Como atores nas franjas do sistema tornam-se protagonistas em democracias
Como partidos (movimentos) nas franjas do sistema político tornam-se atores centrais? Na atual onda populista, a tendência é acompanhada de um processo de destruição criadora pela qual agremiações longevas são eclipsadas pelos novos entrantes. Veja, entre outros, a Front National (agora RN) e o virtual desaparecimento do PS francês; os Verdes e o declínio do SPD alemão; ou o M5S ou Lega na Itália, após o colapso de seu sistema partidário.
Esses partidos comportam-se inicialmente como startups monotemáticas focando as migrações, União Europeia, e meio ambiente que são ortogonais à dimensão redistributiva que vertebra o sistema político durante décadas, ancorada em questões como distribuição de renda e emprego. Na Europa, foram criados 110 partidos deste tipo entre 1960 e 2010, e muitos surgiram depois. Em 18 países, 25% deles ultrapassaram o limiar de 5% do eleitorado.
Eles tornam-se competitivos porque introduzem novas dimensões da competição política em conjunturas críticas após choques, como mostram De Vries e Holbot; os partidos dominantes reagem aos novos temas absorvendo-os ou rechaçando-os. Muitos falham. Os principais perdedores têm sido os partidos socialistas e social-democratas. O choque da dupla crise econômica e migratória a partir de 2010 foi o divisor de águas.
Os principais ganhadores foram os partidos radicais à direita e à esquerda, embora sua taxa de sobrevivência seja baixa: a grande maioria malogra. Mas são considerados tóxicos pelos partidos estabelecidos e só raramente logram participar de coalizões de governo (caso de Salvini hoje). A falta de experiência no poder e ausência de quadros explica o desempenho pífio quando chegam lá.
Na América Latina, o choque chegou na forma de fim do boom de commodities e da exposição brutal da corrupção. Os casos do Peru e do Brasil são extremos (há aqui também um elo comum: a Odebrecht). A corrupção torna-se a nova dimensão estruturante da disputa política juntamente com segurança pública e costumes, que deslocou a dimensão redistributiva que vertebrara a disputa política por décadas. O colapso de sistema partidário pouco institucionalizado (Brasil) ou quase inexistente (Peru) baixou o sarrafo para a entrada de outsiders.
A devastação causada pela pandemia trouxe de volta às questões redistributivas, mas surge uma nova dimensão: democracia x autoritarismo. A disputa torna-se trágica e multidimensional: redistribuição, democracia, corrupção. No Peru, a corrupção avassaladora sob Fujimori foi o foco de Castillo, do partido marxista-leninista-mariateguista Peru Libre, deslocando o tema da ameaça autoritária que também lhe afetava frontalmente. (Folha de S. Paulo – 21/06/2021)
Marcus André Melo, orofessor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)