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“Brasil vive momento paradigmático”, diz Alberto Aggio

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O Brasil sempre foi um País cheio de deficiências e incompletude, com a economia decrescendo, a sociedade se repolariza e sem o mínimo de orientação no plano político. A avaliação é do historiador Alberto Aggio, em artigo publicado na nona edição da revista Política Democrática online (veja aqui) produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania.

“Em momento algum de sua história, sejam quais tenham sido seus protagonistas de proa, sejam quais os intelectuais que se esforçaram para lhe dar um sentido e o povo que se animou em saudá-lo como benfazejo, o País se concretizou como uma experiência integralmente generosa de vida a partir deste Ocidente particularíssimo, visto em alguns momentos como extremo e longínquo”, diz o analista político, que também é professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

De acordo com Aggio, que é diretor da FAP, o Brasil vive hoje mais um momento paradigmático da dificuldade para visualizar o que realmente se passa entre nós.

“A economia decresce, a sociedade se repolariza e falta o mínimo de orientação à política. Compreender a democracia e sustentá-la tem sido mais difícil do que caminhar de forma esperançosa rumo a ela”, escreveu.

No Brasil de hoje, conforme escreve o autor do artigo, “tudo parece revirado”.

“A operação Lava Jato, importante marco contra a corrupção desenfreada que se alastrou nos anos petistas, acaba de sofrer um contra-ataque”, observa Alberto Aggio.

Ele lembra que o atual presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, praticamente suspende os inquéritos que tramitam em todas as instâncias da Justiça que tenham partido de dados detalhados e compartilhados por órgãos de controle, como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), sem prévia autorização judicial.

A decisão, na opinião de Aggio, beneficia o atual senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro, e paralisa a investigação que está sendo realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, envolvendo seu então assessor, Fabrício Queiroz.

“O Judiciário, sempre tão cioso de sua autonomia, favorece assim diretamente o presidente Bolsonaro por meio de uma decisão que interrompe concretamente uma operação marcada pelo republicanismo a que, a despeito das eventuais críticas a seus procedimentos, a sociedade dava e dá imenso apoio”, afirma. (Assessoria FAP)

No #ProgramaDiferente, os 40 anos da Anistia e a volta do irmão do Henfil

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Os 40 anos da Lei da Anistia e a volta do irmão do Henfil: esse é o tema do #ProgramaDiferente (veja abaixo) desta semana. Em uma época que tem muita gente que pretende reescrever a História do Brasil, emplacando a narrativa mais conveniente à sua ideologia, é importante reverenciar a democracia e rever os fatos como eles realmente ocorreram.

Em 28 de agosto de 1979, o então presidente João Baptista Figueiredo concedeu o perdão tanto aos perseguidos políticos (que a ditadura militar chamava de subversivos) quanto aos agentes da repressão. A Lei da Anistia possibilitou o retorno de diversos exilados, entre eles Herbert de Souza, o Betinho, eternizado como “o irmão do Henfil” na canção “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, gravada por Elis Regina.

Daniel Coelho quer que servidores de carreira do BC, CVM e CGU integrem conselho de novo Coaf

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Líder do Cidadania propõe que pelo menos metade dos conselheiros seja oriunda destes órgãos

Foi protocolada, nesta quinta-feira (22), emenda de autoria do líder do Cidadania na Câmara, Daniel Coelho (PE), que visa alterar a Medida Provisória do Coaf (MP 893/2019). A proposta parlamentar quer estabelecer que pelo menos metade do conselho da Unidade de Inteligência Financeira (UIF) seja composta por servidores de carreira do Banco Central (BC), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Controladoria Geral da União (CGU).

Pelo texto original do Planalto, integrantes do Conselho do “novo Coaf” poderão ser todos provenientes de indicações políticas. Ou seja, é possível que os assentos sejam preenchidos por pessoas sem concurso público.

Líder do Cidadania na Câmara

O líder do Cidadania justifica que é preciso incluir entre os conselheiros servidores de carreira do Estado devido à complexidade da atuação do novo órgão.

“Pessoas sem qualquer vínculo com a administração pública terão acesso a dados sensíveis, o que pode colocar em risco o trabalho de todo o sistema de combate e prevenção à lavagem de dinheiro, terrorismo, tráfico de armas e demais crimes tipificados na legislação”, argumenta Coelho.

A emenda do deputado do Cidadania também prevê que a escolha dos novos conselheiros da UIF seja feita dentre servidores concursados da Superintendência de Seguros Privados, do Ministério da Economia, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Agência Brasileira de Inteligência, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Deputado estadual de Roraima Chico Mozart filia-se ao Cidadania

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Freire, Chico Mozart e Arnaldo Jordy

O deputado estadual de Roraima Chico Mozart filiou-se nesta quinta-feira (22), em Brasília, ao Cidadania. Ele tem se destacado por sua luta pela ética e transparência na Assembleia Legislativa.

Bacharel em direito e administração de empresas, o parlamentar apoia o esporte no estado e é lutador profissional de jiu-jitsu e vale-tudo.

Ele é empresário de educação superior com uma faculdade que tem uma responsabilidade social, e proporciona o ensino superior aos mais vulneráveis em forma de bolsas de estudos.

Chico Mozart está no segundo mandato e é primeiro secretário da Assembleia Legislativa de Roraima.

Prévia da inflação em agosto registra a menor alta para o mês em 9 anos

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IPCA-15 de agosto tem menor alta para o mês desde 2010

Bruno Villas Bôas – Valor Econômico

Com preços de alimentos in natura em queda, a prévia da inflação oficial de agosto surpreendeu o mercado e ficou mais distante da meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 4,25% em 2019, além de ter provocado revisões para baixo nas expectativas do índice fechado do mês e mesmo do ano. Nem a desvalorização cambial preocupa analistas, que reforçaram apostas em cortes da taxa básica de juros nos próximos meses.

Conforme divulgado ontem pelo IBGE, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) desacelerou para 0,08% em agosto, ligeiramente abaixo dos 0,09% do mês anterior. É o menor índice para mês desde 2010 (-0,05%). A leitura ficou ainda no piso das expectativas de analistas ouvidos pelo Valor Data, que esperavam, pela mediana, aceleração da prévia da inflação para 0,16%.

A surpresa desta vez foi a intensidade da queda dos preços dos alimentos consumidos dentro da casa – conceito que exclui serviços de restaurantes e lanchonetes. Esses itens recuaram 0,45% em agosto, após o regime favorável de chuvas ter elevado a oferta dos produtos. Produtos importantes na mesa ficaram mais baratos, como feijão-carioca (-14,99%) e tomate (-13,43%)

O economista André Braz, coordenador de Índice de Preços ao Consumidor do Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que a expectativa era de preços comportados de alimentos, mas o movimento foi mais intenso do que o antecipado por indicadores de atacado. “Esse comportamento deve ser manter no restante de agosto, mesmo com a desvalorização do câmbio.”

Outros preços contribuíram para o baixo índice de inflação de agosto. A gasolina ficou 1,88% mais barata nas bombas. Outro destaque foi a passagem aérea, com queda de 15,57% no mês. Os movimentos compensaram o aumento de custo da conta de luz, que subiu 4,91% com o acionamento da bandeira tarifária vermelha, o que acrescenta R$ 4 a mais a cada 100 quilowatts-hora.

Dessa forma, o IPCA-15 acumulado em 12 meses seguiu em trajetória de desaceleração, atingindo 3,22% até agosto. É o menor índice para esse tipo de comparação desde maio do ano passado. Assim, a inflação afastou-se um pouco mais da meta deste ano, de 4,25%, com margem de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos. E nada aponta para uma convergência nos próximos esses, segundo analistas.

Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco, diz que o comportamento benigno de preços deve colocar a inflação acumulada em 12 meses abaixo do piso da meta de inflação em outubro, atingindo 2,7%. Em novembro e dezembro, porém, com descarte de taxas baixas do fim de 2018, a tendência seria o indicador acumulado acelerar e encerrar o ano em 3,6%, dentro da margem de tolerância do regime.

“A ociosidade da economia e a própria inércia inflacionária devem manter uma dinâmica confortável”, diz a economista, acrescentando que o quadro reforça o cenário de que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central vai realizar mais dois cortes de 0,5 ponto percentual na Selic nas reuniões de setembro e outubro, para 5% ao ano. “As medidas de núcleo também reforçam essa percepção”.

Mais sensível ao ciclo econômico, o IPCA-EX3, medida de núcleo de inflação apresentada pelo Banco Central, teve alta de apenas 0,05% no mês, abaixo do 0,09% de julho. A média de sete medidas de núcleo do IPCA-15 foi de 0,14%, também abaixo do 0,16% do mês anterior. Esse indicador acumulado em 12 meses desacelerou para apenas 3,02% em agosto, abaixo do mês anterior (3,18%).

Surpreendida pelo resultado do mês, a MCM Consultores revisou sua expectativa para o IPCA “cheio” de agosto para 0,12%, de 0,23% anteriormente previsto. A consultoria cortou ainda de 3,9% para 3,75% sua projeção para IPCA do ano. Na mesma linha, o banco MUFG Brasil colocou sua previsão para o IPCA do ano, atualmente de alta de 4%, em revisão com viés de baixa.

Fernando Gabeira: O desmonte em família

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No início do processo de redemocratização, campanha das diretas, vi num mesmo palanque em Caruaru dois candidatos que se dispunham a combater a corrupção: Collor, caçador de marajás, e Lula, que traria ética para a política. Ambos perderam a batalha.

Não posso dizer que Bolsonaro vá pelo mesmo caminho, pois cada um tem um roteiro próprio para contradizer o seu discurso. O dele tem um caráter doméstico. Ele decidiu intervir no Coaf, na Receita Federal e na Polícia Federal (PF) porque sentiu ameaças à sua família.

Ele próprio revelou que o Fisco fez uma devassa nas finanças de seu irmão, candidato a prefeito em Miracatu, no Vale do Ribeira. Sua campanha presidencial foi investigada.

Flávio, filho de Bolsonaro, estava sendo investigado a partir de dados do Coaf. Toffoli suspendeu as investigações. O presidente aprovou.

E agora quer mudar três nomes da Receita no Rio e um delegado da PF. A Receita é apenas uma das pernas do esquema de combate à corrupção que funcionou na Lava Jato. Talvez seja a mais vulnerável. Tentei explicar isso a um fiscal, que, por sua vez, descrevia os mecanismos automatizados e anônimos que indicam a necessidade de investigar o contribuinte.

Não há grande lastro popular no apoio à Receita. De modo geral, as pessoas a temem, ou talvez a rejeitem inconscientemente. A Inconfidência Mineira e as lutas contra as taxações coloniais podem ter contribuído para isso. Nem todos se distanciam para vê-la em suas funções mais amplas, importantes para toda a sociedade.

A interferência no Porto de Itaguaí, por exemplo, interrompe um trabalho que dificultava a ação da milícia que domina a área. Pelo porto saem drogas e entram armas.

Bolsonaro não explicou a razão de sua interferência em Itaguaí. Mas deveria ser mais cuidadoso num tema que envolve a milícia diretamente. As investigações em torno do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro mostram que familiares de milicianos foram empregados ali. O próprio Fabrício Queiroz parecia ter vínculos com o grupo do Escritório do Crime, mas jamais apareceram para todos essas inter-relações gabinete-milícia.

O descaminho de Bolsonaro no trato com a autonomia dessas instituições se dá num momento singular. Outras famílias importantes, do Poder ao lado, a mulher do ministro Toffoli e a de Gilmar Mendes, também estavam incomodadas com os dados do Coaf. O lamentável vazamento no caso de Gilmar acabou contribuindo para criar uma aliança dentro do STF que inclui Alexandre de Moraes, com sua decisão de suspender investigações.

No Poder do outro lado, a Câmara aprovou um projeto de abuso de autoridade, de noite e com baixo quórum. É um tema em que se pode chegar a um acordo. Mas não deveria ser votado assim. Essa história de Rodrigo Maia decidir que havia quórum é muito subjetiva.

A Lei de Abuso de Autoridade, apesar de ainda estar indefinido o papel de Bolsonaro nela – pode vetar ou não -, também é parte de uma ofensiva que o topo dos três Poderes desenvolve contra o sistema de combate à corrupção. Ilusório pensar que as coisas voltarão a ser como antes da Lava Jato. Talvez a cúpula dos três Poderes perceba isso. O que parece estar em curso é uma espécie de freio de arrumação. O objetivo é apenas o de facilitar o movimento dos políticos e conter investigadores e juízes. Que nível de resultado sairá desse esforço ainda é uma incógnita.

Bolsonaro enfraquece Sergio Moro ao intervir na Polícia Federal. As mensagem vazadas da Lava Jato não tiveram efeito demolidor, mas foram um elemento de estímulo ao freio de arrumação.

De certa forma, todo esse movimento era previsível e a tensão, às vezes, se concentrava num só tema, como, por exemplo, a prisão após julgamento em segunda instância. O que é novidade, não tanto para mim, que vi outros projetos fracassarem, é o comportamento do governo que se diz contra a corrupção.

Para começar, o próprio partido de Bolsonaro, o PSL, aprovou o regime de urgência para a Lei de Abuso. Sinal de ambiguidade. O abuso de autoridade, em termos gerais, existe há décadas. Por que, então, aprovar a lei com tão pouca gente e discussão?

Juízes e procuradores sentem-se intimidados com o nível de abstração em que a lei foi redigida. Por que não negociar com eles?

O único tema que alguns governistas problematizaram foi o uso de algemas. Isso é importante no trato do crime comum, mas insignificante em termos de luta contra a corrupção. Eles não costumam fugir, muito menos reagir violentamente à prisão.

Os eventuais vetos que Bolsonaro apresentar à Lei de Abuso não atenuam o peso de sua investida sobre os órgãos de investigação. Não ficou clara a razão de ele pedir o afastamento do delegado da PF do Rio. A PF do Rio contribuiu para as investigações sobre a morte de Marielle Franco. Elas resultaram na prisão de milicianos.

Bolsonaro alegou que a razão da mudança era a produtividade. Mas a PF do Rio também atua na Lava Jato, cuja produtividade talvez seja maior no momento do que em Curitiba ou São Paulo.

Como quase todas as intervenções esbarram em desconforto familiar ou repressão às milícias, elas significam um retrocesso na maneira como um presidente se comporta diante da autonomia das instituições. Ironicamente, um governo que se elegeu tendo como bandeira o combate à corrupção e com os ventos favoráveis da Lava Jato aniquila as possibilidades de outra operação eficaz no Brasil.

Quebrou uma das suas pernas, a fiscalização integrada das transações financeiras, enfim, perde o rumo do dinheiro, bloqueia o caminho real para investigar corrupção. E não é só Bolsonaro. Há mais presidentes envolvidos nisso, com destaque para o do STF, que proibiu o uso dos dados do Coaf.

Uma ação entre famílias. (O Estado de S. Paulo – 23/08/2019)

Salário de servidor não pode ser reduzido, decide maioria do Supremo

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Para maioria do STF, salário de servidor não pode ter corte

Pró-corte, Moraes diz que redução seria para preservar empregos; anticorte, Fachin prega preceito constitucional

Rafael Moraes Moura, Idiana Tomazelli – O Estado de S. Paulo 

A crise fiscal vivida pelos Estados, que tem resultado em atraso nos pagamentos aos servidores, foi insuficiente para sensibilizar o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que formou maioria para impedir a redução de salários do funcionalismo mediante diminuição na jornada. Após essa sinalização, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ao Estadão/Broadcast que será preciso pensar numa mudança da Constituição para permitir o uso desse instrumento. “Terminando o julgamento, será o único caminho”, disse Maia.

Ele afirmou que ainda não há articulação nesse sentido no Congresso Nacional, mas que será necessário pensar numa Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Os ministros que votaram pela inconstitucionalidade desse dispositivo, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) afirmaram que o receituário previsto na Constituição permite até mesmo a demissão desses servidores – mas o salário é irredutível. A redução do salário e da jornada era um instrumento previsto na LRF e teve sua eficácia suspensa em 2002. Agora, o plenário da Corte indica que confirmará o entendimento de que o dispositivo viola o princípio da irredutibilidade dos vencimentos.

O resultado só não foi proclamado porque o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, decidiu suspender o julgamento para aguardar o retorno do ministro Celso de Mello, que está afastado do tribunal para se recuperar de uma pneumonia. A manobra foi possível porque ele entendeu não haver maioria (seis votos) pela inconstitucionalidade de todo o artigo, já que a ministra Cármen Lúcia defendeu a possibilidade de redução da jornada, desde que não diminua o salário, e ainda avisou que queria “deixar a porta aberta”.

A saída adotada por Toffoli foi vista por integrantes do Supremo como uma maneira de evitar uma derrota para a União e para os Estados, que viam no instrumento uma possibilidade de ajustar seus orçamentos hoje dominados pelo custo da folha de pagamento. Nas contas do Tesouro, 12 Estados fecharam 2018 gastando mais que o permitido com a folha. Com a redução da jornada e do salário, os Estados que ultrapassam o limite poderiam economizar até R$ 38,8 bilhões.

Seis dos 11 ministros entenderam que a redução temporária de carga horária e salários ultrapassa o limite legal. Votaram nesse sentido os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello.

Maria Cristina Fernandes: A chancelaria de Jair Bolsonaro

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No mesmo dia em que acenou com um recuo na indicação do seu filho para a embaixada em Washington, Jair Bolsonaro disse que o Brasil reconheceria, oficialmente, o Hezbollah como uma organização terrorista, “igual ao MST”. Se alguém imaginava que um outro embaixador poderia vir a mitigar o atrelamento do Brasil à política externa americana, ali estava o presidente da República para dizer que não.

Ao colocar o Hezbollah na roda, o presidente vai além. Impõe sua tropa contra os punhos de renda. Serviços de inteligência peritos na guerra da desinformação têm, há tempos, disseminado que o Hezbollah atua na fronteira do Brasil com a Venezuela. Mais recentemente, passaram a vincular a organização libanesa ao narcotráfico. Setores das Forças Armadas assinam embaixo, mas o Itamaraty, até o governo Jair Bolsonaro, nunca engolira essa história.

Ao antecipar o selo de terrorista para a organização, o presidente citou ainda sua atuação na Tríplice Fronteira. Não há por que duvidar que o presidente tenha informações privilegiadas sobre o crime naquela região, ainda que careça de uma explicação plausível o fato de o empresário suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP) ter tentado fraudar a intermediação da compra de energia de Itaipu falando em nome da família Bolsonaro.

Diplomata por mais de 40 anos, e embaixador do Brasil em Washington no início dos anos 1990, Rubens Ricupero não hesita em atestar a iniciativa do governo brasileiro em pregar o selo de terrorista no Hezbollah como um serviço valioso que o Brasil prestaria aos Estados Unidos e a Israel, sem quaisquer benefícios para o país.

Influente tanto no governo quanto no parlamento libanês, a organização tem um braço armado que saiu fortalecido dos conflitos na Síria e hoje é aliado do Irã, a maior pedra no sapato israelense. Ao carimbá-lo de terrorista, o governo brasileiro corre o risco não apenas de abalar as relações com o Líbano como de provocar nova queda de braço com Irã. Há menos de um mês, a relutância do Brasil em abastecer seus navios quase levou ao cancelamento de exportações brasileiras para aquele país no valor de US$ 2 bilhões anuais.

O Brasil ameaça ser declarado em recessão daqui a 15 dias, buraco que não poderá ser creditado ao governo Michel Temer, que, bem ou mal, fechou o caixa no azul. Ante uma penúria dessas, fazer política externa enrolado na bandeira americana, e de costas para deliberações dos órgãos multilaterais, como no caso das sanções contra o Irã, beira aquilo que no Congresso um dia se deu o nome de crime de responsabilidade.

Inconformado com o atrelamento, inaugurado com a celeuma da embaixada brasileira em Jerusalém, Ricupero indaga o que o Brasil tem a ganhar numa aliança incondicional com um país cujo lema é ‘America first’. A obsessão subordinar aliados a seus interesses ficou clara, por exemplo, na visita do secretário de Comércio dos Estados Unidos. Wilbur Ross desembarcou no Brasil semanas depois de o acordo entre Mercosul e União Europeia ter sido assinado. Trouxe três recados.

O primeiro foi o de que o acordo poderia moldar a produção nacional de maneira a prejudicar as exportações brasileiras para os EUA. O segundo foi o de que a tecnologia 5G criaria ‘vulnerabilidades’ para o Brasil. O terceiro foi materializado num memorando prévio ao acesso brasileiro a um fundo de U$ 60 bilhões para projetos em infraestrutura em países emergentes.

Dado o avanço da China no setor, os Estados Unidos pareciam ter resolvido se mexer. No discurso, porém, Ross foi além. Chamou a atenção dos presentes para as oportunidades que se abrirão aos empreendedores brasileiros na Venezuela com a “reversão do socialismo”. Num léxico em que não há palavras ao vento, a diplomacia americana plantava ali a semente de uma versão piorada da “Aliança para o Progresso”, cooperação que, na década de 60, buscou desviar a América do Sul da rota cubana.

O encantamento com a visita de Ross se traduziu na desfeita de Bolsonaro com o ministro de Negócios Estrangeiros da França, Jean-Yves Le Drian, preterido na agenda presidencial pela ‘live’ do barbeiro. E completou-se com impropérios contra o presidente da França, Emmanuel Macron, e a primeira-ministra alemã, Angela Merkel.

Nenhum dos dois, na opinião de Ricupero, passará recibo. Pela simples razão de que o presidente brasileiro não faz por merecê-lo. Além da postergação, por tempo indefinido, da ratificação do acordo pelos parlamentos europeus, a resposta viria na frustração do ingresso do Brasil, avalizado por Trump, na OCDE. O bloco, sediado em Paris, gravita em torno da diplomacia francesa.

Os sinais de que Bolsonaro faz pouco caso do ingresso no clube dos ricos se adensaram com a medida provisória que mudou o Coaf. Ao abrir brechas para o aparelhamento político no órgão, que agora passa a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o Brasil descumpre recomendações do braço de combate à lavagem de dinheiro da OCDE.

O presidente parece partilhar com o ministro da Economia o encantamento com as perspectivas de um acordo bilateral com os EUA. Ricupero diz que só o desconhecimento do lobby agrícola no Congresso americano é capaz de alimentar esta expectativa. É uma barreira equivalente àquela que se ergue na Europa, por Verdes, cada vez mais fortes na França e na Alemanha, contra o Brasil desmatador.

Como se a política de contenção de danos da ministra da Agricultura não tenha bastado, grandes exportadores como Blairo Maggi e Walter Schalka já soaram o alarme em entrevistas ao Valor. O desmonte só não é maior porque Donald Trump e Xi Jinping custam a se entender. A despeito da prévia de recessão, a saída recorde de investimento estrangeiro de um Brasil tem sido atribuída à tensão provocada pelos embates entre EUA e China. Mas se houver acordo, alerta Ricupero, a primeira beneficiária é a agricultura americana que avançaria no mercado chinês em detrimento dos produtos brasileiros.

Bolsonaro já disse que, se o filho não se tornasse embaixador, poderia ocupar a chancelaria. Ante o legado de um país sem investidor estrangeiro ou mercado externo, seria difícil ao 03 lhe fazer sombra. (Valor Econômico – 22/08/2019)

Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às quintas-feiras E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Brasil no centro da crise internacional com desmatamento e queimadas na Amazônia

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Amazônia vira crise internacional

Macron e ONU atacam, e governo reage

Eliane Oliveira e Gustavo Maia – O Globo

As queimadas e os dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia geraram uma crise internacional. Após ataques do presidente da França, Emannuel Macron, e do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o português António Guterres, o governo brasileiro reagiu e montou um gabinete de crise para conter a má repercussão internacional dos incêndios na floresta. Macron convocou os países membros do G7 para discutir o tema em uma cúpula do grupo que ocorre neste final de semana em seu país. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, reagiu chamando de “sensacionalista” o tom adotado pelo francês e dizendo que um debate sobre a Amazônia sem os países da região “evoca mentalidade colonialista”.

O G7 é um grupo internacional composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, as sete maiores economias de países desenvolvidos do planeta. De acordo com uma fonte do governo brasileiro, o gesto de Macron de incluir a Amazônia nos debates foi considerada grave em Brasília e, por isso, a reação teria de partir diretamente de Bolsonaro, como de fato aconteceu. Antes de Macron, o secretário-geral da ONU afirmou estar “profundamente preocupado com os incêndios na Floresta Amazônica” e reforçou que ela “tem de ser protegida”.

A presidente da Assembleia Geral da ONU, María Fernanda Espinosa, já havia se manifestado, afirmando estar preocupada com os incêndios florestais pelo mundo e cobrando ações urgentes. O presidente brasileiro fez uma reunião de emergência com oito ministros e montou um gabinete de crise para tratar do tema. Ontem à noite, em edição extra do Diário Oficial, Bolsonaro determinou a seus ministros que adotem “medidas necessárias para o levantamento e o combate a focos de incêndio na região da Amazônia Legal para a preservação e a defesa da Floresta Amazônica, patrimônio nacional”.

O governo e empresários do setor agrícola temem que a repercussão internacional possa levar à adoção de medidas retaliatórias contra produtos brasileiros por questões ambientais. De acordo com a colunista Bela Megale, o Planalto começou a procurar governadores da região para avaliar a necessidade de engajar tropas do Exército no combate aos incêndios, o que ocorreria por meio de uma operação de Garantia de Lei e da Ordem (GLO). Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil registrou um aumento de 84% no número de queimadas em relação ao ano passado. Ainda de acordo com o órgão, houve um aumento de 278% nos alertas de desmatamento registrados em julho deste ano em comparação com o mesmo mês em 2018.

BARREIRAS COMERCIAIS

Preocupado com a piora da imagem do Brasil no exterior e, principalmente, com a possibilidade de serem adotadas medidas contra produtos brasileiros por questões ambientais, o governo quer melhorar a comunicação sobre as queimadas. O tema foi alvo de uma reunião no meio da tarde entre os ministros da Agricultura (Tereza Cristina), do Meio Ambiente (Ricardo Salles) e representantes do Itamaraty, da Embrapa e do agronegócio. A informação em Brasília é que há, de fato, ameaças de imposição de barreiras comerciais de outros países. Como o Brasil é altamente competitivo em agropecuária, a avaliação é que as nações desenvolvidas, principalmente, poderão usar as queimadas como pretexto.

Mas, até o momento, não houve qualquer comunicação oficial de parceiros internacionais nesse sentido. Uma fonte a par das discussões explicou que a estratégia inclui uma posição mais efetiva das embaixadas brasileiras no exterior em defesa da imagem do Brasil. A ideia é divulgar dados oficiais que demonstrem que as autoridades do país estão trabalhando para reduzir o desmatamento e são totalmente comprometidas com o meio ambiente. Também haverá esclarecimentos para o público interno.

Luiz Carlos Azedo: Amazônia em chamas

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NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

As queimadas na Amazônia ganharam a dimensão de “crise internacional”, principalmente por causa dos vídeos de incêndios florestais que circulam nas redes sociais e das imagens de satélites distribuídas pela Nasa sobre a degradação da floresta. Ontem, o presidente da França, Emmanuel Macron, pautou o assunto na reunião do G7, os sete países mais ricos do mundo. Os líderes de Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido se encontrarão no sábado, em Biarritz. “Nossa casa queima. Literalmente. A Amazônia, o pulmão de nosso planeta, que produz 20% de nosso oxigênio, arde em chamas. É uma crise internacional”, escreveu o líder francês.

As atitudes e declarações de Bolsonaro sobre o desmatamento, a cooperação internacional para preservar a Amazônia e a política desastrada do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, levaram o país a uma posição de isolamento internacional, agravada por circunstâncias específicas, como o cancelamento de uma audiência de Bolsonaro (para ir ao barbeiro) com o chanceler francês Jean-Yves Le Drian. A gravidade da crise decorre também do fato de que a maior fronteira da França é com o Brasil, por causa da Guiana, ou seja, uma parte da região amazônica é francesa.

A forma como Bolsonaro trata a questão ambiental e o problema da Amazônia é desastrosa e típica de quem não mede as consequências de suas ações. Além de uma tremenda subestimação da importância da agenda ambiental para o mundo. Essa é a explicação, por exemplo, para o fato de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao sair do Acordo do Clima, ficou completamente isolado. Macron é o principal defensor do Acordo de Paris.

É certa também uma reação dos países vizinhos, como o Peru, que ontem manifestou preocupação com os incêndios nas proximidades de sua fronteira com o Brasil. O presidente da Bolívia, Evo Morales, também está preocupado. Contratou uma aeronave-tanque do tipo Boeing 747, chamado Super Tanker, para combater focos de incêndio na região boliviana da floresta amazônica. O avião, que tem capacidade para transportar até 115 mil litros, entrou em operação ontem.

Enquanto isso, o governo brasileiro parece uma barata tonta com que está acontecendo. O desmantelamento da política ambiental e a desestruturação dos órgãos responsáveis pelo combate ao desmatamento e controle de queimadas agravaram tremendamente a situação. Ainda mais depois do corte das verbas destinadas pela Alemanha e pela Noruega ao Fundo da Amazônia, que financiava os investimentos dos estados da Amazônia em máquinas e equipamentos para esse trabalho.

Sínodo

O governo adota uma narrativa que não tem a menor chance de dar certo, porque despreza os indicadores e estudos científicos e insiste na politização da crise, ao passo que o desmatamento e os incêndios na Amazônia são fenômenos objetivos, ou seja, independem do observador e das gravatas dos ministros e do por evidente da República. Além disso, a responsabilidade da gestão ambiental hoje é do atual governo, não adianta culpar os antecessores. Quem apaga o fogo são as brigadas contra incêndios, que não têm recursos e equipamentos suficientes para controlá-los. As Forças Armadas também não estão preparadas, mas terão de ser mobilizadas.

A situação tende a se tornar ainda mais crítica, no plano político, porque vem aí o Sínodo da Pan-Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, evento que tem preocupado o governo e que, diante das circunstâncias, deve ganhar uma nova dimensão. Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, um dos objetivos do encontro é conhecer “a riqueza do bioma, os saberes e a diversidade dos povos da Amazônia, especialmente dos povos Indígenas, suas lutas por uma ecologia integral, seus sonhos e esperanças”.

O Sínodo é um encontro de bispos, que se realizará de 3 a 27 de outubro, em Roma, com atividades paralelas que mobilizarão o clero da região, lideranças indígenas e populares, ambientalistas e representantes de órgãos oficiais de nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa. A Amazônia tem cerca de 34 milhões de habitantes, dos quais mais de 3 milhões são indígenas, pertencentes a mais de 390 grupos étnicos. Povos e culturas diferentes como afrodescendentes, camponeses, colonos, têm uma relação vital com a vegetação e as águas dos rios. Para o papa Francisco, o problema essencial “é como reconciliar o direito ao desenvolvimento, inclusive o social e cultural, com as caraterísticas próprias dos indígenas e dos seus territórios”. (Correio Braziliense – 23/08/2019)