Bernardo Mello Franco: O teatro do astronauta

Em 2006, o governo Lula gastou US$ 10 milhões para que um tenente-coronel da Aeronáutica pegasse carona na nave russa Soyuz. O passeio foi mais lucrativo para o astronauta do que para o país. De volta à Terra, ele abandonou a carreira militar e passou a faturar com a venda de chaveiros, canecas e bonequinhos.

A fama instantânea abriria novos negócios. Marcos Pontes virou palestrante, “master coach” e garoto-propaganda de um tal “travesseiro da Nasa”. Apesar da sigla, o produto não tinha nada a ver com a agência espacial americana. Em letras miúdas, informava ser um “Nobre e Autêntico Suporte Anatômico”.

Aposentado aos 43 anos, o astronauta se candidatou a deputado pelo Partido Socialista Brasileiro. Não foi eleito. Depois girou à direita e tentou emplacar como vice de Jair Bolsonaro. Fracassou de novo. Como prêmio de consolação, virou ministro da Ciência e Tecnologia.

Se o governo fosse uma novela, Pontes estaria no elenco de apoio. Só é lembrado quando o capitão precisa de figurante para suas lives. O ministro lavou as mãos quando Bolsonaro tentou maquiar os números do desmatamento e demitiu o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Depois omitiu-se diante de sucessivos cortes no orçamento.

Na semana passada, a pasta perdeu mais R$ 600 milhões. O dinheiro estava reservado para financiar pesquisas e bolsas de estudo. Por decisão de Paulo Guedes, foi remanejado para outros sete ministérios.

“A ciência nunca foi prioridade para este governo. A questão é saber se eles fazem isso por falta de noção ou se existe uma política deliberada de desmonte”, afirma o professor Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Na sexta-feira, Pontes se disse “muito chateado” e insinuou que poderia entregar o cargo. Dois dias depois, reclamou de “falta de consideração”. Tudo teatro. Ontem o astronauta reapareceu, sorridente, na visita de Bolsonaro à basílica de Aparecida. Ao que parece, prefere continuar como ministro decorativo a voltar a vender travesseiros. (O Globo – 13/10/2021)

Leia também

Esclarecimentos jurídicos sobre extradição no caso Carla Zambelli

Por Renata Bueno, ex-parlamentar italiana e advogada internacional Roma –...

80 Anos do Dia da Vitória

Eduardo Rocha Economista pela Universidade Mackenzie Pós-Graduado com Especialização em...

O muro que divide a história das famílias italianas no mundo

O fim da cidadania italiana por descendência como conhecemos:...

Direito à crítica não pode degenerar em ataque pessoal

publicado no site contraponto em 19 de maio de...

Uma nova luta de classes se formando

Uma questão central, hoje, tem que ver com a...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!