Senador afirmou à comissão que governo federal teve uma atitude “esquizofrênica” em relação à política de combate à pandemia de Covid-19 (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Mesmo tentando se esquivar de caracterizar um ‘gabinete paralelo’ funcionando dentro do Palácio do Planalto, à revelia do Ministério da Saúde, a médica oncologista Nise Yamaguchi comprometeu diretamente em seu depoimento à CPI da Pandemia, nesta terça-feira (1º), duas figuras centrais do aconselhamento extra-oficial ao presidente Jair Bolsonaro na crise sanitária da Covid-19. Um deles, o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub.
A admissão da médica defensora do tratamento precoce ocorreu durante inquirição do líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), delegado de polícia acostumado a depoimentos. Arthur insistia na possibilidade de médicos prescreverem medicamentos contra a Covid-19 sem comprovação científica, como forma de criar a chamada “imunidade de rebanho” – a tese da contaminação geral da população como forma de cura. Nise também confirmou o aconselhamento permanente de um “conselho científico independente” chefiado pelo empresário Carlos Wizard, outro suposto integrante do ‘gabinete paralelo’.
Nenhum deles ocupou cargo oficial no Ministério da Saúde, mas todos participaram de eventos e reuniões oficiais com Bolsonaro para tratar de assuntos relacionados à pandemia. Arthur e Wizard foram convocados para depor na CPI.
Alessandro Vieira afirmou à CPI que o governo federal teve uma atitude “esquizofrênica” em relação à política de combate à pandemia e responsabilizou Nise por, juntamente com um grupo de conselheiros do presidente Bolsonaro, vender a ideia do tratamento precoce como solução para o caos sanitário da pandemia de Covid-19 no País, induzindo a população a um comportamento de risco por acreditar que a doença tem cura.
Alessandro Vieira lembrou que todos os estudos internacionais de peso, já a partir de metade do ano passado – portanto, com um ano de sua publicação – foram claros em descartar e cloroquina em qualquer tipo de tratamento contra a Covid-19, seja primário ou emergencial.
“É inaceitável um profissional médico de alta qualificação rejeitar todos os estudos técnicos de grandes instituições científicas e dos países que são referência em saúde”, disse.
Acuada, a médica tentou recorrer, como lastro científico, a um estudo do Henry Ford Health System, mas foi desmascarada pelo senador do Cidadania, que provou que ele foi “descontinuado” após não comprovar a eficácia do medicamento no tratamento da doença. Alessandro Vieira, então, pediu que a médica “faça uma revisão de consciência”.
Decreto da bula
Nise Yamaguchi confirmou que, em uma reunião no Palácio do Planalto no ano passado, todos tiveram acesso a um documento, a ser levado ao presidente da República, que tratava da indicação maciça de cloroquina e hidroxicloroquina – que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária ), Barra Torres, chamaram de minuta de decreto presidencial para mudar a bula da cloroquina.
A ideia seria incluir na bula que o remédio é eficaz contra a Covid-19, o que a ciência já provou não ser verdadeiro. Mandetta afirmou que, na ocasião, Barra Torres rechaçou a ideia e foi ríspido com Nise, supostamente defensora da ideia. Ela negou o tratamento descortês e disse que nunca aprovaria a mudança na bula de um remédio por decreto.
“Houve uma discussão e, pra eles, foi claro que não era a hora”, alegou a médica.
Ainda assim, seguiu tratando a cloroquina, mesmo ineficaz, como a bala de prata contra a Covid-19.
“Não tinha nada a ver com mudança de bula. Era simplesmente o rascunho de como poderia ser disponibilizada uma medicação que estava em falta”, disse a depoente.
A reunião para discussão do decreto para mudar a bula da cloroquina, foi comandado pelo general Walter Braga Netto, hoje ministro da Defesa. Na época, o militar era o chefe da Casa Civil de Bolsonaro. (Assessoria do parlamentar)