Luiz Carlos Azedo: O impeachment de cada um

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Com 46 signatários de um amplo espectro político-ideológico, partidos políticos, parlamentares, movimentos sociais e entidades da sociedade civil protocolaram, ontem, na Câmara dos Deputados, o chamado superpedido de impeachment de Jair Bolsonaro. É uma síntese de todos os pedidos que foram apresentados até agora, com a inclusão do fato novo revelado pela CPI da Covid do Senado, ao investigar negociações suspeitas para a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde: a prevaricação do presidente da República.

O que não falta para o impeachment de Bolsonaro, sabe-se desde o primeiro ano de seu governo, são crimes de responsabilidade. Organizado por juristas, o texto do superpedido listou 23 crimes, organizados em sete categorias: crimes contra a existência da União; crimes contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; crimes contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; crimes contra a segurança interna; crimes contra a probidade na administração; crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos; e crimes contra o cumpri- mento de decisões judiciárias.

Acontece que o impeachment é um processo político, ou seja, não basta a existência dos crimes de responsabilidade. É preciso uma vontade política amplamente majoritária no Congresso, além de intensa mobilização popular em seu apoio. Sem isso, o impeachment permanece na gaveta do presidente da Câmara, como acontece até agora. Ou seja: o início de um processo de impeachment depende da sua aceitação pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), aliado de Bolsonaro, cujo apoio na eleição para o comando da Casa foi decisivo.

É uma situação muito diferente dos impeachments anteriores. No caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar a cassação ao ser julgado pelo Senado, o presidente da Câmara era um adversário político declarado, o ex-deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). No impeachment da presidente Dilma Rousseff, o deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) também era um desafeto, cuja eleição para o cargo fora uma derrota política para o Palácio do Planalto. Portanto, a resistência de Lira ao impeachment é resultado de um pacto de poder com o presidente da República.

União dos contrários

O inusitado do superpedido de impeachment é que extrapolou à polarização esquerda versus direita, que caracterizou os dois pedidos anteriores. Ex-aliados do presidente, como os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP), Joice Hasselman (PSL-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), estão ao lado de políticos de esquerda, como Marcelo Freixo (PSB-RJ), Gleisi Hoffman (PT-PR) e Roberto Freire (Cidadania). Além de movimentos sociais e diversas instituições, como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Partidos de centro são os grandes ausentes.

Essa “unidade dos contrários” resulta, de um lado, do trauma brutal provocado pela crise sanitária, que registra mais de 500 mil mortos pela covid-19 e o comportamento negacionista do presidente da República; e, de outro, dos objetivos eleitorais das forças políticas. A esquerda acredita que o desgaste que a mobilização popular pode causar a Bolsonaro sepultará as possibilidades de reeleição, mas a retórica oposicionista é mais forte do que a articulação efetiva para impedi-lo. A direita imagina que o afastamento do Bolsonaro pode abrir espaço para um candidato conservador, capaz de seduzir o eleitorado de centro, caso seja a única forma de evitar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva volte ao poder.

Não é uma situação nova na política. Há inúmeros exemplos de acordos semelhantes na História. O resultado desse tipo de acordo, porém, nunca é igual para os dois lados: um será beneficiado em detrimento do outro. Há duas condicionantes para que o impeachment de Bolsonaro ocorra: de um lado, o engajamento efetivo da sociedade em grandes manifestações contra o presidente; de outro, uma articulação com o Centrão e os militares para que o general Hamilton Mourão assuma a Presidência. (Correio Braziliense – 01/07/2021)

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