Início Site Página 961

Queimadas na Amazônia: No JN, Eliziane Gama critica declarações sem provas do presidente

0

Queimadas na Amazônia avançam e se tornam preocupação mundial

Declarações do presidente Bolsonaro, que voltou a culpar as ONGs pelo fogo, geraram protestos dentro e fora do país.

Jornal Nacional – TV Globo

A preocupação com o avanço das queimadas na Floresta Amazônica ultrapassou as fronteiras nacionais para se tornar um dos temas de maior interesse do mundo. E o presidente Jair Bolsonaro voltou a motivar protestos de ambientalistas. Mais uma vez, sem apresentar provas, ele insistiu em responsabilizar organizações não governamentais pelos focos de incêndio que se multiplicam na região.

Veja aqui o vídeo da reportagem

Foi de novo na saída do Palácio da Alvorada, logo pela manhã. O presidente Jair Bolsonaro voltou a acusar as ONGs pelas queimadas na Amazônia, novamente sem apresentar provas.

“As ONGs perderam dinheiro com o dinheiro que vinha da Noruega e da Alemanha para cá. Estão desempregados. Têm que fazer o quê? Tentar me derrubar, tentar me derrubar é o que sobra a eles, mais nada além disso”.

O presidente mencionou a existência de um vídeo.

“Numa das imagens, uma pessoa de carro está queimando a rodovia do lado todinho. O fogo é exatamente da mesma altura. Dá para reparar o fogo da mesma altura, um quilômetro. Típico de queimadas. Feito como? Um cara com uma bicicleta ou motocicleta, uma vara e uma câmara, queimando, pingando aquilo na beira da pista. Típico desse aí”.

O JN pediu esse vídeo para o Ministério do Meio Ambiente, que não deu resposta.

Em seguida, na entrevista, o presidente reconheceu que não há provas contra as ONGs.

“Não se tem prova disso, meu Deus do céu. Ninguém escreve isso: ‘vou queimar lá’. Não existe isso. Se você não pegar em flagrante quem está queimando e buscar quem mandou fazer isso, o que está acontecendo é um crime, é um crime que está acontecendo. Mais ainda: o Ministério da Justiça pode mandar 40 homens. Dá para entender? Quarenta homens para combater incêndios. Dá para entender? Não tem recursos com esse caos. Chegou no caos”.

O presidente também disse que há outros suspeitos. Perguntado se podem ser fazendeiros também ele disse:

“Pode, pode ser fazendeiro, pode, todo mundo é suspeito. Mas a maior suspeita vem de ONGs”.

Sem citar nomes, o presidente voltou a criticar os governadores dos estados da Amazônia. Na quarta-feira (21), Bolsonaro disse que eles estariam sendo coniventes com as queimadas.

O governador do Amapá, Waldez Góes, do PDT, que preside o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, disse que é preciso unir esforços para combater o problema e que especulações sem provas não podem ser feitas.

“É importante uma união de esforços entre o governo federal e os governos estaduais e até mesmo a iniciativa privada, sociedade civil organizada para combater tanto o desmatamento quanto a questão das queimadas. Essas especulações, de certa forma, nem o governador nem o ministro pode fazer sem o devido aferimento. Então, se o governo federal tem provas disso, ele tem que colocar logo de pronto essas provas, senão vira um debate que ganha um campo mais político de divergências, de conflito, do que solução do problema”, afirmou Góes.

A líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama, criticou as repetidas declarações sem provas do presidente.

“O presidente acaba procurando inimigos imaginários, acusando ONGs, no meu entendimento, de uma forma leviana, sem necessariamente partir para uma ação mais concreta, pedir, por exemplo, inquérito na Polícia Federal, provocar a investigação. Naturalmente que, se temos culpados e criminosos, eles precisam ser penalizados”.

As declarações de Bolsonaro foram duramente rebatidas por ambientalistas, que se dizem alarmados com os novos ataques do presidente sem a apresentação de provas. Eles criticam também a falta de clareza da política ambiental do governo e o afrouxamento na fiscalização.

“Já que ele não podia negar que as fumaças estavam no ar, ele procurou um culpado e culpou justamente aquelas organizações que estão trabalhando para lutar pela conservação da floresta e jamais para degradar a floresta. Essas queimadas são uma consequência de uma redução dramática na fiscalização. O governo, infelizmente, vem sinalizando que vai flexibilizar a legislação e que vai deixar de fiscalizar. Isso foi um sinal muito forte. Digamos que foi um rastilho num barril de pólvora”, afirmou João Paulo Capobianco, vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

Nas últimas 48 horas foram 1.373 focos de queimadas na Amazônia, mais da metade dos registros em todo o país.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia mostra a relação direta entre a derrubada da floresta e as queimadas.

Os dez municípios da região com mais registros de focos de incêndio são também os que mais desmataram. São Félix do Xingu está entre eles. Os outros são: Apuí (AM); Altamira (PA); Porto Velho (RO); Caracaraí (RR); Novo Progresso (PA); Lábrea (AM); Colniza (MT); Novo Aripuanã (AM); e Itaituba (PA).

“Nós tivemos alguns meses atrás a indicação do Inpe de que tivemos um aumento do desmatamento nos meses de junho, julho e agosto em relação ao ano passado, e agora nós tivemos também os dados do Inpe indicando que houve um aumento de 80% dos focos de incêndio. Então, essas são coisas correlacionadas. O incêndio, a queima da floresta, é uma forma de abrir novas áreas, portanto, ampliar o desmatamento”, disse André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

As queimadas se estendem pela maior parte da Amazônia Legal, que corresponde a mais de 60% do território brasileiro. Engloba a área total do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte do estado do Maranhão.

Palmas amanheceu tomada por uma fumaça branca e densa. Cuiabá está coberta de fumaça. O problema também se repete em outras regiões do estado.

No campo os prejuízos se acumulam. No Pará uma das áreas atingidas é o Parque dos Campos Ferruginosos. O incêndio começou numa fazenda e chegou ao parque.

O céu da capital do Acre, Rio Branco, costuma ser azul, mas nos últimos dias está cinza.

Apesar dos números e das imagens provocadas pelas queimadas, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que o Brasil é vítima de uma campanha com informações ambientais falsas.

“O Brasil especificamente está sendo alvo de uma campanha completamente deslocada, equivocada, de ataques em relação à questão ambiental. Infelizmente existem algumas forças que resistem a isso e usam essas falsidades ambientais para nos atacar injustamente”.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), cobrou ações do governo.

“É lamentável. Nós precisamos de ação. A floresta está queimando, o desmatamento está muito intenso. Nós precisamos que as equipes de fiscalização possam atuar, nós precisamos de uma ação concentrada do governo. É hora de agir e não hora de ficar encontrando subterfúgios. É realmente muito triste que a gente tenha chegado nesse momento. O Brasil vai pagar um preço muito caro por estar agindo com irresponsabilidade nesse caso”.

Depois de ouvir reclamações dos possíveis prejuízos ao agronegócio, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que vai criar uma comissão para tratar do aumento das queimadas. O deputado afirmou que pretende discutir as questões relativas à Amazônia com parlamentos europeus e que abordou esse assunto com o presidente Jair Bolsonaro.

“Sentamos ontem longamente. Fomos discutir alguns projetos, fomos discutir a possibilidade. Marcamos, eles marcaram uma audiência na embaixada da Grã-Bretanha, depois vamos marcar algumas visitas, se necessário for. Alguns parlamentos na Europa para mostrar que o parlamento brasileiro, em diálogo com o governo, em nenhum momento pretende aprovar leis que flexibilizem a preservação de um patrimônio que talvez seja um patrimônio mais importante que o brasil tenha, que é o meio ambiente”.

Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (23/08/2019)

0

MANCHETES

O Globo

Efeito das queimadas – Amazônia vira crise internacional
Tensão com PF distancia Bolsonaro de Moro
STF forma maioria contra redução de salário de servidor
‘Nova CPMF’ pode ter teste de um ano com alíquota de 0,22%
STF fecha maioria contra redução de salário de servidor
Pista principal do Santos Dumont fecha amanhã
Niemeyer: laudo indica interdição mesmo sem chuva

O Estado de S. Paulo

Queimadas na Amazônia provocam reação mundial
Bolsonaro ameaça tirar indicado por Moro para PF
Com verbas bloqueadas, ministérios têm risco de apagão
STF barra corte de salário de servidor
Japão e Coreia cortam cooperação militar

Folha de S. Paulo

Queimadas acuam governo, que opta por ampliar críticas
Ministro propõe criar força-tarefa com mineradoras e ONGs
Nasa corrobora alertas do Inpe sobre alta no desmatamento
Com 500 mil hectares em chamas, Evo ataca mídia
Bolsonaro mira PF, e cúpula estranha silêncio de Moro
STF faz maioria contra cortar salário de servidor
Imprensa comete suicídio e está no fim, diz presidente
Presidente afirma estar disposto a discutir nova CPMF com Guedes
General da reserva é o quinto a ocupar diretoria que cuida do Enem
Laurentino Gomes lança série de livros sobre a escravidão no país
Paulo Romer – Ser vago é um jeito de dizer falsidades

Valor Econômico

Amazônia vira preocupação global e gera crise ambiental
Tereza Cristina, da Agricultura, tenta apagar ‘incêndio’
Pulverizar capital é opção para vender a Petrobras
BNDES vai dar o rumo das privatizações
Fernández modera tom para acalmar mercados
O padrinho da união entre Paulo Guedes e Bolsonaro

EDITORIAIS

O Globo

Fim da partilha é bom para o país e a Petrobras

É preciso apressar a exploração do pré-sal, diante do avanço do uso de fontes “limpas” de energia

Assunto que frequentou a campanha eleitoral, a privatização da Petrobras, tema que costuma sofrer interdições de fundo ideológico, ganha mais consistência. Em entrevista à GloboNews,o ainda candidato Jair Bolsonaro admitiu a venda da companhia, embora se declarasse contra. Agora, o lançamento de uma relação de 17 estatais a serem colocadas à venda reaquece o assunto. Mais do que isso, a equipe econômica espera fazer a operação até 2022, quando acaba o mandato do ex-capitão, segundo o jornal “Valor Econômico”..

Trata-se de uma grande polêmica, que passará necessariamente pelo Congresso, conforme a determinação do Supremo de que a privatização de “empresas-mãe” precisa do aval do Legislativo. Não é o caso das subsidiárias.

Mas, entre a venda da estatal-símbolo e a inércia, há muito a ser feito. A própria Petrobras planeja passar adiante refinarias, também como forma de estimular a competição no mercado de combustíveis. Em julho, por meio do mercado acionário, a estatal já se desfez do controle da BR, a maior distribuidora do mercado, faturando mais de R$ 9 bilhões, destinados a abater o ainda elevado endividamento da petroleira e a reforçar investimentos no pré-sal, o mais importante negócio para a empresa. Há ainda a venda de empresas da área de gás.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, defendeu na terça-feira, em evento no Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), o fim do modelo de partilha, que passou a ser usado na cessão de áreas do pré-sal para exploração, no governo Dilma Rousseff. Esta é mais uma das medidas que podem ajudar bastante a empresa e o país desde já, à margem da privatização da companhia.

A adoção deste modelo foi um festival de equívocos. Um deles, o fato de retirar o Brasil durante anos do mapa dos grandes leilões mundiais para exploração, enquanto a mudança era detalhada em Brasília e no PT. Perdeu-se assim um ciclo importante de alta nas cotações internacionais do petróleo — o barril ultrapassou a barreira dos US$ 100 —, o que sempre aumenta a atratividade desses leilões.

Confirmada a potencialidade do pré-sal em 2007, o primeiro leilão só veio a ser realizado em 2013, da área batizada de Libra. Para confirmar a baixa atratividade do modelo, só um consórcio fez lance, com a participação da Petrobras. Mesmo assim, o bônus de assinatura rendeu à União R$ 15 bilhões, sem considerar a parcela de óleo que será cedida durante a produção. Porém, poderia ter sido mais se tivesse havido concorrência no certame.

A não utilização do sistema de concessão no pré-sal — em que são feitos lances e ganha quem oferecer mais, sem outras complicações —, substituído pela partilha, se deveu ao poder de atração deste modelo sobre o lulopetismo. A maior ingerência do Estado no negócio foi decisiva para o PT optar pela mudança Criou-se inclusive outra estatal para administrar o óleo compartilhado, e chegou-se a estabelecer o monopólio da Petrobras na operação das áreas, ainda com a participação compulsória da empresa de no mínimo 30% em todos os consórcios.

Sequer capacidade financeira a estatal teria para assumir estes encargos, porque já se endividara muito em grandes projetos de frágil sustentação técnica. A partir do pré-sal, criou-se ainda um programa de reserva de mercado para a substituição de importações de equipamentos, incluindo navios e plataformas. Ele provocaria um rombo bilionário na estatal e em sócios privados. Mas permitiu a geração de comissões para o esquema de corrupção montado pelo lulopetismo na empresa, junto com empreiteiras.

No governo de Michel Temer, o monópolio operacional, com o qual nem a Petrobras concordava, e a participação compulsória foram extintos. Falta, como propõe Castello Branco, acabar com o modelo de partilha.

Já se perdeu muito tempo para se explorar o pré-sal. A consciência da imperiosidade da redução do uso de combustíveis fósseis, para ajudar a mitigar o aquecimento global, reduz a longevidade do petróleo como fonte de energia. Se demorar muito a explorar as novas reservas, há o risco de o Brasil ficar com este petróleo debaixo da terra, sem gerar renda e empregos.

O Globo

Ampliar privatizações ajuda a melhorar o ambiente de negócios

Reduzir peso do Estado na economia aumenta competição no país e, portanto, a eficiência

Depois de um longo período de recessão, o Brasil exibe inflação baixa, juros em quedae começaa encaminhar reformas como as da Previdência e do sistema tributário para resolver o seu problema fiscal, que limita o crescimento da renda nacional.

Por isso, é bem-vinda a iniciativa governamental de revigorar o programa de privatizações com a inclusão de novas empresas estatais — entre elas, Correios, Telebrás, ABGF, Emgea, Serpro, Dataprev, Ceagesp e Codesp.

É preciso cautela para não repetir erros do passado. Por princípio, privatizações, concessões e parcerias público-privadas tendem a proporcionar melhoria na prestação de serviços ao público e mais eficiência nas administrações, fatores decisivos para a multiplicação de investimentos. Sobretudo, porque a capacidade do Estado de se autofi-
nanciar foi consumida na recente sucessão de gestões irresponsáveis que estimularam um capitalismo corporativista, usando empresas amigas em troca de benesses pessoais e financiamentos partidários.

Reduzir o peso econômico do Estado é fundamental para estimular um ambiente de negócios baseado na concorrência. Sem isso não haverá espaço para aquilo que a sociedade reivindica: o desenvolvimento econômico sustentável.

O Estado de S. Paulo

Sem consumo, o País encalha

Dinheiro curto, emprego incerto e mercadoria encalhada continuam dominando a cena, enquanto se acumulam, na economia, alguns sinais bem-vindos de mudança. Há novidades positivas, mas sempre acompanhadas de uma ressalva. “A produção industrial mostrou forte alta na passagem de junho para julho”, segundo nova sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Máquinas trabalharam mais e o uso da capacidade instalada chegou a 68%, repetindo o nível de 2018 e superando os de 2015 a 2017. Já se fala até em mais contratações, depois de cinco meses de resultados negativos nesse quesito. As expectativas para os meses seguintes melhoraram, exceto quanto às exportações. As boas-novas, no entanto, são insuficientes para tornar o quadro muito mais luminoso.

Em julho, diminuiu o número de empregados. A queda foi menor que em junho, mas a direção se manteve. Os estoques continuaram a se acumular. Pior que isso, o índice de estoques indesejados tem crescido desde janeiro e chegou no mês passado ao nível mais alto desde maio de 2018, quando a paralisação do transporte rodoviário impediu o embarque das mercadorias vendidas. Desta vez havia transporte, mas obviamente faltou demanda – um detalhe implícito, mas evidente, no relatório da CNI.

A acumulação de estoques parece indicar também excesso de otimismo no planejamento da produção. O choque de realidade parece estar sempre relacionado com o desemprego muito alto e com a insegurança do consumidor.

A mesma sequência de novidades animadoras e de ressalvas aparece no informe da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) divulgado na quinta-feira. O indicador mais amplo subiu 1,1 ponto em agosto e atingiu 89,2 pontos, o nível mais alto desde abril, quando havia chegado a 89,5. Mas a novidade fica menos positiva quando se examinam alguns detalhes.

Em primeiro lugar, a melhora ocorreu somente na avaliação das condições atuais. Houve algum avanço nas condições do orçamento familiar e alívio em relação ao endividamento. Mas outros fatores afetaram negativamente as expectativas. Aumentou a insegurança quanto à evolução do emprego e, ao mesmo tempo, diminuiu a disposição, declarada pelos entrevistados, de compras de bens duráveis.

Em agosto – e este é um pormenor significativo – a avaliação das condições presentes melhorou pelo segundo mês consecutivo, enquanto pioraram as expectativas em relação aos meses seguintes. A evolução do quadro presente, embora positiva, continua insuficiente, portanto, para tornar menos nebuloso o horizonte e para dar às famílias, duramente castigadas pela crise, maior segurança para consumir.

A fraqueza do consumo continua refletida na inflação muito bem comportada. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), prévia do indicador oficial, subiu apenas 0,08% no último período apurado. O IPCA-15 é medido entre o meio de um mês e o meio do mês seguinte. A alta recém-divulgada, a menor para o mês de agosto desde 2010, ocorreu essencialmente no item Habitação, por causa do aumento de 4,91% da tarifa de eletricidade. Isso resultou da mudança da bandeira tarifária, por causa da maior dependência de usinas termoelétricas.

A inflação está sendo puxada, como já se havia observado a partir de dados anteriores, pelos preços administrados. Esses preços variam sem depender do comportamento do consumidor. Os preços mais afetados pela disposição de compra das famílias continuam, na maior parte, variando muito lentamente e até caindo.

O governo parece ter percebido, afinal, a persistente fraqueza do consumo, obviamente ligada ao desemprego e à insegurança. O marasmo dos negócios continua afetando a arrecadação tributária e provocando uma progressiva paralisia do governo. Todos esses dados podem provavelmente explicar a decisão do governo de proporcionar algum estímulo ao consumo a partir de setembro. Essa decisão foi muito demorada. Falta conferir se produzirá algum alívio sensível para as famílias em dificuldades.

O Estado de S. Paulo

Carga excessiva

A carga tributária recorde de 2018, registrada num período em que a atividade econômica continuou pífia – repetindo o fraco desempenho do ano anterior – e as dificuldades financeiras do setor público continuaram a se agravar, é mais um retrato de um país em profunda crise. Nem mesmo tendo retirado proporcionalmente mais recursos das empresas e das famílias, reduzindo-lhes a capacidade de investir e de consumir e, assim, prolongando as dificuldades econômicas do País, os três níveis de governo conseguiram melhorar suas finanças a ponto de indicar o equilíbrio entre receitas e despesas num prazo tolerável para os contribuintes e para os cidadãos em geral. É urgente a reformulação da estrutura de despesas do setor público, a começar pelos gastos com o sistema de Previdência Social, bem como a melhoria do sistema tributário, para, no mínimo, retirar dele as inconsistências que o tornam “uma loucura”, como o definiu o economista Kleber de Castro.

Castro e José Roberto Afonso são os autores do estudo que aponta para a carga tributária recorde de 35,07% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. Como mostrou reportagem do Estado, no ano passado o setor público arrecadou R$ 2,39 trilhões. Isso significa que, em média, cada habitante do País recolheu o equivalente a R$ 11.494 em tributos. São números que não deixam dúvidas quanto ao peso excessivo sobre os contribuintes que o custo do Estado brasileiro já alcançou e, por isso, precisa ser reduzido.

O aumento da carga tributária em 1,33 ponto porcentual, observado no ano passado, é o maior em 17 anos. É um aumento especialmente penoso para os contribuintes, não apenas por suas dimensões, mas por ter ocorrido num momento de baixo desempenho da atividade econômica (no ano passado, o PIB brasileiro cresceu apenas 1,1%, repetindo o resultado de 2017).

Depois da crise mundial de 2008, a evolução da carga tributária mudou em relação aos anos anteriores. O crescimento constante que se observara até então parecia ter sido interrompido. Houve, nos anos seguintes, oscilações no peso do tributo sobre a economia, mas a comparação entre os dados de 2008 e 2015 mostra um encolhimento da carga tributária equivalente a 1,92% do PIB. Entre 2016 e 2018, porém, houve aumento de 2,23% do PIB.

José Roberto Afonso observou que o aumento verificado em 2016 e 2017 decorreu de fatores não usuais, como o programa de repatriamento de recursos do exterior e as receitas de royalties do petróleo, impulsionadas pela alta do produto no mercado internacional. Já em 2018, a esses fatores extraordinários se somou o aumento da arrecadação de tributos tradicionais como Imposto de Renda, PIS-Cofins e ICMS. É um aumento não comum em períodos de baixa atividade econômica. Na interpretação dos autores do estudo, houve uma combinação de recuperação de alguns setores, aumento de alíquotas e fiscalização mais efetiva.

Com essa realidade tributária, “não dá para ser competitivo”, diz o empresário Ramiro Sanches Palma, do setor têxtil. “Os impostos altos praticamente inviabilizam a evolução dos negócios”, completa Ricardo Gracia, do setor de calçados. No entanto, embora desejável e necessária, a redução da carga tributária tornaria ainda mais difícil o enfrentamento da grave crise fiscal que envolve os três níveis de governo e cujo agravamento poderia afetar ainda mais a economia.

A diminuição do peso dos tributos sobre a economia, sem piorar a já grave situação das finanças públicas, depende da mudança profunda da estrutura de despesas do setor público. Há, como lembrou Afonso, um dos responsáveis pela elaboração da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma grande participação de despesas obrigatórias no Orçamento. Qualquer que seja o volume de arrecadação, o governo, em seu vários níveis, é obrigado a arcar com essas despesas, entre as quais estão a folha de pagamento do funcionalismo, os benefícios previdenciários, os programas sociais, os gastos mínimos definidos pela legislação para o custeio de saúde e educação. Boa parte dessas despesas tem crescimento contínuo. É, obviamente, uma situação que o contribuinte não pode continuar sustentando indefinidamente.

O Estado de S. Paulo

Timidez nas privatizações

O governo anunciou a inclusão de apenas nove estatais no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), órgão responsável pelas privatizações e liquidações de empresas públicas federais.

Toda iniciativa que vise a reduzir a participação empresarial do Estado, permitindo melhor uso do dinheiro público em investimentos e bem-estar da população, é naturalmente bem-vinda. Mas o anúncio do governo frustrou as expectativas criadas desde a campanha eleitoral – quando o presidente Jair Bolsonaro prometeu vender 50 estatais só no primeiro ano de mandato, e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, reiteradas vezes mencionou a intenção de se desfazer de grande parte do patrimônio da União, com um ganho calculado em R$ 1 trilhão.

A lista anunciada tem impacto apenas relativo. As empresas mais significativas são Telebrás e Correios. As demais são Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), Empresa Gestora de Ativos (Emgea), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Dataprev (de soluções de TI para o Estado), Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec).

O anúncio foi precedido de confusão, que vai se constituindo na principal marca do governo de Jair Bolsonaro. No dia anterior, o ministro Paulo Guedes havia informado que seriam 17 as estatais a serem privatizadas. Esse número, contudo, inclui oito empresas estatais e participações do Estado que já estavam no PPI. Ou seja, não eram novidade. Considerando-se que há cerca de 140 estatais federais, é um pontapé inicial bastante tímido para quem pretende revolucionar o Estado brasileiro.

Além disso, não ficou claro qual é o modelo a ser adotado nas privatizações. O governo informou que são necessários estudos para só então definir o modo como essas empresas serão vendidas. No caso dos Correios, por exemplo, é preciso criar um formato que atraia interessados ante o fato de que a empresa “tem hoje uma capacidade de investimento muito baixa”, segundo a secretária especial do PPI, Martha Seillier.

Não há nem sequer um cronograma definido. O ministro Paulo Guedes aposta que tudo pode ser feito ainda neste ano, mas essa perspectiva parece otimista demais. Os Correios, para ficar apenas nesse exemplo, só poderão ser privatizados depois da aprovação de emenda constitucional que acabe com seu monopólio sobre o serviço postal. E, como se sabe, emendas constitucionais só são aprovadas depois de muita negociação, em dois turnos de votação na Câmara e dois turnos no Senado, com necessidade de três quintos dos parlamentares em cada um deles.

“Eles prometeram fazer uma reforma de Estado e não fizeram”, criticou, em entrevista ao Estado, Elena Landau, que liderou o programa de privatização no governo de Fernando Henrique Cardoso. Para a economista, os planos anunciados indicam que não se trata propriamente de privatização, mas de desinvestimento. E ela criticou a ausência de estatais que há muito deveriam ter sido vendidas, como a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e a Valec, da área de ferrovias. “Isso é inexplicável”, disse a economista.

Assim, a lista de privatizações do governo soa mais como uma tentativa de mostrar serviço – e, para compensar a fragilidade do anúncio, o governo tratou de espalhar que pretende também privatizar, em algum momento, a Petrobrás. Com isso, os estrategistas do Palácio do Planalto supõem convencer a audiência de que estão determinados a modernizar o Estado, o que inclui desfazer-se da “joia da coroa” estatal. Contudo, se não há modelo nem cronograma para a venda de estatais bem menos estratégicas, seria ingenuidade acreditar que a disposição de privatizar a Petrobrás se converta, num futuro próximo, em ações concretas para esse fim – considerando-se não apenas os obstáculos legais, mas, sobretudo, os políticos.

A despeito das trapalhadas do governo, é salutar que o tema das privatizações volte ao debate. Sem a venda das estatais, o Estado terá muitas dificuldades para recuperar sua capacidade de investimento. No final das contas, é isso o que importa.

Folha de S. Paulo

Ou ele ou ele

PSDB rejeita por ampla maioria expulsão de Aécio, em derrota de Doria e Covas que evidencia divisões internas; rumos do partido ficam mais obscuros

Há pouco mais de um mês, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decidiu subir o tom ao comentar a resistência de representantes do PSDB mineiro à tentativa da ala paulista da sigla, liderada pelo governador João Doria e por ele próprio, de expulsar o deputado e ex-presidenciável Aécio Neves. Numa espécie de ultimato ao diretório nacional tucano, Covas lançou o desafio: “Ou eu ou ele”.

Nesta quarta (21), em Brasília, ao apreciar o pedido para levar o caso de Aécio ao Conselho de Ética, o colegiado decidiu ficar com o ex-governador de Minas Gerais. O relator, deputado Celso Sabino (PA), expôs sua visão contrária ã admissibilidade da representação —e se viu acompanhado por 30 dos 35 correligionários presentes.

Impôs-se, assim, derrota frago-rosa a Doria e ao alcaide paulistano, que parece ter bons motivos para se arrepender do afoito repto à cúpula partidária —um sinal, se não de amadorismo, pelo menos de imaturidade política.

Por sua vez, o governador afirmou por meio de nota que o PSDB escolheu o lado errado. “O derrotado nesse caso não foi quem defendeu o afastamento de Aécio. Quem perdeu foi o Brasil.”

Em que pesem os graves sinais de envolvimento em corrupção, o candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais de 2014 conseguiu mais uma vez fazer valer seu longo histórico político e sua poderosa rede de relações.

Segundo argumentou sob anonimato um de seus aliados, o estrago que Aécio poderia fazer no PSDB já se materializou no pleito de 2018. Votar por sua permanência, neste momento, seria uma forma de conter o ímpeto do grupo liderado pelo governador paulista, que tenta se assenhorear da legenda.

Não se trata, que fique claro, de disputa entre alas regionais do partido, mas entre grupos —paulistas ou não, mineiros ou não—favoráveis e contrários à ascensão do novo cacique e postulante ao Palácio do Planalto em 2022.

São perfeitamente legítimas e fundadas as ambições de Doria, mas é fato que sua rápida e bem-sucedida carreira política representa uma inflexão à direita nas tradições tucanas. No exemplo mais recente, ele levou à legenda o deputado Alexandre Frota (SP), um dissidente precoce do bolsonarismo.

Na campanha eleitoral, o governador se distanciou de seu padrinho político, Geraldo Alckmin, e se apresentou como uma espécie de aliado tácito de Jair Bolsonaro, posição da qual agora procura cautelosamente se afastar.

Suas pretensões presidenciais estão entre as poucas certezas políticas do país. Já os rumos do PSDB ficaram ainda mais obscuros.

Folha de S. Paulo

Transparência de ocasião

O personalismo de Jair Bolsonaro (PSL) macula até o que poderiam ser ações corretas do governo, vide a divulgação de dados referentes à compra de aviões com financiamentos subsidiados do BNDES, o banco federal de fomento.

Uma das bandeiras da campanha do hoje presidente foi “abrir a caixa-preta” da instituição estatal. Com isso se alimentava no eleitorado antipetista a expectativa de novos escândalos associáveis às gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Não resta dúvida de que o BNDES, um banco 100% público, deve ter todas as suas operações que não estejam cobertas pelo sigilo bancário expostas à sociedade. Isso é especialmente verdade no caso de contratos que envolvam juros inferiores aos praticados pelo mercado —subsidiados, portanto.

O governo Bolsonaro, entretanto, conseguiu transformar o que seria uma necessária prestação de contas num espetáculo de mesquinhez e antirrepublicanismo. Mal se disfarçou, no episódio, a intenção de desgastar desafetos e adversários.

Poucos dias antes de o banco divulgar as informações, o mandatário deu a entender que o apresentador de TV Luciano Huck havia comprado um jatinho com recursos favorecidos. Tratava-se de resposta explícita a uma crítica recente de Huck a sua administração.

Na terça-feira (20), o BNDES tornou pública a lista com 134 contratos de financiamentos de aviões executivos da Embraer a juros subsidiados, no valor total de R$ i,92ibilhão. Lá estavam os nomes do apresentador e do governador de São Paulo, João Doria (PSDB) —ambos tidos como postulantes em potencial ao Planalto.

Não se discute a pertinência da revelação dos dados, repita-se. O problema está em como fazê-lo.

Estatísticas e informações públicas devem ser apresentadas de forma completa e impessoal, com periodicidade previamente determinada —não de maneira seletiva e ao sabor dos humores e interesses ocasionais das autoridades.

No caso do BNDES,há um debate dos mais relevantes em andamento sobre o papel da instituição. Os desembolsos para a compra de aeronaves não são ilegais, mas constituem exemplo de uso no mínimo questionável dos recursos.

O banco deve atuar como um hospital para empresas em dificuldades? Afinal, foi para ajudar a Embraer após a crise econômica global de 2008 que o governo abriu a linha de crédito para a compra de jatos executivos. Em outros casos, envolvendo somas muito maiores, buscou-se estimular companhias e setores considerados estratégicos.

A equipe econômica de Bolsonaro parece disposta a lidar com tais temas. O presidente poderia ao menos não atrapalhar.

Carmen Zanotto pede mais participação social na revisão de portaria sobre câncer

0

Em audiência pública na Comissão de Seguridade Social da Câmara, a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC) cobrou a participação de especialistas e da sociedade civil no grupo de trabalho do Ministério da Saúde que está debatendo a atualização das Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Câncer de Cabeça e Pescoço.

“A sociedade civil não está participando da revisão da Portaria 140. Quero aqui fazer um apelo: não publiquem essa portaria sem ouvir todos os atores envolvidos”, disse, ao se dirigir aos representantes do Ministério da Saúde.

Carmen Zanotto reforçou que a participação dos especialistas, das sociedades médicas e dos grupos de apoio aos pacientes é importante na elaboração das diretrizes. “O diálogo e o trabalho conjunto são essenciais”, acrescentou a presidente da Frente Parlamentar Mista da Saúde.

A audiência debateu o projeto que institui o Estatuto da Pessoa com Câncer.

A deputada disse que não é raro ouvir , em audiências públicas, reclamação da parte dos oncologistas, radioterapeutas e representantes dos pacientes.

Carmen Zanotto defendeu ainda que o Ministério da Saúde promova debate sobre o tema em parceria com os Ministérios da Mulher, da Família e Direitos Humanos e da Cidadania.

Eliziane Gama pede implantação do Observatório da Mulher contra a violência no Maranhão

0

A líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA), solicitou nesta quarta-feira (21) a implantação do OMV (Observatório da Mulher contra a Violência) no Maranhão. O Observatório é uma plataforma de referência nacional e internacional em dados, pesquisa, análise e intercâmbio entre as principais instituições atuantes no tema da violência contra as mulheres.

“A partir dessa iniciativa, queremos compartilhar com o estado as ferramentas desenvolvidas pelo Senado, para auxiliar no aprimoramento de políticas de enfrentamento à violência contra mulheres maranhenses”, disse, ao ressaltar que a parceria será feita com a secretaria estadual da Mulher.

O OMV foi criado pelo Senado em 2016 com o objetivo de reunir e sistematizar as estatísticas oficiais sobre a violência contra a mulher; analisar e produzir relatórios a partir de dados oficiais e públicos e elaborar e coordenar projetos de pesquisa sobre políticas de prevenção e de combate à violência contra a mulher e de atendimento às vítimas.

O Observatório atende às recomendações do relatório final da CPMI de Combate à Violência contra a Mulher, como a criação de “observatórios de monitoramento, para dar conta do controle social, necessário para a eficácia da legislação em vigor”.

CPI do BNDES: Paula Belmonte questiona mudança no estatuto do banco que beneficiou JBS

0

A deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF), vice-presidente da CPI do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), questionou o ex-diretor do BNDES-PAR Eduardo Fingerl sobre a alteração no estatuto do banco que viabilizou ao grupo JBS um aporte de R$ 2 bilhões.

A parlamentar afirmou que existe suspeita de que a mudança no regulamento tenha se dado apenas para favorecer a companhia dos irmãos Batista Wesley e Joesley. Fingerl disse que não é raro o banco promover mudança no estatuto para atender a políticas de governo e que essa especificamente objetivou reforçar o apoio a empresas brasileiras no exterior. O grupo JBS era um dos campeões nacionais produzidos nas administrações do PT.

“De uma noite para outra, se muda um regulamento e dinheiro do trabalhador que se levanta às 4h e pega ônibus para trabalhar vai para a grande empresa para ela ficar ainda mais bilionária. Tudo isso sem que sejam aumentados os postos de trabalho no Brasil”, afirmou a parlamentar, lembrando que o BNDES é sustentado pelos impostos dos brasileiros, dinheiro que é reunido no caixa do tesouro nacional.

Para Paula Belmonte, o caso dos frigoríficos Independência e Bertin, outro caso levantado na reunião desta quinta-feira (22), é “um crime quase perfeito, mas a comissão já encontrou uma ponta dele”. O Independência teve falência decretada após esperar quase um ano pela segunda parcela de um aporte do BNDES que acabou não chegando. Fingerl explicou que a empresa estava em situação financeira muito difícil e o banco resolveu não repassar o restante do dinheiro. As plantas do Independência foram adquiridas, em leilão, pelo grupo JBS.

O prazo para liberação do dinheiro pelo BNDES está sendo investigado pela comissão, já que para o grupo JBS esse período chegou a ser de 20 dias, um recorde. Fingerl justificou que a formalização das operações só é possível depois que o negócio está bem encaminhado, para evitar vazamento de informações.

O frigorífico Bertin também terminou nas mãos dos irmãos Batista. Só que neste caso com um complicador a mais. Houve uma supervalorização das ações da empresa dos irmãos Bertin que levou um prejuízo de R$ 9 bilhões ao BNDES, segundo o relator da CPI, deputado Altineu Côrtes (PL-RJ). O parlamentar mostrou a Fingerl um contrato de gaveta entre JBS e Bertin na qual este último aceita como pagamento pelo seu controle acionário R$ 750 milhões e 10% das ações da empresa. O preço superfaturado foi registrado no BNDES. Fingerl disse desconhecer a irregularidade no negócio.

Paula Belmonte disse que os Bertin ainda levaram calote do JBS e só receberam R$ 370 milhões pelo frigorífico.

“Funcionários do BNDES que compram ações supervalorizadas, como aconteceu nesse caso, não têm que ser responsabilizados por isso?”, perguntou a parlamentar se dirigindo a deputados da oposição.

Projeto de Rubens Bueno acaba com prescrição para crime de estupro contra menores de 14 anos

0

O deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR) apresentou nesta quinta-feira projeto (PL 4667/2019) que torna imprescritível o crime de estupro de vulnerável, que é aquele praticado contra menores de 14 anos. Atualmente a legislação prevê que o tempo para a prescrição começa a contar na data em que a vítima fizer 18 anos, variando conforme o tamanho da pena e podendo chegar até 20 anos.

“Hoje um criminoso que comete esse delito abominável pode escapar de uma punição caso a denúncia e a abertura do processo não ocorram dentro do prazo estabelecido. Queremos acabar com isso. Até porque muitas vítimas desse tipo de crime passam por um trauma enorme e demoram anos para tomar a coragem necessária para denunciar o agressor”, afirma o deputado.

Rubens Bueno lembra ainda que hoje somente são imprescritíveis os crimes de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

“Existem crimes que, de tão repugnantes, não desaparecem jamais da lembrança dos integrantes da sociedade. São crimes que, passe o tempo que for desde sua consumação, devem continuar a demandar investigação e resposta por parte do Estado. E esse deve ser o caso do estupro contra vulneráveis”, defende.

Thiago Carvalho: A “Desdemocracia” Brasileira

0

Algumas breves considerações sobre o processo “desdemocratizante” do Brasil

Desde a dita redemocratização, será que efetivamente vivemos, em algum momento, uma democracia plena no Brasil?

O ponto de partida para responder a esse questionamento é o entendimento, em linhas gerais e tão superficiais quanto esse breve ensaio, o que é uma democracia.

A democracia é muito mais do que um regime político, sendo, ao mesmo tempo, instrumento e fim, assegurando direitos de participação política, liberdades individuais, direitos e garantias de cunho sociais e econômicos, com finalidade (nos moldes descritos na Constituição brasileira) de construir uma sociedade livre, justa e solidária, desenvolvimentista, que combata a pobreza, a marginalização, as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem-estar de todos, livres de quaisquer preconceitos, ou discriminações.

No regime democrático, a premissa máxima é a legitimação do exercício do Poder por mandatários escolhidos pelo povo, seja de forma direta, ou indireta, o que passa, necessariamente, por eleições periódicas, transparência na administração da coisa pública, que deverá pautar seus atos pela “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”

Em tempos quando o tweet de um astrólogo que despeja bile na internet, ou narrativas parciais do Antagonista e do Brasil 247, têm mais credibilidade que estudos do INPE e da FioCruz, o princípio da publicidade ganha especial relevância para que o povo exerça o escrutínio periódico municiado de dados reais, caso contrário, será uma decisão viciada e, portanto, ilegítima.

Ultrapassados esses breves e essenciais esclarecimentos, deve-se pegar uma carona no DeLorean do Doc. Emmett Brown de volta para o final do período da ditadura militar do Brasil.

Em 25 de abril de 1984, foi votada e rejeitada a chamada emenda constitucional Dante de Oliveira, que estabelecia as eleições diretas. Apesar de moribundo e sem a mesma gana dos anos 70 de continuar à frente do país, que enfrentava gravíssima crise econômica com forte inflação, os militares manobraram ardilosamente para que cento e doze deputados simpáticos ao regime faltassem à votação. Também foi decretado estado de emergência no Distrito Federal, com tropas armadas e posicionadas ao longo da Esplanada dos Ministérios, sob o pretexto de estarem a postos para proteção do patrimônio público, contra atos de vandalismo e desobediência civil. Por fim, consagrando o golpe contra as diretas, um blackout acometeu as regiões sul e sudeste, que se viram impossibilitadas de acompanhar em tempo real a votação que ocorria em Brasília.

A redemocratização começou, como se vê, de forma nada democrática.

Impostas as eleições indiretas, contrariando o anseio popular, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito. O último golpe foi bem-sucedido, ao menos em parte, já que, se por um lado prevaleceram as eleições indiretas, por outro, o candidato apoiado pelos militares, Paulo Maluf, foi derrotado.

Como, no Brasil, desgraça pouca é bobagem, Tancredo foi internado e operado às pressas, no dia 14 de março de 1985, véspera de sua posse. Rumores apontam que o General Figueiredo não estava disposto a dar posse ao vice, José Sarney, sendo necessária articulação de bastidores, entre Tancredo no hospital, junto a Figueiredo, com mediação de Francisco Dornelles, sobrinho do recém-eleito presidente, que à época era o secretário da Receita Federal e, a partir do dia seguinte, seria o Ministro da Fazenda (porque política nessa pátria amada, salvo exceções e lamentavelmente, é antítese da essência da república, é negócio de família, é oligarquia, é a quintessência do patrimonialismo).

A posse foi dada ao vice-presidente José Sarney e Tancredo Neves veio a falecer em 21 de abril do mesmo ano, após sete cirurgias em razão de um tumor. Para o público, foi anunciado que se tratava de diverticulite, afinal, o povo só merece a verdade em uma democracia real, o que não era (e ainda não é) o caso do Brasil.

Talvez a maior marca do governo Sarney seja a inflação. Recebeu o país, segundo números oficiais e talvez pouco confiáveis, já que ditaduras não se comprometem com a transparência, com uma inflação de 242,24% e entregou o país ao seu sucessor com inflação de 1972,91%. O governo também foi marcado, como é praxe por aqui, por escândalos de corrupção e prática de nepotismo, o que gerou uma crise política grave, que aliada à crise econômica, deixou o país à deriva, especialmente a partir de 1987.

Veio a Constituinte de 87 e, no curso do mandato presidencial, o que é um tanto quanto artificioso, decidiu-se diminuir o tempo do mandatário no cargo de seis para cinco anos. A verdade era que Sarney não detinha mais as mínimas condições necessárias para condução do país.

Em 15 de novembro de 1989, foi realizado o primeiro turno das tão almejadas eleições diretas, pleiteadas pelo povo desde 1983. A campanha de Collor, que viria a ser eleito, foi marcada por arrecadação via caixa dois, totalizando cem milhões de dólares, financiada pelos mais ricos empresários brasileiros. Dinheiro esse que, posteriormente, seria rateado entre diversos membros que trabalharam na campanha, destacadamente PC Farias e o próprio presidente.

Face à ebulição social impulsionada pela hiperinflação e medo do socialismo, que ocupava o noticiário, (a queda do muro de Berlim foi em 9 de novembro de 1989, seis dias antes do primeiro turno), a polarização foi inevitável e forças autoritárias que ainda ecoavam do período que se encerrou em 1985 se articularam e trabalharam forte na campanha difamatória contra a esquerda, inclusive associando o sequestro do empresário Abílio Diniz ao PT, o que posteriormente foi desmentido pelos próprios autores do crime, que apontaram terem sido coagidos pela polícia a vestirem camisas da campanha do Lula no ato da prisão. Essa foi a mamadeira de piroca da época.

Eleito, Collor governou por decretos e Medidas Provisórias, atos esses muitas vezes rejeitados pelo Congresso, ou derrubados pelo STF, face à patente inconstitucionalidade. Collor sistematicamente fazia publicar normas atentatórias ao ordenamento constitucional e, portanto, alheias ao Estado democrático de direito. (Parece até 2019!)

Sem base no Congresso, sem resgatar a economia, com popularidade corroída, uma família oligárquica complicada, um irmão linguarudo e um tesoureiro de campanha que poderia dar aula a Al Capone e Lucky Luciano, o impeachment foi inevitável. O escândalo estourado pelo irmão Pedro Collor abordava desde corrupção e caixa dois, até uso de cocaína e LSD.

Marco Antônio Villa aponta, em seu livro sobre o governo Collor, intrigante diálogo supostamente ocorrido entre Jorge Bornhaussen, que ocupava cargo no governo e Mario Sérgio Conti, às vésperas da publicação da Veja acerca do escândalo que marcou o início do fim do governo:

-Vocês têm corrupção?
-Temos.
-Vocês têm drogas?
-Temos.
-Vocês têm sedução?
-Temos.
-Vocês têm rabo?
– Como, ministro?
– É, rabo… homossexualismo. (sic)
– Não, não temos.

Com rabo, ou sem rabo, com droga, ou sem droga, o que não se pode negar é que Collor se elegeu mediante violação das regras democráticas e governou alheio à Constituição.

Em 29 de dezembro de 1992, Itamar tomou posse e, em um mandato bem-sucedido, deu cabo do que o cabeça de chapa não conseguiu: estabilizar a economia. O que fez com sucesso, muito por mérito de seu então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso e sua equipe de gênios da economia.

Itamar, não se pode esquecer, foi eleito vice-presidente, ou seja, foi beneficiado pela arrecadação verdadeiramente criminosa do esquema PC Farias.

Em 1994, ano de eleições, mais uma vez de forma casuística, a emenda constitucional n° 5 reduziu o mandato presidencial de cinco para quatro anos.

As eleições foram realizadas regularmente e diante do sucesso do plano real, a eleição de Fernando Henrique Cardoso era natural e esperada.

Em 1997, em sessão solene que durou apenas nove minutos (!) e marcada por escândalo de compra de votos, foi aprovada a Emenda Constitucional n° 16, possibilitando a reeleição de mandatários do Executivo, com o oportunismo que marca a nossa atuação legislativa, e favorecendo o então presidente à recondução ao cargo.

O governo FHC, especialmente o primeiro mandato, foi de inegável sucesso, apesar de entregar o país, em 2002, em crise econômica, porém, há que se ponderar, muito aquém das anteriores. Sua ocupação do Executivo Federal não foi imune a atitudes nada republicanas, tendo enfrentado escândalos ligados a compra de votos para reeleição e corrupção durante as privatizações.

Em 2002 Lula teve vitória acachapante com 61,27% dos votos válido e em 2006 foi reeleito com percentual semelhante.

Não entrando nos méritos do período Lula, que sim, existem, e focando nas falhas morais, o governo foi marcado pelo escândalo dos bingos, mensalão e tráfico de influência como parte de um plano que se fundava na máxima de “os fins justificam os meios”, o que incluía comprar parlamentares e desviar recursos públicos para alcançar avanços sociais e, claro, manter o partido no Poder.

Em 2010 Dilma foi eleita, surfando na popularidade do Lula e se valendo dos mecanismos da máquina estatal e seus desvios. Em seu começo de mandato, apesar da forma nada republicana de financiamento de campanha da qual se valeu, pareceu disposta a contrariar interesses, ao menos a diminuir o “toma lá, dá cá”. Obviamente, a postura não durou seis meses e nem poderia, levando-se em conta o seu entorno, sua base aliada e o nosso presidencialismo não de coalizão, mas de cooptação. Ninguém chega à presidência do Brasil sendo probo, sem compactuar com a corrosão dos valores democráticos, muito menos quando se mantém aliança com o PMDB e menos ainda quando se tem Michel Temer como vice.

A situação de Dilma começou a descambar em 2013, com a série de protestos que tomaram o país, aparentemente com uma pauta legitima, mas estimulados por interesses não republicanos e determinados em promover a polarização e a demonização da política, como meio não de moralizar o jogo, mas de mudar os saqueadores.

Em 2014, ao buscar sua reeleição, Dilma vendeu ao eleitorado um país que não existia, números tão falsos que devem ter feito inveja a Delfim Netto. Foi quando ouvi pela primeira vez (e muito corretamente) o termo estelionato eleitoral. Dilma venceu as eleições porque mentiu descaradamente sobre as condições econômicas do país, atitude que passa ao largo da moralidade e da publicidade, princípios insculpidos na Constituição Federal.

Não tardou e a crise econômica se impôs. Não havia mais mágica, pedalada, economia criativa, que acobertasse o rombo das contas públicas, o fraco crescimento e o aumento do desemprego.

A oposição ainda não tinha engolido o resultado do pleito eleitoral de 2014 e seu vice, data maxima vênia, quenga velha, como se diz popularmente e político talentoso, viu na situação uma bela oportunidade de ascender à presidência. Esses fatos, combinados com a relação conflituosa entre a mandatária e o Congresso, especialmente com o gângster e então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, foi combinação explosiva que começou com “verba volant” e terminou com impeachment.

O governo Temer não nasceu de um golpe, mas de um contragolpe. O golpe foi a eleição de 2014, o impeachment de 2016 foi só mais uma etapa da nossa história “desdemocrática”.

Temer ascendeu de forma não democrática e impôs uma pauta diametral, em relação à da chapa que o fez vice. Entre escândalos, mesóclise, gravações, mesóclise, delações, mesóclise e três denúncias por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de justiça, além de uso excessivo da mesóclise, Temer concluiu seu mandato e distribuiu dinheiro aos parlamentares, no melhor estilo Silvio Santos (inclusive foi ao seu programa dominical, tentando elevar sua terrível popularidade), em valor global que superou seis bilhões de reais em emendas, além de afagos aos ruralistas e programas de refinanciamento de dívidas no mínimo depravados, face ao falso discurso de austeridade fiscal que entoava ao público. Menos de quatro meses após o fim de seu mandato, foi preso e, em seguida, solto e, novamente, preso e, mais uma vez, solto.

Depois de três décadas nessa polca com passos, giros e pulinhos, hora na direção da democracia, hora na direção da exceção, mudamos o ritmo da música, perdemos a vergonha, assumimos abertamente o desamor pelo regime democrático e levamos o Brasil para dançar tango à beira do abismo.

De todo o nosso processo “desdemocratizante”, as eleições de 2018 foram as mais descaradas, em termos de manipulações e menoscabo pelas regras da Constituição, pela moralidade, pelo respeito e pela fraternidade enquanto povo. O brasileiro cordial tirou a máscara e acordou o escravocrata sepultado desde 1888, exibindo os dentes irados, espumando de raiva, promovendo racismo, misoginia, machismo, homofobia e toda sorte de preconceito necessário para garantir os privilégios do homem branco, rico, heterossexual, patrimonialista e “amigo do rei”.

O discurso vencedor, merecedor de um capítulo exclusivo em eventual reedição de Mein Kampf (Que o destino nos livre!), não pregava mudança dentro das regras constitucionais (e até mesmo civilizatórias), pregava ruptura com radicalismo contra “tudo isso que está aí”. “Tudo isso” são justamente os valores que caracterizam a democracia, como o respeito às diferenças, o bem-estar social, as políticas afirmativas, a proteção aos bens difusos e coletivos, como o meio ambiente e o patrimônio artístico-cultural, a desconstrução da educação e a diminuição dos mecanismos de participação popular nas decisões do Estado, sob o pretexto de que essas ferramentas tornam o país ingovernável.

A verdade científica e a checagem de dados perderam protagonismo, inaugurando-se a era da pós-verdade. Fonte de informação passou a ser mensagens de whatsapp, usadas à exaustão para disparar fake news, inclusive com patrocínio de empresas, o que caracteriza crime eleitoral.

A universalização dos direitos humanos foi substituída pelo slogan “direitos humanos para humanos direitos”, funcionando como a chancela estatal para a barbárie indiscriminada e as reiteradas violações dos direitos e garantias fundamentais, vitimando especialmente os pobres e as minorias tradicionalmente estigmatizadas.

Não foi uma eleição construída em 2018, mas sim ao longo dos últimos 6 anos, ganhando impulso com a atuação de justiceiros togados que, tal qual os eleitos para o Executivo Federal desde 1984, optaram por jogar conforme suas próprias regras e não sob o império da lei.

Com resultados que encantaram a mídia tradicional e a sociedade, através da prisão de grandes empresários e políticos importantes, a operação Lava Jato ganhou status de Poder da República, ofuscando as altas Cortes do Judiciário, subjugando o Executivo e impondo sua própria pauta ao Legislativo. A Lava Jato se impôs como algo supra institucional e foi abençoada pelo clamor popular. Sérgio Moro ganhou status e poderes de imperador, além de um exército composto por membros do Ministério Público, ministros do STJ e do STF, desembargadores do TRF4, outros juízes federais, jornalistas, além de políticos que viram na Lava Jato a possibilidade de surfar na popularidade e buscar reeleição. Não vou dizer que todos foram mal-intencionados, mas é notório que ninguém foi inocente. Havia conhecimento de que a operação atuava alheia ao sistema legal brasileiro.

Esse movimento de cangaço judicial perdeu seu verniz e pouco a pouco restou evidente que não se buscava moralizar o Brasil, tampouco punir os corruptos, buscava interferir no jogo político e ser instrumento para imposição de uma pauta bizarra “liberal na economia e conservadora nos costumes”, sem prejuízo da preservação do corporativismo militar de aspirações ditatoriais, algo como uma Hidra de Lerna, com uma cabeça de Malafaia, uma de Friedman e outra de Pinochet.

Para eleição da Hidra, o Poder Paralelo, cristalizado na Lava Jato e encabeçado por Moro, deixou a vergonha de lado e se valeu de: interceptação telefônicas de conversas entre pessoas em gozo de foro por prerrogativa de função, inclusive a então presidente da república, seguida por sua divulgação sem quaisquer pudores (o que foi crucial para seu impeachment); vazamentos seletivos; levantamento do sigilo de delações premiadas em prejuízo do PT às vésperas do primeiro turno das eleições de 2018; e, claro, aceleração da prisão do principal obstáculo ao sucesso do plano, o ex-presidente Lula, que mesmo depois de enviado ao cárcere, alcançava 39% das intenções de voto, conforme apontavam as pesquisas.

Nesse arremedo de democracia, regida por uma constituição (com c minúsculo mesmo) de cordel, proposições maduras não rendem votos; o drama é necessário e, tal qual comum no citado estilo literário, a eleição se resolveu em ponta de faca. Foi nesse contexto que um curioso atentado fez saltar da estagnação dos (aproximadamente) 20%, para quase 40% as intenções de voto em Bolsonaro. O atentado, no fim das contas, foi bom para capitão e péssimo para o Brasil.

Coroando a campanha mais antidemocrática da história, a mamadeira de piroca, o kit gay, a ideologia de gênero e as fake news do whatsapp levaram Bolsonaro à vitória nas eleições, sem participar de debates e escolhendo para quais veículos daria “entrevistas”, que na verdade não passavam de amigáveis palanques.

Já eleito, saudando sua dívida, Bolsonaro fez de Moro seu Ministro da Justiça e prometeu-lhe cadeira no STF. Um péssimo negócio para Moro, como se verá, que crente em sua imortalidade, de que era o próprio universo, tal qual Érebo, acabou aprisionado no Tártaro, o mundo inferior por onde passam os mortos.

Já o ungido pelas urnas coleciona, ao longo de oito meses de governo, derrotas e fracassos retumbantes. É difícil lembrar de três medidas bem-sucedidas do governo, mas se pensar em polêmicas, crimes de responsabilidade e declarações esdrúxulas ou indecorosas, especialmente envolvendo questões sexuais, pênis, urina e fezes, há subsidio suficiente para Rubem Fonseca escrever uma continuação de Secreções, Excreções e Desatinos.

Atualmente o Brasil não tem um presidente, tem uma blogueira adolescente imatura, burra, preconceituosa, insegura quanto à sua sexualidade e com aspirações fascistoide, o que, em certo grau, é até coerente, tendo em vista que o país também não tem uma democracia.

Ponto incontestável, como se vê, é que todos os presidentes pós redemocratização (nem sei se esse termo ainda faz algum sentido) violaram as regras constitucionais para alcançar a eleição e viabilizar a governabilidade, o que conduz à inevitável conclusão de que na democracia brasileira a única forma de se eleger e de se governar é à margem das normas.

Independente da nobreza dos objetivos e da relevância dos feitos alcançados, o que se evidencia é um sistema absolutamente disfuncional, fundado em uma constituição de quase irrelevância, tamanha a ficção de seus preceitos que não se impõem, que não são obedecidos. É um sistema que admite sujeitos acima da constituição.

Que democracia é essa, onde não há o império da lei?

Frank Underwood, personagem de Kevin Spacey em House of Cards, cunhou a acintosa frase: “Democracy is so overrated.” Hoje, não nego, concordo com ele.

Mais acima chamei nossa Carta Republicana de constituição de cordel, o que merece correção. O cordel é gênero literário marcado por retratar o cotidiano do povo e, quase sempre, implica em um protagonista achando a saída para seus problemas com perspicácia, através de narrativa em quadras, sextilhas, septilhas, oitavas e tantas combinações de versos, quanto imagináveis. Nossa constituição não tem esse charme, tampouco apresenta soluções. Mais se parece com um poema simbolista (alguns consideram pré-modernista) de Augusto dos Anjos, que narra a tragédia do filho natimorto.

Soneto
Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos.
2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,

Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante,
A minha morfogênese ancestral?!

Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!…

Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
Panteísticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!

Eis o que somos: uma democracia abortada. Uma não democracia. Um não ser.

Talvez (Oxalá!), ao contrário de minha percepção, não seja essa nossa “desdemocracia” um feto natimorto, mas sim as verdadeiras dores do nascimento. A poetisa portuguesa Natália Correa nos ensina, em Autogénese, que “a gente só nasce quando somos nós que temos as dores.”

Que sejam, pois, as dores do momento, o prenúncio do nascimento da nossa desesperadamente anelada democracia.

Thiago Carvalho, coordenador estadual do Diversidade23 do Rio de Janeiro

________________________________________________________________________________________________________

P.s.1: Esse texto tem por objetivo provocar uma centelha de onde deve se partir para uma reflexão mais profunda sobre a democracia brasileira, não tendo a pretensão de estudar intensamente os fatos históricos, sendo, por isso, bastante resumidas as exposições quanto aos mandatos presidenciais.

P.s.2: O enfoque no período pós ditadura se deu porque é onde se concentra o grande mito da democracia brasileira, o que não significa, de forma alguma, que esse autor crê em algum período de democracia plena anterior a 31 de março de 1964.

Luiz Werneck Vianna: A procura de um ator

0

Cumpridos sete meses de disputas encarniçadas ainda não se divisa qual partido tem levado vantagem na guerra de posições em que estão envolvidos o governo com as forças políticas que o apoiam no sentido de desviar o curso do nosso processo de modernização, vigente em linhas gerais desde os anos 1930, e as que se opõem, embora erraticamente, a tal movimento. De qualquer modo, pode-se constatar que se houve veleidades de uma ação do tipo blitzkrieg, rápida e fulminante, a fim de levar de roldão o sistema da ordem da Carta de 88, ela saiu do plano das cogitações oficiais, admitindo os estrategistas dessa operação que ela exige um tempo longo de maturação, para o que já se cogita mais um período presidencial.

Longe de serem uma linha maginot facilmente devassável, as instituições postas pela Carta de 88 tem-se mostrado robustas e resilientes, contrariando os incréus, ao assédio que lhes são feitas. Daí serem elas o objetivo estratégico do governo e seus aliados, principalmente o grande empresariado das finanças e do agronegócio, que identificam nelas obstáculos à expansão dos seus negócios, tal como na afirmação do princípio da solidariedade social, obstáculo ao modelo de capitalização desejado pelo super ministro da economia em favor das finanças, e da defesa do meio ambiente e das terras indígenas cobiçadas pelo agronegócio e pelo setor da mineração.

É próprio das guerras de posição de que as partes em conflito não só se mantenham firmes na defesa do terreno ocupado como procurem se assegurar das suas bases de abastecimento, de apoio político e social. Na atual circunstância em que ora se vive aqui é preciso destacar as vantagens com que contam o governo e seus aliados sobre seus oponentes, a começar pelo fato elementar de deterem a iniciativa das ações, com o que selecionam a seu favor o tipo dos embates com que fustigam seus adversários. Outra vantagem não negligenciável deriva da inexistência no campo das oposições de lideranças que organizem sua heterogênea composição, quer as de origem política quer as intelectuais, viciadas em seu gosto idiossincrático pelo protagonismo, dificultando, quando não impedindo, ações concertadas.

Contudo, pode-se considerar como passageiras algumas dessas desvantagens por que de fácil remédio. O estoque de reservas mobilizáveis pela oposição é muitas vezes superior ao que se apresenta como disponível pelo governo e aliados, e que tende a crescer em razão do estilo truculento e errático que tem caracterizado suas ações, prisioneiro até então da biografia e da personalidade agressiva do seu maior condutor, o presidente da República. O sindicalismo, os intelectuais, os estudantes, o amplo mundo das classes subalternas, a massa considerável da população se encontra à margem da agenda governamental que não dispõe de políticas de legitimação para elas. No caso, vale lembrar que o regime militar – pretenso espelho do governo atual – adotou em busca de legitimação, com êxito durante certo tempo, a via da expansão econômica, objetivo inteiramente ignorado pelos agentes atuais da política econômica.

Nesse cenário de disputa não se trata de uma corrida contra o tempo. Salvo imprevistos dramáticos, os atores que se contendem devem continuar em seus esforços de acumulação de forças, contrapondo o projeto de erradicação da Carta de 88, fórmula concisa da estratégia do governo e seus aliados, dos que a defendem. São dois projetos antagônicos de concepção de ordem e de sociedade, e nisso a vantagem se encontra mais no lado dos seus defensores do que naqueles que a atacam, em razão do óbvio motivo de que a Carta já está aí, conta com trinta anos de existência e penetração capilar em todas as regiões do social.

Daí estarmos envolvidos numa batalha de ideias, apesar de se ter uma débil compreensão a respeito desse fato. Grande parte dos nossos intelectuais, como reação à rusticidade e à brutalidade das ações do governo, tem-se dedicado, muitas vezes com brilho, a explorar pelas artes da ironia a fraqueza e a ausência de argumentos com que são formuladas as suas iniciativas. Ficar nisso não altera em nada a atual disposição de forças. O endereço principal da crítica deve ser o da estagnação da economia, do crescimento das desigualdades sociais, da falta de alento na vida social, da baixa estima quanto aos nossos valores e à nossa história. Para tanto, conta-se com um rico inventário na nossa bibliografia a ser expandido e exposto a uma revisão crítica e que tenha como alvo a valorização da nossa cultura e o reconhecimento dos nossos êxitos civilizatórios, recusados arbitrariamente pelo conjunto de forças que animam o governo que aí está.

Lembrar que o movimento vitorioso na derrota do regime militar nasceu escorado numa larga produção cultural, inclusive universitária, constante desse acervo a produção de teses de doutorado que se dedicaram à pesquisa das raízes do nosso autoritarismo e das nossas desigualdades sociais, exemplares dessa vasta coleção a obra de Florestan Fernandes em a Revolução Burguesa no Brasil e São Paulo, crescimento e pobreza, trabalho coletivo inspirado pelo Cardeal Paulo Evaristo Arns, ambos de meados dos anos 1970. São fios a serem retomados a fim de dotar as forças da oposição ao que aí está de um plano de navegação em meio a essa tempestade que se abateu sobre nós, cuja duração parece longe de arrefecer.

Finalmente, deve-se atentar para o contexto internacional em que o país vem dando largos passos em direção a um alinhamento incondicional à política do presidente norte-americano Donald Trump, rompendo com a tradição de autonomia da sua política externa, vigente inclusive durante o recente regime militar, e que, no limite, pode trazer prejuízos a muitas de suas atividades econômicas, como no caso do agronegócio. Contradições severas, portanto, caracterizam o momento atual, e que demandam por parte de um ator, que ainda não temos, amplo descortino da situação, sangue frio e perseverança no sentido de afastar os perigos que rondam a nossa democracia e o destino do seu povo. O esforço de agora é para construir um ator capaz de intervir com eficácia nessa cena. (IUH Online – 21/08/2019)

Seminário da FAP reúne especialistas para debater novo programa político para o século XXI

0

Assunto será abordado por quatro perspectivas distintas: democracia, desenvolvimento, inclusão e sustentabilidade

Temas de grande relevância popular, como a democracia, o desenvolvimento, a inclusão e a sustentabilidade devem ser, cada vez mais, incluídos nas pautas políticas. Com o objetivo de qualificar esse debate, o seminário “Desafios da Democracia – Um programa político para o século XXI” será realizado neste sábado (24), na Casa do Saber, em São Paulo.

Dividido em quatro mesas, o evento tem início às 9h com a recepção aos participantes. Em seguida, às 9h30, ocorre a abertura com Vinicius Muller, secretário-executivo do seminário, historiador e professor do Insper; e Roberto Freire, presidente nacional do Cidadania, antigo PPS.

“Um dos debates mais relevantes de nossos dias contempla a possibilidade de estarmos vivendo um período de risco para a democracia. Ou, no mínimo, para a democracia liberal. Por isso, identificar os grandes temas que não só mobilizam a sociedade, como aqueles relacionados a sustentabilidade e a inclusão social, mas que podem ser favoráveis a adição de propostas iliberais, nos ajuda a identificar tais posições e deixar as diferenças mais claras entre o que defendemos – ou seja, a manutenção e ampliação dos valores liberais da democracia – e o iliberalismo, o risco autoritário – que nos ameaça”, destaca Muller.

Cada sessão do seminário será composta por um palestrante inicial, outros dois especialistas que vão apontar contrapontos, um terceiro participante para comentar o que foi dito e o mediador do debate. Dessa forma, o evento contará com mais de 20 debatedores, que visam garantir ampla absorção de ideias e opiniões, mesmo com a possibilidade de argumentos conflitantes.

O Seminário é realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania. A FAP tem como principal objetivo difundir ideais democráticos e princípios republicanos, a liberdade, a igualdade de oportunidades, a cidadania plena e a justiça social, princípios que seguem as expectativas da sociedade contemporânea. (Assessoria FAP)

SERVIÇO

Desafios da Democracia – Um programa político para o século XXI

Dia: 24 de agosto de 2019
Local: Casa do Saber – Rua Mario Ferraz, 414 – Itaim Bibi – São Paulo (SP)

José Serra: Semipresidencialismo – nem rima nem solução

0

A sociedade brasileira tem intensificado sua participação política nos últimos anos. Somos agora o país do futebol, do carnaval e, pouco a pouco, da política! As redes sociais, claro, impulsionaram essa efervescência, mas não explicam tudo. Outro vetor que impulsiona essa tendência tem sido a impaciência do eleitor com a baixa capacidade decisória de nossa política. As pessoas estão exasperadas com a lentidão das instituições em (não) responder às suas demandas. Não se trata de uma tendência exclusiva do Brasil, mas, por aqui, a imensidão dos problemas não nos dá o luxo de esperar.

Francis Fukuyama – se me permitem a ousadia de citá-lo depois da baboseira do seu “fim da História” – propõe uma interessante perspectiva para analisar essa tendência: as democracias liberais – especialmente os Estados Unidos – teriam escorregado para o terreno pantanoso da “vetocracia”, situação em que os vários atores relevantes da política são fortes para barrar propostas controversas ou polarizadoras, mas incapazes, mesmo em amplas coalizões, de tocar programas de seu interesse. Tudo é paralisia, nada de vulto acontece.

É evidente que tal situação não pode perdurar. A acumulação de impasses acabará impondo algum tipo de saída. A radicalização que se percebe na política em nível mundial – muitas vezes interpretada como uma escalada populista – parece responder a essa frustração com a paralisia decisória das instituições democráticas. O Brasil não está fora desse grande movimento. Nesse cenário, muitos interpretam que a disfuncionalidade política no Brasil está radicada em nosso sistema de governo, o presidencialismo, que não seria capaz de formar maiorias aptas a tocar as reformas essenciais para que voltemos a crescer com redistribuição de renda.

O presidencialismo não funcionaria – segue o raciocínio – porque é chamado a realizar a quadratura política do círculo. A formação de maiorias indispensáveis para tocar programas de governo requer um nível de concessões tão amplo que, paradoxalmente, uma vez formada, a maioria parlamentar já está desidratada programaticamente. Essas negociações para formação de “bases parlamentares” não são bem vistas pela população. Tudo se passa como se o objetivo fosse unicamente repartir os espaços de poder no Estado, para saciar grupos de interesse. Certa ou errada – ou exagerada –, essa é a percepção que predomina. E que provoca repulsa crescente.

Para alguns, a solução seria um sistema híbrido, o semipresidencialismo, em que o Congresso acabaria por praticamente assumir a gestão executiva, mas com o presidente detendo ainda importantes competências. A proposta tem certa inspiração no modelo francês – e também no de Portugal –, em que o parlamentarismo é mitigado pela presença de presidentes com atribuições efetivas, em contraste com os sistemas parlamentaristas “puros”, em que o chefe de Estado tem funções essencialmente cerimoniais. Neste último modelo se enquadram, por exemplo, a Itália – onde o presidente chega a ser eleito pelo Parlamento –, o Reino Unido e vários países da Europa Setentrional – onde prevalecem monarcas como chefes de Estado.

O presidencialismo tout court, do qual o primeiro e mais bem-sucedido exemplo são os Estados Unidos, caracteriza-se por uma quase absoluta concentração da gestão pública no Poder Executivo, deixando para o Legislativo as funções clássicas de legislar, definir o orçamento e a tributação e fiscalizar o Executivo.

Interessante notar, em contraste, que o presidencialismo é mais presente nos países de menor grau de desenvolvimento. A América Latina é quase toda presidencialista, o que não é difícil de explicar: os Estados Unidos eram bem-sucedidos demais para não serem copiados e a sociedade civil era muito débil perante um Estado centralizado e estruturado como gestor de colônias de exploração.

Nosso presidencialismo já surgiu concentrando grandes poderes no chefe do Executivo, enquanto ao Legislativo cabia o papel de instância de homologação. O grande antagonismo era entre o centro e as províncias. Não por acaso, aqui e na América Latina em geral o presidencialismo tem um travo vagamente autoritário. Caudilhismo, bonapartismo e cesarismo foram adjetivos frequentes na descrição do sistema quando o nível de impasse levou ao acirramento aberto com o Legislativo. E nossa História foi uma longa procissão de intervenções militares, padrão, felizmente, superado. O autoritarismo nunca dispensou o presidencialismo, por óbvio. Parlamentarismo autoritário é uma antinomia.

Respeito, mas não tenho simpatia pela proposta de semipresidencialismo. Longe de dar maior efetividade, o sistema magnificaria nossos conflitos, que já não são poucos. A proposta surgiu de um diagnóstico errado. O problema não é o sistema de governo em si – e digo isso como defensor do parlamentarismo. A raiz da baixa efetividade de nossa política está no nosso sistema eleitoral. O sistema proporcional puro incentiva a fragmentação e, pior, impede a coesão e a disciplina partidárias. Os maiores adversários de um candidato a deputado, hoje, são seus próprios correligionários. Algumas dezenas de votos podem deixar um candidato sem a vaga, que será obtida por um triz por seu colega de partido.

Semipresidencialismo não dá samba, não é rima nem solução. A solução verdadeira é corrigir nosso sistema eleitoral, com a adoção do voto distrital misto, que combina as virtudes do voto proporcional – preserva minorias relevantes – com as do sistema distrital – forma maiorias eficazes, é simples, barato e vincula eleitos e eleitores. Mais ainda, o Senado já aprovou o projeto de lei que implanta o voto distrital misto. A decisão final está agora nas mãos da Câmara, sendo relator o deputado Samuel Moreira. Vamos em frente! (O Estado de S. Paulo – 22/08/2019)