Não faltam motivos para o governo se preocupar com a questão social. Mais de 43 milhões de brasileiros não têm alimentos suficientes e 19 milhões passam fome. Combater a miséria deveria ser prioridade do presidente Jair Bolsonaro. Infelizmente, ficou evidente esta semana que a iniciativa de aumentar o valor do Bolsa Família, rebatizado Auxílio Brasil, não passa de demagogia.
À primeira vista, elevar o benefício de R$ 189 para R$ 400 parece uma medida correta. Mas não é. Da forma como foi pensada, é populista, eleitoreira e não cabe no Orçamento. Prejudicará o país todo, em particular os mais pobres. Bolsonaro só está interessado em aumentar a chance de disputar a reeleição em posição mais vantajosa nesse eleitorado, que tem perdido para o principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em vez de embasar o novo programa social em estudos robustos que permitissem atacar a miséria de forma duradoura, criou-se um benefício com prazo de validade, não por acaso coincidente com o calendário eleitoral. Para não violar o teto de gastos, veio acompanhado de uma engenhosa pirueta fiscal, capaz de garantir no Orçamento os recursos para financiar os R$ 400, que Bolsonaro vê como valor mínimo necessário para reconquistar a popularidade perdida.
O governo admitiu estourar em R$ 30 bilhões o teto de gastos de 2022. E nem isso bastaria. O resto da verba para o Auxílio Brasil ainda depende da pedalada nos precatórios — leia-se calote — e de uma reforma absurda no Imposto de Renda que, ao contrário do que o governo faz crer, tende a reduzir a arrecadação, e não ampliá-la. Na prática, tudo isso fará crescer a pressão orçamentária e a indefinição sobre o que fazer em 2023.
Não foi gratuita a reação do mercado — e o vaivém do governo — diante de toda essa ginástica. A manobra é um exemplo cristalino de como o governo dá com uma mão e tira com a outra. Dá com a mão da demagogia aquilo que tira com a mão da inflação.
Obedecer ao teto traz benefícios a todos porque permite baixar os juros e diminuir o custo da dívida pública. Desobedecer gera incertezas, eleva o gasto com a dívida e drena recursos que poderiam ir para áreas críticas. E não só. Desvaloriza o real e alimenta a inflação — que pesa mais no bolso dos pobres. Para piorar, derruba o crescimento, retarda a volta dos empregos e a geração de renda. É, em suma, certeza de mais fome no futuro.
A União não gasta pouco. Gasta muito e gasta mal. O governo Bolsonaro quase nada fez para mudar essa situação. Um amplo leque de reformas corajosas, agenda hoje fora de discussão, seria a solução de longo prazo para abrir recursos. Mesmo no curto prazo, havia outras alternativas. Mas Bolsonaro optou por garantir emendas parlamentares, reajustes de servidores e outros desvarios. Em vez de se esquivar, o ministro da Economia, Paulo Guedes, deveria tratar de evitar que o teto caia sobre nossas cabeças. Os brasileiros famintos não merecem tanto amadorismo. (O Globo – 21/10/2021)