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Desoneração da folha é leite derramado

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NAS ENTRELINHAS

O Congresso pretende reduzir os impostos e exigir do governo que corte gastos, desde que não sejam com as emendas parlamentares ao Orçamento

Depois de um almoço com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, voltou a defender a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e municípios com até 158 mil habitantes. Argumenta que não há previsão de receitas para reduzir as alíquotas de contribuição para a Previdência.

A regra permitiria que empresas de 17 setores substituam a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor e serviço prestado. Estima-se que a medida pode gerar 8,9 milhões de empregos formais diretos, além de outros milhões de postos de trabalho na cadeia produtiva dessas empresas.

Os setores beneficiados são a indústria (couro, calçados, confecções, têxtil, proteína animal, máquinas e equipamentos); os serviços de tecnologia (TI e TIC, call center, comunicação); os transportes (rodoviário de cargas, rodoviário de passageiros urbano e metro ferroviário); e a construção civil e pesada. As prefeituras de municípios até 158 mil habitantes seriam beneficiadas por uma redução de 20% para 5% da folha de pagamento. A desoneração valeria até 31 de dezembro de 2027, quando entrar em vigar a Reforma Tributária.

A decisão do governo provocou forte reação do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que recorreu ao plenário do Supremo, mas a votação está 5 x 0 a favor da liminar que suspendeu as desonerações. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Há amplo apoio nos meios empresariais, políticos e sindicais às desonerações.

A Advocacia do Senado alega que a lei não poderia ter sido anulada por decisão monocrática do ministro Cristiano Zanin. De acordo com o documento, não há criação de novas despesas em relação à desoneração desses setores, que fora adotada durante o governo Dilma Rousseff, em 2011, como medida para combater a recessão.

Segundo Pacheco, o Congresso aprovou leis que aumentaram em R$ 80 bilhões a arrecadação do governo, o que não justificaria a cobrança feita por Haddad de que o Congresso deveria ter mais responsabilidade fiscal. Esse valor cobriria em muito os R$ 10 bilhões/ano referentes à desoneração dos municípios.

O Congresso, de fato, aprovou várias leis que aumentaram a arrecadação: voto de Minerva Carf, apostas esportivas, offshores, fundos exclusivos, subvenções de ICMS e o arcabouço fiscal. E aprovou uma lei que veda cancelamento de legislação do Congresso por decisão individual de ministros do Supremo, sem apoio da maioria absoluta dos membros do STF. Além disso, o Congresso e a Procuradoria-Geral da República (PGR) também deveriam ter sido ouvidos antes da decisão de Zanin.

Prerrogativas

Há três dimensões no embate entre o governo e o Congresso. A primeira, por óbvio, é o fato de que o governo foi fragorosamente derrotado no Congresso, com a derrubada dos vetos de Lula por esmagadora maioria. Ao não aceitar a derrubada dos vetos, o governo força a barra para disputar em “terceiro turno”. Embora exista a prerrogativa institucional de o presidente da República recorrer ao Supremo sempre que julgar uma decisão do Congresso inconstitucional, ganhando ou perdendo, haverá um custo político para isso.

A segunda dimensão é o fato de que o Congresso não tem compromisso com o equilíbrio fiscal pelo lado da receita. O que significa isso? A maioria dos deputados e senadores tem muita dificuldade para votar a favor de aumento de impostos, ao mesmo tempo em que não tem nenhuma para aumentar os gastos. O governo quer aumentar impostos para gastar mais com seus programas sociais e as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Congresso pretende reduzir os impostos e exigir do governo que corte gastos, para manter o equilíbrio fiscal, desde que não sejam com as emendas parlamentares ao Orçamento.

A terceira dimensão é a “judicialização” da relação entre o Executivo e Congresso. O protagonismo do STF bateu no teto em 8 de janeiro, quando houve a invasão dos palácios da Praça dos Três Poderes. O amplo apoio que obteve contra os golpistas, que estão sendo investigados, presos e condenados, foi resultado de um amplo movimento em defesa da democracia, no qual o Congresso teve um papel decisivo.

Esse apoio não se aplica à toda a agenda do próprio Supremo, como nas questões do marco temporal, da Lei do Aborto e da legislação penal. Nesses assuntos, o STF enfrenta forte oposição conservadora ao seu papel contramajoritário, em razão dos direitos individuais e das minorias. Mas precisa tomar cuidado em relação às decisões monocráticas de seus ministros, muitas delas contraditórias e desgastantes do ponto de vista ético — quando o assunto são decisões e prerrogativas do Legislativo, está escrito nas estrelas que haverá uma reação do Congresso. Isso é leite derramado. (Correio Braziliense – 30/04/2024)

Pagamento por Serviços Ambientais sai do papel. Mais uma iniciativa do Cidadania

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Os ex-deputados federais Arnaldo Jordy (PA) e Rubens Bueno (PR) agradecem a ministra Marina Silva por dar início ao processo de regulamentação da lei, de autoria deles, que institui no Brasil o Pagamento por Serviços Ambientais. Estão programados para os próximos dias uma série de eventos sobre o tema. Hoje mesmo tem um diálogo com o setor produtivo.

Na visão de Arnaldo Jordy, estamos abrindo uma janela para o desenvolvimento sustentável. “A Amazônia Legal detém 62% do território brasileiro. Você não vai tirar a motosserra sem uma alternativa. É nesse sentido que trabalhamos. Numa alternativa para mudar esse sistema extrativista primário”, diz um dos autores da lei,

Para Rubens Bueno, a situação é simples e, ao mesmo tempo, complexa. “Manter a floresta em pé é bonito, mas deixar uma família passando fome não é. O Pagamento por Serviços Ambientais é uma forma de enfrentarmos essa contradição nacional”.

A Lei 14.119/2021 incentiva produtores, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais a conservar áreas de preservação e recuperar regiões degradadas.

Com a entrada em vigor da nova legislação, o proprietário de terras que tomar medidas para preservar áreas ou desenvolver iniciativas de recuperação ambiental em sua propriedade pode ser recompensado financeiramente por isso. Este pagamento poderá ser feito em dinheiro, melhorias à comunidade e outras modalidades.

“A medida facilitará a preservação do meio ambiente, ao estimular a conservação dos ecossistemas, combater a degradação e fomentar o desenvolvimento sustentável. A legislação anterior previa multas apenas para quem desobedecesse a lei ambiental, o que é correto. Mas somente punir o agressor não tem sido eficiente. É importante aliar a isso estratégias que também premiem os que agem corretamente e lutam em defesa de nossas riquezas naturais”, destacou Rubens Bueno.

A nova política também estabelece créditos com juros diferenciados, assistência técnica, incentivos creditícios, programa de educação ambiental e medidas de incentivo a compras de produtos sustentáveis.

De acordo com Rubens Bueno, a lei estabelece que o governo poderá fazer o pagamento direto pelos serviços ambientais ou oferecer outros modelos de remuneração, como melhorias sociais e de infraestrutura para comunidades rurais e urbanas. Ainda há a possibilidade da emissão de títulos verdes, os chamados green bonds. Emitidos por empresas, esses títulos poderão ser utilizados para a captação de recursos destinados a financiamento de uma série de projetos com impacto ambiental positivo.

IMPRENSA HOJE

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Veja as manchetes dos principais jornais hoje (30/04/2024)

MANCHETES DA CAPA

O Globo

Dívida do Rio abre embate público entre Castro e Fazenda
Haddad vive ‘round’ mais difícil contra a pressão por novos gastos
Roberto Gonçalves – ‘Brasil é o campeão de tributação sobre a folha de salários’
Agrishow vira cenário da disputa política
Deserto que se expande no Nordeste
Madonna in Copa
Rock in Rio conta a diversidade de estilos brasileiros
Países árabes coibem protestos internos contra guerra em Gaza

O Estado de S. Paulo

Maioria do Supremo omite audiências e agendas com políticos
Na contramão das previsões, contas públicas fecham março com déficit
Governo quer usar Polícia Rodoviária Federal para vigiar ferrovias e hidrovias
Justiça dá aval a recuperação da Casa Bahia; ações sobem 34%
Se liminar de Zanin não for derrubada, tributação volta a valer no dia 20
Obra de pavimentação só interessa a fazenda de ministro
Epidemia de dengue atinge todos os bairros de São Paulo
Um palco de 800m² para Madonna; cantora já está no Rio
Diplomata discreto é cartada final opositora contra Maduro

Folha de S. Paulo

Epidemia de dengue já atinge todos os bairros de São Paulo
Haddad teme que negociação amplie desoneração da folha
Contas registram déficit primário de R$ 1,5 bi em março
Exceções são dois terços dos artigos de tributária
Casas Bahia entra em recuperação judicial
Nos 40 anos das Diretas Já, evento debate democracia
País de alunos com deficiência vão à Justiça contra Tarcísio
Ronaldo vende SAF do Cruzeiro por R$ 600 mi

Valor Econômico

Número de companhias em recuperação judicial aumenta no 1º trimestre
Governo tem déficit de R$ 1,5 bi em março; 1º tri fecha no azul
Incerteza sobre juros nos EUA e risco fiscal vão manter mercados voláteis
Após acordo, Casas Bahia sobe 34,19%
Gargalo de crédito a MPME afeta segmento
Agrishow deve gerar R$ 13 bi em negócios

IMPRENSA HOJE

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Veja as manchetes dos principais jornais hoje (29/04/2024)

MANCHETES DA CAPA

O Globo

Medicina on-line avança e chega a 30 milhões de consultas no país
PT, PL e PSOL revertem queda de filiações de jovens
Construção civil reaquece puxada por vendas em SP
De pão seco a tilápia, merenda das escolas é desigual pelo país
Hospital do Rio é exemplo de eficiência no serviço público
Em documentário, um olhar de Senna pelo próprio Senna
Falta de energia vira tema de eleição na África do Sul
Em Veneza, a volta das viagens do Papa após 7 meses

O Estado de S. Paulo

Piora fiscal e cenário externo põem em xeque previsão de taxa de juros com um dígito
Casas Bahia entra com pedido de recuperação extrajudical
Exército vai moderar perfis e excluir ‘discurso de ódio’
Condomínio alto e pouca área de lazer desvalorizam prédios nos Jardins
Mais da metade do público da Cracolândia muda todo mês
Mudança nas leis que mais afetam o contidiano atinge família e tecnologia
Atriz Samara Felippo denuncia racismo contra filha em escola
Reflexiva, mais do que imersiva: a mostra sobre Dalí e o surrealismo em SP
Estados Unidos – Polícia já prendeu mais de 800 ativistas em universidades

Folha de S. Paulo

Energia de Itaipu é a mais cara das grandes usinas
CGU aponta benefício ilegal a ministro em caso Codevasf
Lula busca meio-termo para dilema da desoneração
Governo acena ao agro com linha de crédito
Nouriel Roubini – Juros nos EUA ficarão altos, e Brasil deve cortar gastos
Ex-chefe da PRF completa 8 meses preso na Papuda
Fome invade casa de ribeirinhos e crianças ficam sem merenda em Marajó

Valor Econômico

Cooperativas do agronegócio investirão R$ 7,4 bilhões em projetos industriais
Bancos abertos devem ter novo crescimento do lucro no 1º tri
Em Agrishow, Alckmin destaca PLs para o agro
Atualização do Código Civil traz temas polêmicos
Criminalidade eleva os custos na economia e afasta investidor
Casas Bahia fecha acordo para dívida de R$ 4,1 bi

Com o Congresso, tudo; sem o Congresso, nada

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NAS ENTRELINHAS

Um passeio pela história serve para reflexão sobre Lula e a maioria conservadora do Legislativo. É um equívoco imaginar uma aliança entre o Executivo e STF para domar o Congresso

Na década de 1960, as reformas de base eram um conjunto de mudanças de caráter liberal-social, faziam sentido diante das necessidades de modernização do país. Consistiam nas reformas agrária (distribuição de títulos de terras, desapropriação de terras improdutivas e produção para o mercado interno), administrativa (sistema de compras, meritocracia e regras orgânicas), eleitoral (voto para militares de baixa patente e analfabetos), bancária (controle da inflação por órgão central), tributária (sistema de arrecadação e combate a fraudes e evasão fiscal) e constitucional (necessária para viabilizar as demais).

Algumas foram parcialmente realizadas durante o regime militar, a maioria foi consagrada na Constituição de 1988 e a tributária, agora, está na ordem do dia. Era um programa herdado do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), que fora reapresentado pelo PTB, partido do vice-presidente João Goulart, como plataforma eleitoral. Na época, a vice-presidência era disputada separadamente. Entretanto, o vitorioso nas eleições foi Jânio Quadros, que tinha um projeto oposto e, na Presidência, tomava decisões muito contraditórias. Realizou uma reforma cambial ultraliberal e, ao mesmo tempo, condecorou o revolucionário Ernesto Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana.

A instabilidade e contradições políticas de seu governo levaram Jânio à renúncia. Os ministros da Guerra, general Odílio Denis; da Marinha, vice-almirante Sílvio Heck; e da Aeronáutica, brigadeiro Gabriel Grün Moss, porém, tentaram impedir a posse de Goulart. O Congresso Nacional não aceitou o golpe dos militares, mas impôs uma solução parlamentarista, para dar posse ao vice em 7 de setembro de 1961. No poder, as reformas de base passaram a ser seu programa de governo, com apoio das forças de esquerda, agrupadas na Frente de Mobilização Popular (FMP), na União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), no Pacto de Unidade e Ação (PUA) e na Frente ParlamentarNacionalista (FPN).

Em 6 de janeiro de 1963, por meio de um plebiscito, o regime presidencialista foi restabelecido. Logo a seguir, Goulart enviou ao Congresso os projetos de reforma agrária e bancária. A reforma agrária, proposta pelo PTB, foi rejeitada pelo Legislativo, que também rechaçou a lei de remessas de lucros proposta por Jango. A maioria no Congresso não aceitava as reformas de base. À época, era um dogma da esquerda brasileira a tese de que o país não se desenvolveria com monocultura de exportação e sem nacionalizar as empresas de capital estrangeiro.

Era uma incompreensão do que estava ocorrendo no Brasil, onde o capitalismo no campo já era uma realidade, liderado pelo agronegócio, e a industrialização se dava com forte presença do capital estrangeiro, sobretudo no setor de bens de consumo duráveis. A radicalização política se deu muito mais em bases ideológicas, sem que a esquerda levasse em conta a real correlação de forças na sociedade nem prever a via de modernização conservadora que seria posta em prática, em marcha forçada, pelos governos militares. Em vez de recuar em ordem, com apoio popular, Goulart apostou na radicalização.

A grande contradição

Em 13 de março de 1964, foi realizado o Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de duzentas mil pessoas, no qual Goulart anunciou a desapropriação de terras improdutivas e a estatização de refinarias. O comício serviu de pretexto para que militares e políticos de direita, com forte apoio do clero católico e da classe média, intensificasse a conspiração golpista, que foi financiada pelos Estados Unidos. A tentativa de mobilizar a sociedade para fazer a reforma agrária por decreto, como fizera com a lei de remessa de lucros em janeiro de 1964, resultou na crise política com o Congresso e no golpe de estado que destituiu Goulart, há 60 anos.

Por ironia da História, foi um Congresso transformado em colégio eleitoral, de maioria conservadora, o mesmo que barrou a emenda das eleições diretas, que viria a pôr fim ao regime militar, ao eleger Tancredo Neves, em 1985, com respaldo amplo da sociedade civil. Derrotados, os militares se retiraram em ordem, num processo político iniciado aos trancos e barrancos, e muita repressão, pelo presidente Ernesto Geisel, na segunda metade da década de 1970, porém, sendo mais bem-sucedido do que o seu projeto de capitalismo de estado nacional-desenvolvimentista, autárquico e concentrador de renda. A última prova desse sucesso político talvez tenha sido o fracasso do projeto golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro, que não teve respaldo do alto-comando das Forças Armadas, cujo profissionalismo é uma herança de Geisel.

Mas, voltando o Congresso Nacional, esse passeio pela história serve para reflexão sobre a contradição existente entre o governo Lula e a maioria conservadora do Legislativo, que flerta com o semipresidencialismo. É um equívoco imaginar uma aliança entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF) para domar o Congresso. Não cabe ao Supremo legislar sobre as políticas públicas, embora tenha o dever de zelar pela constitucionalidade das leis e pelos direitos dos cidadãos.

Se toda vez que for derrotado no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorrer à sua prerrogativa institucional de argüir a inconstitucionalidade das decisões tomadas pelo Legislativo, como no caso da derrubada dos vetos às desonerações fiscais, mesmo que tenha o respaldo daquela Corte, estaremos nos trilhos traiçoeiros que levam ao “iliberalismo” político. Nas regras do jogo, os poderes são independentes e harmoniosos, mas é o Congresso que representa a totalidade dos votos dos cidadãos. Tanto que pode, em situações de grave crise, destituir o presidente da República, por meio do impeachment. (Correio Braziliense – 28/04/2024)

O padrão a ser buscado

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É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas públicas federais

Entre o Merenda Escolar (1955) e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2023), o Brasil lançou vinte programas federais com promessas de salto na educação. A necessidade desse último, sete décadas depois do primeiro, mostra o fracasso dos anteriores: os bisnetos ainda estão precisando de pacto federativo para realizar, aos 8 anos, o que deveria ter beneficiado seus bisavós, aos 5. Fracassamos porque, no lugar de projetos executivos nacionais ambiciosos, optamos por intenções modestas com execução municipal, pobre e desigual. Sem uma política nacional ambiciosa e com instrumentos federais efetivos, em 2041 apenas 50% dos 2,5 milhões de brasileiros que nasceram em 2023 terminarão o ensino médio; no máximo a metade deles preparada para as exigências do mundo contemporâneo.

Essa ambição já serviu às crianças de famílias que podem pagar algumas das boas escolas particulares ou que conseguem vaga em escolas públicas de qualidade, quase todas federais. A solução para a equidade, portanto, já existe: ampliar para todas as crianças o sistema escolar das públicas federais. O sistema atual é injusto, porque exclusivo para poucos, e ineficiente, porque desperdiça milhões de cérebros, principal recurso do mundo atual. Além da injustiça, o Brasil continua barrando o potencial de 80% de seus cérebros.

“É um sistema injusto, exclusivo para poucos, e ineficiente, ao desperdiçar cérebros”

O presidente Lula parece ter entendido essa solução direta quando recentemente elogiou Leonel Brizola (1922-2004) por implantar os chamados Cieps, que Fernando Collor rebatizaria de Ciacs. Mas, quase meio século depois, os Cieps e os Ciacs já não bastam pedagogicamente e escolas isoladas não deram o efeito esperado: o país precisa fazer a revolução por meio das Cefes (Cidades com Educação Federal). As Cefes seriam passos vitais de uma estratégia visando formar um sistema federal público de educação de base com eficácia e equilíbrio para toda a população. O caminho: sucessivos governos nacionais substituiriam as escolas municipais por federais, em horário integral; com edificações e equipamentos modernos; professores de uma carreira nacional com elevada remuneração, formação, dedicação e avaliação de resultados. Ao final de duas ou três décadas, estaria implantado o sistema nacional com o padrão das atuais escolas federais: as técnicas, os colégios militares, o Colégio Pedro II, no Rio, e os institutos de aplicação.

Nenhum governo será capaz de implantar esse sistema em todo o território nacional durante apenas um ou dois mandatos, mas até 2026 o governo Lula tem condições de espalhar o padrão federal em cinquenta a 100 pequenas cidades, com 1 000 alunos cada, que desejem trocar suas instituições municipais por federais, com descentralização gerencial e liberdade pedagógica. Ao custo de 15 000 reais a 20 000 reais por aluno/ano, seu governo estaria dando início à revolução que o país precisa se quiser aproveitar o recurso intelectual de cada brasileiro.

Outros presidentes adotaram estratégias para indústria e infraestrutura — mas nenhum, contudo, para a raiz do progresso, que é a educação de base. Lula tem a oportunidade de deixar essa marca originada em seu governo com ambição transformadora para todo o Brasil. A ver os próximos passos. (Veja – 26/04/2024)

Parados no tempo

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Não avançaremos se a lógica política continuar a ser vivida exclusivamente como contraposição mal qualificada entre esquerda e direita

O Brasil estacionou. Tudo transcorre como se as cartas já tivessem sido lançadas e o antagonismo se reduzisse ou a ruídos congressuais ou a embates retóricos entre a esquerda oficial, devidamente entronizada no Palácio, e a direita extremada, agarrada a seus fantasmas e à fustigação moralizante contra tudo o que possa exalar direitos e democracia.

No meio disso tudo, a economia fica como a joia da Coroa. Se avança e é alcançada pelas reformas pontuais do ministro Haddad, os ares melhoram. Se trava, é um Deus nos acuda.

O que há de agitação vem dos guetos identitaristas, indiferentes à política prática e aos sentimentos das maiorias silenciosas. São guetos que conversam para dentro, não para fora. Produzem atritos contraproducentes, que quase nada acrescentam à luta política propriamente dita. Flutuam na esfera moral, de onde imaginam disparar flechas que conscientizem a população.

Os guetos trabalham com temas inegavelmente importantes – racismo, feminismo, reconhecimento, desigualdade, direitos –, mas traduzem isso em termos de guerra cultural, como se sua missão fosse forçar a população a interiorizar plataformas que não são didáticas e se perdem em teorizações acadêmicas. Como decorrência, alimentam as pautas da extrema direita, terminando por funcionar como se fosse seu sparring inconsciente.

O País continua o mesmo, só que, agora, não há quem organize os conflitos e a contestação social. Fica tudo meio solto, exacerbado, ao sabor dos ódios, dos afetos e das paixões que se compõem nas redes sociais. É fácil imaginar por que não se formam consensos.

O que tem havido de progresso vem dos influxos externos (da dinâmica incessante do capitalismo, da revolução tecnológica dos nossos dias), não da ação explícita do Estado ou de sujeitos nacionais. Lula 3 não consegue repetir o que houve de avanço em seus dois governos anteriores. Governa agarrado ao fisiologismo do Legislativo e sob as asas do Judiciário. Como não há uma oposição democrática que o chame à razão política e o ajude a privilegiar o fundamental – boas políticas públicas, um programa claro e consistente de governo –, o governo justifica sua inação alegando que está cercado pela extrema direita. É um argumento falso, especialmente porque a variante extremista está mais preocupada com manter ativos seus nichos de seguidores fiéis, sem se importar muito com o que faz ou deixa de fazer o governo, confiante de que se sairá bem nas eleições municipais e valorizará seu passe para as presidenciais de 2026.

A palavra de ordem deveria ser renovação. Trocar modos de pensar, abandonar o vocabulário de gueto, convergir para algum centro de coordenação da democracia progressista, que traga consigo uma nova forma de comunicação política, novos hábitos e procedimentos. Seria ótimo se surgisse um centro democrático que misturasse progressistas sensatos e direitistas liberais, que civilizasse a política nacional e desse um rumo de longo prazo ao País.

Isso poderia compensar a presença atabalhoada de uma esquerda oficializada, sem inserção social, sem pegada programática, aprisionada a jargões antigos e a flertes inconsequentes com atores internacionais pouco confiáveis, como se a guerra fria não tivesse terminado e as relações internacionais fossem as mesmas de antes. A esquerda brasileira ainda não processou o que há de novo no mundo e em cada sociedade. Não consegue interagir com os personagens da vida digitalizada (os empreendedores, os trabalhadores de aplicativos, os uberizados), com as novas igrejas e com as multidões de pessoas em estado de angústia, decepção e sofrimento. Soube atrair vários partidos para sua base legislativa, mas não consegue governar sem sobressaltos e com resultados efetivos.

Uma esquerda envelhecida e sem programa, quando chega ao poder, transfere ao governo mais problemas do que soluções.

A esquerda não se viabilizará dizendo à população que sua tarefa é impedir a volta da extrema direita. Precisa entregar mais do que isso. Se a direita tem crescido ao prometer Deus, pátria, família, propriedade e “liberdade de expressão”, o que a esquerda pode oferecer no lugar disso tudo? Defender-se da virulência bolsonarista? É muito pouco. A ameaça direitista nada oferece em termos de políticas públicas. Seu alvo é a destruição institucional. Há um espaço enorme para que a esquerda democrática se recomponha, se modernize, amplie sua articulação e diga qual seu papel no Brasil atual.

Tudo isso é fácil de ser proclamado e muito difícil de ser levado à prática. Mas não deveríamos fechar os olhos para a realidade que se descortina: o País está parado e não voltará a caminhar se continuarmos a transferir responsabilidades para os inimigos internos e a culpar o “capitalismo insaciável” pelos males que nos fazem sofrer. Não avançaremos se a lógica política continuar a ser vivida exclusivamente como contraposição mal qualificada entre esquerda e direita. Há muito mais coisas no céu do que aviões de combate. (O Estado de S. Paulo – 27/04/2024)

Reforma tributária será novo eixo da disputa política

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NAS ENTRELINHAS

Se a desigualdade é grande e a riqueza concentrada na elite, a maioria pobre e insatisfeita exigirá políticas distributivistas, com impostos mais altos

O Brasil levou 40 anos para aprovar a reforma tributária, que agora será regulamentada pelo Congresso. Quem quiser que se iluda, mas esse será o novo eixo da disputa política entre o governo e a oposição, mediada por um Congresso majoritariamente conservador. Tanto que, ao encaminhar a proposta de regulamentação da reforma, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recuperou a iniciativa política do governo, que estava sendo acuado por pautas diversionistas ligadas à segurança pública e aos costumes.

Não será fácil deglutir os 550 artigos da reforma. Ao contrário do que aconteceu durante a Constituinte, quando a atual estrutura tributária foi aprovada, não há muitas moedas de troca para atender aos deputados e formar maioria. A discussão será balizada pelo conflito distributivo: de um lado, União versus estados e municípios; de outro, a concentração de renda em contradição com a nossa iniquidade social.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acredita que a reforma saia até o fim do ano. Por ora, deputados e senadores estão preocupados com suas bases e voltarão das eleições com o humor proporcional às vitórias e derrotas na disputa por prefeituras. E o governo coleciona derrotas no Congresso, quando o assunto é aumentar gastos ou reduzir impostos.

Há, sim, um grande interesse da sociedade na reforma tributária. O problema é que o lobby concentrado dos grupos econômicos, seja de cartéis, seja de corporações, é muito mais eficaz do que a influência difusa da sociedade. Será um corpo a corpo desigual dos interessados.

Na Câmara, os deputados cada vez dependem menos da opinião pública e mais da “estrutura” de campanha com que chegam às eleições. No Senado, um pouco menos, porque o voto é majoritário. Uma das novidades da regulamentação é o direito ao cashback, a devolução do imposto pago na compra de mercadorias.

O governo quer garantir esse benefício para as famílias com renda per capita até meio salário mínimo. Seriam devolvidos 100% do imposto pago no caso da CBS (IVA federal) e 20% para o IBS (IVA estadual e municipal) na compra do gás de cozinha; 50% para a CBS, e 20% para o IBS nas taxas de energia elétrica, água e esgoto; e 20% para a CBS e para o IBS nos demais casos.

O cashback seria descontado nas contas de água, luz, gás encanado, por exemplo; ou na forma de crédito posterior para o contribuinte; talvez, o desconto na boca do caixa, no momento do consumo, se possível. Estima-se em 70 milhões os consumidores beneficiados.

Fica difícil para a oposição se opor a isso, mas o diabo mora nos detalhes. Quando se discute os tributos da cesta básica e outros produtos, o pau quebra. A proposta de incluir caviar na cesta básica parece piada pronta, porém, pasmem, foi encaminhada ao Senado pela Associação Brasileira dos Supermercados.

Cesta básica

A proposta de reduzir em 60% impostos para foie gras, camarão, lagostas, ostras, queijos com mofo, cogumelos, caviar, cerveja, vinho e champanhe reflete a mentalidade que precisará ser enfrentada para reduzir a concentração de renda e promover a justiça tributária. Por outro lado, há exagero na abrangência do “imposto do pecado”, que eleva as tarifas para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Nesse aspecto, há um sinal trocado em relação aos produtos processados, cuja média de tributação hoje é de 24%. Milho, ervilha, azeitona em conserva, queijo, presunto, mortadela, margarinas, requeijão, concentrado e extrato de tomate, sardinha e atum, sucos e refrigerantes, carne seca, toucinho, salsichas, maionese, mostarda, produtos lácteos, achocolatados, sorvete, iogurte, pão de forma, barras de cereais e granola, bolo e misturas, biscoitos e balas, macarrão instantâneo e congelados são produtos processados de consumo generalizado.

A PNAD Contínua Rendimento de Todas as Fontes, recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a renda domiciliar per capita no Brasil cresceu 11,5% em 2023, em comparação a 2022, atingindo o recorde de R$ 1.848. Menos desigualdade pode fazer o país crescer mais rápido. Mas há controvérsias sobre um cenário em que a renda aumenta sem que a produtividade média acompanhe. Políticas sociais alavancadas pelo deficit público são populistas. Cedo ou tarde, provocarão inflação, desemprego e recessão.

O falecido economista italiano Alberto Alesina, ex-diretor do Departamento de Economia de Harvard, ficou conhecido como “o pai da austeridade”. Ele acreditava que o corte de gastos, em vez de aumento de impostos, pode estimular a economia. A chamada “contração fiscal expansiva” influenciou os Estados Unidos e a Europa a retirar estímulos fiscais e focar na austeridade após a crise financeira de 2007 e 2008. Deu certo.

Sua tese é de que uma desigualdade excessiva gera pressões políticas para sua distribuição, que mexem com o incentivo ao investimento e acumulação de ativos. Segundo Alesina, se a distribuição de capital e de riqueza acumulada é feita por igual, o eleitor médio exigirá impostos mais baixos, que não impedirão o crescimento. Entretanto, se a desigualdade é muito grande e a riqueza concentrada numa elite, a maioria pobre e insatisfeita exigirá (Correio Braziliense – 26/04/2024)

IMPRENSA HOJE

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Veja as manchetes dos principais jornais hoje (26/04/2024)

MANCHETES DA CAPA

O Globo

Fome cai, mas ainda atinge 8,6 milhões de brasileiros
Governo exclui carne da cesta básica, mas prevê ‘cashback’ de amplo alcance
Petrobras aprova distribuir 50% dos dividendos extras
Zanin suspende desoneração da folha, e Pacheco critica governo
STF tem maioria por encurtar prazos de investigação do M
Leonardo Romanelli – ‘Impacto do fim das saidinhas preocupa’
Indígenas cobram de Lula homologação de terras

O Estado de S. Paulo

Empresa não poderá abater plano de saúde e benefícios a empregado
Profissões liberais pagarão 30% menos imposto
Proposta reduz custo de financiamento a empresas
Como a reforma quer facilitar a vida de empresas e pessoas
Um em cada 4 lares do País tem brasileiro que não come o suficente
Conselho da Petrobras libera pagamento de 50% de dividendos extras
Zanini atende o governo e suspende desoneração de folha de pagamento
STF forma maioria para consolidar poder de polícia do Ministério Público
Atos pró-Palestina e prisões em universidades crescem

Folha de S. Paulo

Zanin atende pedido de Lula e suspende desoneração da folha
Novo imposto vai incidir sobre compras em site estrangeiros
Petrobras aprova distribuição de 50% dos dividendos extras
64,2 milhões vivem sob insegurança alimentar
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Valor Econômico

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“Vocês ainda vão sentir saudades do Sarney”

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NAS ENTRELINHAS

Seu maior legado é a Constituição de 1988, que assegura as liberdades e os direitos sociais. Vale o registro de que Sarney estava disposto a apoiar o parlamentarismo

Era uma tensa reunião do Comitê Central do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) para discutir a posição da legenda recém-legalizada, às vésperas das eleições de 1986. Uma ala desejava formar uma frente de esquerda e apoiar candidatos de oposição ao governo, mas prevaleceu a posição da cúpula da legenda, então sob a liderança de Giocondo Dias, um ex-cabo do Exército, que havia liderado a chamada Intentona Comunista em Natal (RN), em 1935, e sucedera o legendário Luiz Carlos Prestes, em 1980.

“Vocês ainda vão sentir saudades do Sarney”, vaticinou Giocondo, ao defender a manutenção da política de frente democrática tecida pelos comunistas com os políticos liberais, durante o regime militar, e que levou à eleição de Tancredo Neves (MDB) no colégio eleitoral. Estava-se em meio à longa transição negociada com os militares, que aceitaram, contrariados, a derrota de Paulo Maluf (também não morriam de amores por ele). A alternativa descartada era uma frente com PDT, PT e PSB, leia-se, Leonel Brizola, Luís Inácio Lula da Silva e Miguel Arraes, respectivamente.

O MDB venceu de ponta a ponta as eleições, com exceção de Sergipe, onde o PFL elegeu o governador. Mas o PCB só conseguiu eleger três deputados: Roberto Freire (PE), Fernando Santana (BA) e Augusto Carvalho. Naquela curva da história, perdeu qualquer esperança de recuperar a posição que ocupava em 1964, quando era a força de esquerda do país.

Giocondo sempre foi grato ao ex-presidente Sarney por ter convocado a Constituinte e legalizado os partidos comunistas (PCB e PCdoB), em 10 maio de maio de 1985. Seu primeiro contato com Sarney na Presidência foi “armado” pelo dirigente comunista Regis Fratti, já falecido. Ele havia dito a Giocondo que Sarney queria se encontrar com ele e repetiu o expediente numa conversa com Roseana Sarney. Como os dois gostariam mesmo de conversar, o encontro aconteceu e proporcionou uma interlocução sincera entre ambos, a ponto de Sarney se considerar amigo de Giocondo. Por sua política reformista, o moderado PCB não era nem seria uma ameaça à democracia.

Ontem, José Sarney completou 94 anos, em boas condições de saúde para sua idade e, principalmente, lúcido. Lucidez à qual recorrem os políticos de suas relações nos momentos de confusão política em Brasília. Sua carreira começou em 1955, no ano seguinte ao suicídio de Getúlio Vargas, quando se tornou deputado federal. Foram três mandatos na Câmara. Depois, tornou-se governador do Maranhão, senador e presidente da República. Sua investidura na Presidência, após a morte de Tancredo, fechou um ciclo de 20 anos de ditadura militar. Depois, foi presidente do Senado por quatro vezes, ao longo de 39 anos e seis meses.

Sarney assumiu a Presidência da República sem ter participado da elaboração do programa de governo e da constituição do ministério de Tancredo, além de ter origem no PSD (partido que sucedeu a Arena, do qual foi presidente). Foram os fatores da permanente desconfiança política em relação ao presidente da República por parte da maioria das forças que apoiaram Tancredo. Durante seu mandato, enfrentou a pressão dos militares e, simultaneamente, a tutela de Ulysses Guimarães na Constituinte.

Legado social e político

Seu governo registrou 12 mil greves, o maior ascenso do movimento sindical da nossa história, a maioria liderada pelo PT. Numa delas, em Volta Redonda, Sarney teve que enfrentar uma crise séria, porque o Exército, ao reprimir os operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), matou três operários. Indexada pela correção monetária, o país vivia uma inflação real de 17% e uma ciranda financeira sem precedentes.

Mas todos os indicadores sociais melhoraram em seu governo, que fechou 1989 com uma taxa de desemprego de 2,59%, o que explica o número de greves. Na política externa, deixou como legado a aproximação com a Argentina, inclusive, com uma parceria nuclear, e a criação do Mercosul, com uma política externa independente, que levou ao restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba e China.

Entretanto, seu maior legado é a Constituição de 1988, que assegura as liberdades e os direitos sociais. Nesse aspecto, vale o registro de que Sarney estava disposto a aprovar o parlamentarismo, desde que mantivessem os seis anos de seu mandato. O acordo não saiu porque Mario Covas, o grande líder do PSDB, não aceitou. Preferiu reduzir o mandato de Sarney para cinco anos e convocar eleições solteiras para a Presidência em 1989, como de fato ocorreu.

Olhando a história retrospectivamente, a sucessão de Sarney em 1989 surpreendeu a todos os atores políticos que o questionavam, derrotados por Fernando Collor de Mello, cujo governo resultou em mais inflação e na sua própria renúncia, para evitar o impeachment. O fracasso do Plano Cruzado, que havia proporcionado a vitória espantosa do MDB em 1986, foi carimbado como um “estelionato eleitoral” pelo ex-ministro da Fazenda Delfin Neto, o que jogou no chão a imagem do governo.

Essa expressão entraria para o nosso vocabulário político como uma espécie de maldição. Foi usada contra Collor de Mello, após o confisco da poupança, e contra Fernando Henrique Cardoso, após a reeleição, devido à crise cambial. Dilma Rousseff também foi acusada de trair seus eleitores após a reeleição, ao dar um cavalo de pau na “nova matriz econômica”. (Correio Braziliense – 25/04/2024)