Bolsonaro é ‘ameaça ao avanço civilizatório’, afirma Alessandro Vieira

“Não dá mais para ser figura midiática, personagem de internet, meme ambulante e chegar aqui e não ter condição”, diz o senador sobre o presidente da República (Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)

Em entrevista ao jornal ‘Folha de S. Paulo’ (veja aqui e abaixo) neste domingo (19), o líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (SE), fala sobre as investigações da CPI da Pandemia,  da sua pré-candidatura à Presidência da República, que busca  ocupar um espaço na chamada terceira via, e diz considerar o presidente Jair Bolsonaro uma “ameaça ao avanço civilizatório”.

“Não dá mais para ser figura midiática, personagem de internet, meme ambulante e chegar aqui e não ter condição”, afirmou em entrevista, ao criticar a busca de um “nome mágico” para unir a terceira via.

O senador também criticou as articulações com velhos caciques de partidos e disse que ex-presidentes “não são fiadores do futuro brasileiro”.

Não dá mais para ter meme ambulante nas eleições, diz senador Alessandro Vieira, pré-candidato ao Planalto

Integrante da CPI da Covid, ele foi lançado pré-candidato à Presidência da República tentando ocupar o espaço da 3ª via

Julia Chaib, Renato Machado – Folha de S. Paulo

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) se tornou um dos rostos conhecidos da CPI da Covid, ao usar sua experiência como delegado para inquirir os depoentes. Um dos reflexos dessa atuação foi o lançamento pelo partido de sua pré-candidatura à Presidência da República.

Crítico dos governos do PT e também do presidente Jair Bolsonaro —em quem se arrepende de ter votado e considera uma “ameaça ao avanço civilizatório”—, Vieira quer ocupar um espaço na chamada terceira via, mas critica a busca de um “nome mágico” para unir o bloco, fenômeno que também levou à eleição do atual mandatário.

“Não dá mais para ser figura midiática, personagem de internet, meme ambulante e chegar aqui e não ter condição”, afirmou em entrevista à Folha. O senador também criticou as articulações com velhos caciques de partidos e disse que ex-presidentes “não são fiadores do futuro brasileiro”.

O senador atacou o que chama de abusos de membros do Judiciário, mas poupou os investigadores da Operação Lava Jato, da qual segue um ferrenho defensor.

Ele ainda minimizou o fato de estar na CPI ao mesmo lado de investigado pela operação, como o relator Renan Calheiros (MDB-AL).

“Mas considerar como aliado, não vejo sentido, nem politicamente nem internamente”, afirmou o parlamentar, um dos poucos que não usa carro oficial e se locomove de Uber.

Por que decidiu se lançar candidato a presidente?

Porque eu acredito que existe uma lacuna nessa disputa pela terceira via e pautas que não estão sendo faladas pelos principais candidatos e por esses que estão se colocando na terceira via. Então vou destacar apenas três.

A primeira delas é a questão do combate à corrupção. O Brasil está passando por uma espécie de surto coletivo, de fingir que nada existiu: não teve corrupção do PT, continua a não existir corrupção do governo Bolsonaro e isso não é mais um problema. Ninguém fala mais nisso, e você vê a destruição da Lava Jato e outras iniciativas.

Segunda coisa é a urgência de uma política racional e responsável fiscalmente de transferência de renda. A gente teve um aumento na miséria no Brasil que nos jogou dez anos atrás, em um processo gigantesco. Essa turma não vai ser, como diz Paulo Guedes, incorporada em uma retomada em V da economia.

E um terceiro ponto, e um dos que mais me motivam a fazer esse movimento, é a questão da educação, também muito pouco mencionado.

A terceira via tornou-se um balaio muito grande, com muitos nomes, partidos e muita gente querendo usufruir dessa ideia para barganhar. O que faz do sr. diferente?

De barganha, não será de forma alguma.

O que é muito claro é que se você quiser fazer uma frente ampla e uma união de terceira via, você tem de partir da premissa que pode retirar a sua candidatura para apoiar alguém.

É construção de uma alternativa de terceira via, o que significa que uma chapa pode não ter o meu nome, não precisa ter o meu nome, mas eu quero que tenha lá as minhas bandeiras.

Mas o sr. já entra pensando em abrir mão?

Não, de forma alguma. A nossa proposta é apresentar o nome, os nossos projetos, deixar que o cidadão possa conhecer.

O Brasil está passando por uma mudança geracional de lideranças. Então quando as pessoas dizem “não tem ninguém na terceira via que se destaca” é porque o povo não conhece suficientemente alternativas, tanto que a gente tem aí situações e eventos com ex-presidentes que são senhores na casa dos seus 70, 80, alguns 90 anos de idade.

Merecem todo o respeito, que têm muita contribuição para dar, mas não são fiadores do futuro brasileiro. Não dá para ser.

A hora é de apresentação. Eu cheguei aqui naquela onda de renovação de 2018 e acho que tenho uma certa obrigação de dar continuidade àquilo, com ajustes e correção de rota.

Não dá mais para ser figura midiática, personagem de internet, meme ambulante e chegar aqui e não ter condição, não ter trabalho, não ter entrega. Isso é o que a gente tem de reverter.

As pesquisas apontam para um reforço da polarização e o enfraquecimento da terceira via. O sr. acredita na viabilidade eleitoral da terceira via e na sua própria?

Nenhuma quantitativa nesse momento vai dar nada significativo para quem está começando a caminhada.

Vai ter sempre um destaque muito grande para Lula e Bolsonaro. Vai ter o Ciro [Gomes], que vai para a quarta candidatura presidencial, e ele está ali entre 5% e 10%, dependendo da pesquisa.

E tem um personagem que destoa dessa realidade, que é o Sergio Moro, que não é candidato, não está como político, não está morando no Brasil, mas continua com um desempenho nessa faixa do Ciro.

Como é um nome mais conhecido, ele representa esse sentimento de quem estava acreditando na mudança, no combate à corrupção.

Naturalmente e legitimamente, eu dialogo com esse público, porque é minha história de vida e o meu trabalho aqui também.

O sr. critica muito essa polarização Lula-Bolsonaro. Acha que os dois personagens se equivalem?

Não. Quando eu anunciei o voto em Bolsonaro [no segundo turno], eu faço uma análise dos dois projetos.

O projeto do PT, como ele foi executado pela cúpula petista ao longo do governo Lula e Dilma, é um projeto de “corrosão democrática soft”. Você usa a corrupção e o preenchimento de cargos como mecanismo. Mensalão mostrou isso, Lava Jato também. Não é invenção do PT, que registre isso.

O Bolsonaro é outro tipo de ameaça. Além de ameaçar a democracia, ele ameaça um avanço civilizatório. Mas por que você votou nesse cara?

E eu assinalo ainda em 2018 que eu imagino que o sistema vai conseguir restringir esses excessos do Bolsonaro. Onde está meu erro? Eu subestimo o Bolsonaro e subestimo a rápida adesão do Bolsonaro ao próprio PT.

Então, objetivamente: Lula e Bolsonaro são profundamente diferentes. Bolsonaro tem uma característica que Lula não tem: Bolsonaro é profundamente incompetente, é um cara incapaz, não trabalha, trabalha muito pouco ou quase nada.

Bolsonaro é uma ameaça maior?

Bolsonaro é uma ameaça maior, porque é uma ameaça violenta. E uma ameaça violenta inibe a possibilidade de reação, mais do que no caso do Lula.

O sr. defende a investigação de membros do Judiciário. Nesse momento atual, de ataques às instituições, não existe risco de o sr. carregar essa bandeira e acabar validando o discurso do Bolsonaro?

O inquérito das fake news, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, é flagrantemente abusivo.

Por que se tolera hoje no Judiciário?

Se tolera porque se imagina que é a única solução para combater as milícias bolsonaristas nas redes sociais e na vida real, porque aquela violência das redes sociais transborda para a vida real e nós vamos ter uma campanha muito violenta em 2022.

Agora, se você me perguntar se eu apresento hoje o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes, eu não posso mais. Por que não posso? Porque o Supremo já decidiu pelo pleno que a conduta dele é legal.

E o Supremo, o meu conterrâneo, o ex-ministro Carlos Ayres Britto tem uma frase perfeita: o Supremo tem o direito de errar por último no sistema democrático.

O sr. critica abusos, mas defende a Lava Jato, enquanto o Judiciário aponta justamente excessos da operação. Não é uma contradição?

Essa é a discussão. Esse abuso foi constatado em algum momento, salvo a decisão específica do Supremo mais recente? Em nenhum momento.

As decisões eram judiciais, contra réus e investigados com as melhores bancas de advocacia do país. As decisões atravessaram quatro instâncias do Judiciário. Então agora, numa reviravolta histórica, decidir que toda essa turma estava incidindo em abuso de autoridade é difícil de suportar.

Acho que as questões de vazamento têm de ser combatidas duramente, porque você fere a credibilidade do sistema. Acho que tem a potencialidade de excessos [na Lava Jato], mas não vejo excessos que justifiquem essa reversão histórica.

Sobre a CPI, foram abertas várias frentes e, por exemplo, a VTC Log não chegou a nenhuma conclusão. Vai se chegar a um resultado concreto em termos de investigação?

Há meses eu falo a mesma coisa, inclusive para colegas na CPI: investigação de crime organizado, de corrupção, de lavagem de dinheiro não é simples, não é rápido e uma CPI não tem ferramentas para fazer. Então é muito difícil a gente ter resultados concretos dessa natureza.

O que a gente vai conseguir, com certeza, porque já conseguiu?

Primeiro a proteção do patrimônio público, na medida em que vários contratos estão sendo cancelados, servidores estão sendo afastados.

Algumas coisas vão ter de ser apontadas para os órgãos de controle, mas a CPI, com o prazo que a gente tem, eu não vejo possibilidade de finalizar isso.

Com relação a outras frentes de investigação, é possível apontar crimes?

Sim, sem dúvida. Há crimes comuns, e no caso do Bolsonaro, crime de responsabilidade.

No caso do Bolsonaro, ainda haverá uma denúncia a ser recebida pelo Tribunal Penal Internacional, uma vez que tem uma conduta que se enquadra nos crimes contra a humanidade, na visão desses juristas, entre eles a Sylvia Steiner, que foi a última brasileira a fazer parte do TPI.

Então desde o começo eu tenho a preocupação de dar uma base mais técnica às coisas, porque senão fica só no discurso político.

Acha que a CPI foi midática demais, política demais?

Toda CPI é política, tem um componente político. Essa CPI, por uma série de fatores, como as redes sociais, a pandemia, a gravidade dos fatos, despertou uma superatenção que provavelmente nenhuma outra conseguiu.

Eu acho que a gente conseguiu driblar na maior parte dos casos a tentação do holofote. Começou de um jeito, e hoje você vê que os senadores fazem um trabalho de análise um pouco mais cuidadoso.

Muitos deles nunca tinham passado perto de uma investigação para saber qual o efeito de uma quebra de sigilo, que é uma ferramenta básica para saber se passou ou não dinheiro aqui.

Então acho que a gente conseguiu driblar e vai entregar ao final disso um produto tecnicamente bom, respeitado, que pode ser sustentado em qualquer foro e que pode servir de base para outros atores darem seus passos na responsabilização.

Em alguma medida a CPI cometeu abusos, com quebras indiscriminadas, convocações aprovadas em bloco? Todas as quebras foram fundamentais. Todas. Não tenho conhecimento de nenhuma quebra de sigilo que tenha sido feita de forma superficial.

O sr. receberia Renan Calheiros, alvo da Lava Jato e relator da CPI, em seu palanque?

Eu não fiz campanha em nenhum momento na vida nem votei em Renan Calheiros. Pelo contrário. Então não sou aliado dele, não sou aliado do Omar [Aziz, presidente da CPI]. Sou um senador que exerce o seu trabalho como os outros.

Acho que a gente tem de trazer uma maturidade política para as coisas. Toda decisão num colegiado tem que ser votada pela maioria. Mas considerar como aliado, não vejo sentido, nem politicamente nem internamente.

RAIO X

Alessandro Vieira, 46

Nascido em Passo Fundo (RS), foi criado e passou a maior parte da vida em Aracaju. É delegado de polícia. Foi eleito senador em 2018, seu primeiro cargo eletivo. Foi um dos fundadores e líderes do movimento Muda Senado, que detém pauta anticorrupção. É membro da CPI da Covid e líder do Cidadania no Senado.

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