As estimativas para o crescimento em 2022 continuaram a recuar na semana passada, com vários analistas passando a projetar uma expansão inferior a 1% para a economia brasileira no ano que vem – para este ano, as apostas estão na casa de 5%. As novas previsões embutem um avanço modesto do consumo das famílias, que responde por mais de 60% do PIB pelo lado da demanda.
A MB Associados, por exemplo, estima um crescimento de apenas 0,4% para o PIB em 2022, projetando uma alta de 0,5% para a demanda das famílias. O Credit Suisse, que tem uma estimativa um pouco menos pessimista para a expansão da economia no ano que vem, de 1,1%, vê o consumo privado avançando 1,5%. Ainda que mais alta que a previsão da MB, esse 1,5% é um número fraco, que evidencia as dificuldades para Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022. Com juros em alta, inflação persistente e nível elevado de endividamento das famílias, o panorama para o consumo privado no ano que vem é pouco animador.
Em 2006, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito, a demanda das famílias cresceu 5,3%, acima dos 4% da variação do PIB; em 2014, ano em que Dilma Rousseff ganhou o segundo mandato, o consumo privado avançou 2,3%, uma taxa moderada, mas bem superior ao 0,5% registrado pelo PIB. O ano de 1998, quando Fernando Henrique Cardoso foi reeleito, é uma exceção. O consumo das famílias recuou 0,7%, enquanto o PIB cresceu 0,3%. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), porém, teve alta de apenas 1,65% naquele ano e havia a memória recente do tombo da inflação, devido ao Plano Real.
Um dos problemas que complicam o cenário para 2022 é a inflação, que afeta especialmente a renda dos mais pobres. Nos 12 meses até agosto, o IPCA acumulou alta de 9,68%. Para as famílias de renda muito baixa, com rendimento domiciliar inferior a R$ 1.808,79 por mês, a inflação em 12 meses chegou a 10,63%, nos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
No fim do primeiro mês do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, a cesta básica em São Paulo custava R$ 707,08, segundo pesquisa do Procon-SP e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), incluindo itens de alimentação, limpeza e higiene pessoal. O valor correspondia a 70,8% do salário mínimo, à época fixado em R$ 998. No fim de agosto deste ano, eram necessários R$ 1.077,01 para comprar a cesta básica, o equivalente a 97,8% do piso salarial de R$ 1.100. No período, a cesta subiu 52,3%, enquanto o salário mínimo aumentou 10,2%. A corrosão da renda pela inflação é um dos fatores que têm derrubado a popularidade do presidente.
Esse cenário de persistência das pressões inflacionárias tem levado muitos bancos e consultorias a apostar num ciclo de alta da Selic bem mais forte do que se imaginava há alguns meses. Para o Credit Suisse, os juros básicos, hoje em 5,25% ao ano, vão terminar 2021 em 8,25%, subindo mais 1,5 ponto percentual no ano que vem, encerrando 2022 em 9,75%. O banco vê o IPCA em 8,5% em 2021 e em 5,2% em 2022, acima das meta perseguidas pelo Banco Central (BC), de 3,75% neste ano e de 3,5% no próximo.
Um fator fundamental para aliviar pressões sobre os índices de preços é o câmbio. Uma apreciação mais expressiva do real teria um impacto benigno sobre a inflação, aliviando as cotações das commodities em reais e dos bens industriais. O ponto é que, num cenário de incertezas fiscais e políticas elevadas, é difícil apostar num câmbio mais forte no ano que vem. O Credit Suisse espera que a moeda americana feche 2021 e 2022 em R$ 5,20, enquanto a MB aposta que a divisa brasileira vai se enfraquecer ainda mais – nas estimativas da consultoria, o dólar vai subir de R$ 5,30 no fim deste ano para R$ 5,60 no fim do ano que vem. Indefinições sobre a trajetória das contas públicas pressionam o câmbio, como as provocadas pelas dúvidas quanto ao pagamento de precatórios e ao financiamento do novo programa de transferência de renda. Causadas por Bolsonaro, as incertezas políticas e institucionais também contribuem para manter o real mais desvalorizado do que sugere a solidez das contas externas. Depois dos discursos em tom golpista nos atos de 7 de setembro, o presidente fez um recuo tático em seus ataques à democracia e ao Judiciário, mas o comportamento de Bolsonaro ao longo do mandato indica que a trégua vai durar pouco.
Com juros em alta e as incertezas fiscais e políticas, o cenário para o mercado de trabalho não é dos melhores, ainda que haja perspectivas mais positivas para o setor de serviços, devido à reabertura da economia – em especial nos próximos meses. Nesse quadro, muitas empresas tendem a ser cautelosas em seus planos de expansão e modernização da capacidade produtiva, o que deverá se traduzir em taxas baixas de expansão do investimento, limitando a contratação de novos funcionários.
O governo federal tampouco dispõe de espaço fiscal para uma grande ampliação do valor e do público-alvo do Bolsa Família. O novo programa, o Auxílio Brasil, deve atingir 17 milhões de famílias a partir de novembro, com benefício médio de R$ 300. Hoje, o Bolsa Família chega a 14,6 milhões de famílias, com valor médio de R$ 190. O Auxílio Brasil não parece suficiente para elevar significativamente a popularidade de Bolsonaro. Em 2020, o auxílio emergencial aumentou a aprovação do presidente, mas o benefício foi pago de abril a dezembro, chegando em alguns meses a 67,9 milhões de pessoas, com cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300. Neste ano, o auxílio foi reeditado a partir de abril, beneficiando 45,6 milhões de pessoas, com um valor médio de R$ 250, sem efeito relevante sobre a popularidade de Bolsonaro.
Para complicar, o nível de endividamento da população está elevado. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 72,9% das famílias tinham alguma dívida em agosto, percentual recorde do levantamento. Nesse ambiente, o espaço para o consumidor se endividar é menor. Além disso, empréstimos e financiamentos estarão mais caros, por causa dos juros mais altos. É mais um fator a inibir as perspectivas já pouco favoráveis para o consumo das famílias. (Valor Econômico – 21/09/2021)
Sergio Lamucci, editor-executivo do Valor Econômico