Tensão entre os Poderes nos 35 anos da Constituição de 1988

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

CCJ do Senado aprovou proposta de emenda à Constituição que limita decisões monocráticas – proferida por apenas um magistrado – e pedidos de vista nos tribunais superiores

A Praça dos Três Poderes encarna a representação arquitetônica da independência e da harmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, essência da República, segundo a Constituição de 1988. Teoricamente. Lúcio Costa e Oscar Niemeyer projetaram os edifícios-sede dos Três Poderes republicanos para formar um triângulo equilátero. Ao Sul, o Supremo Tribunal Federal (STF); ao Norte, o Palácio do Planalto; a Oeste, o Congresso Nacional.

Segundo depoimento de próprio Niemeyer, o Congresso é sua obra predileta. Não por acaso, apesar da beleza dos demais palácios, é o ícone arquitetônico do poder político no país. A geografia na Esplanada, na qual a Praça dos Três Poderes é o vértice da nossa democracia representativa, traduz a ideia de Niemeyer de que o Parlamento é mais importante do que o Executivo e o Judiciário. Por isso, ocupa o centro do conjunto arquitetônico.

Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposta de emenda à Constituição que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores. A PEC 8/2021, apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), recebeu voto favorável do relator, senador Esperidião Amin (PP-SC). Entre 2012 e 2016, o STF teria tomado 883 decisões cautelares monocráticas, em média, 80 decisões por ministro. O mesmo estudo indica que o julgamento final dessas decisões levou em média, entre 2007 e 2016, dois anos.

Esse grande número de decisões cautelares monocráticas antecipa decisões finais e gera insegurança jurídica, segundo juristas e advogados. Não seria nada demais limitar esse procedimento, em negociação com Supremo, mas o objetivo político da decisão foi outro. A matéria aprovada em 43 segundos pelo presidente da comissão, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), foi uma espécie de abre-alas que eu quero passar de sua campanha para voltar à Presidência do Congresso.

Decisão monocrática é aquela proferida por apenas um magistrado — em contraposição à decisão colegiada, que é tomada por um conjunto de magistrados. A PEC 8/2021 reduz o papel de poder moderador atribuído pela Constituição de 1988 ao Supremo. Veda decisão monocrática que suspenda a eficácia de lei ou ato normativo com efeito geral ou que suspenda ato dos presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional.

A suspensão da tramitação de proposições legislativas ou que possam afetar políticas públicas ou criar despesas para qualquer Poder também ficará submetida a essas mesmas regras. A PEC ainda estabelece que em decisões cautelares, tomadas por precaução, para assegurar determinados efeitos de uma decisão final ou para impedir atos que a prejudiquem, em ações que peçam declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato, ou questionem descumprimento de preceito fundamental, o mérito da ação deve ser julgado em até seis meses.

A PEC 8/2021 também estabelece que pedidos de vista — prazo para estudar um determinado processo — devem ser concedidos coletivamente e por prazo máximo de seis meses. Atualmente, no Judiciário, cada ministro pode pedir vista individualmente, sem prazo específico. O texto é o mesmo da PEC 82/2019, do mesmo senador Oriovisto Guimarães, que foi rejeitada pelo plenário do Senado em setembro de 2019.

Mal-estar com o Supremo

Na véspera do aniversário da Constituinte, a decisão relâmpago da CCJ foi um recado direto de Alcolumbre de que pretende peitar o Supremo Tribunal Federal caso seja eleito novamente presidente do Senado. É música para os senadores bolsonaristas liderados por Rogério Marinho (PL-RN), derrotado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na eleição passada da Mesa da Casa. Ex-líder do governo Bolsonaro, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) é um dos artífices da aliança. Ele sempre considerou um erro a candidatura de Marinho.

“São enormes os riscos à separação de Poderes e ao Estado de Direito provocados pelo ativismo irrefletido, pela postura errática, desconhecedora de limites e, sobretudo, pela atuação atentatória ao princípio da colegialidade verificado no Supremo Tribunal Federal”, afirma Oriovisto, autor da PEC. Essa tese é defendida por muitos juristas e advogados; agora, virou um biombo para os bolsonaristas, que estavam isolados no Congresso.

A proposta não teve apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas nem por isso ele deixou de mandar um recado para o novo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso: “É importante que saibamos nos conter: cada Poder desta nação nos seus limites constitucionais. E tenho certeza de que o Parlamento os obedece, os cultiva e os respeita”. Barroso acusou o golpe. (Correio Braziliense – 05/10/2023)

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