.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi tomar um cafezinho no Supremo, alvo dos atos bolsonaristas de domingo. Após ser recebido pelo ministro Luiz Fux, saiu recitando platitudes e pregando a paz universal.
Ao ser questionado sobre o conflito aberto entre as Forças Armadas e o Judiciário, o senador tentou desconversar: “Eu não considero que haja uma crise instalada nesse sentido”.
Lira e Pacheco chegaram ao comando do Legislativo graças ao apoio do Planalto. Com estilos diferentes, os dois têm atuado como cúmplices da escalada autoritária.
O chefão da Câmara segura mais de uma centena de pedidos de impeachment. Em troca da blindagem ao capitão, ganhou poder inédito sobre a partilha do Orçamento.
Mais discreto, o presidente do Senado prefere colaborar nos bastidores. Retardou a instalação da CPI da Covid e agora tenta barrar outra investigação sobre o balcão de negócios do MEC. Entre um episódio e outro, articulou a recondução de um procurador-geral que se recusa a investigar o governo.
Diante dos novos ataques de Bolsonaro ao Supremo, os chefes da Câmara e do Senado voltaram a lavar as mãos. Ontem os dois trataram a graça concedida a Daniel Silveira como fato consumado. Nas entrelinhas, endossaram o acordão que manteria o deputado inelegível, porém livre da cadeia.
Após o café com Fux, Pacheco repetiu que a disputa política não pode descambar para “anomalias graves”. A omissão do Congresso é uma das mais graves anomalias que ameaçam o país. (O Globo – 04/05/2022)