Socializar pela sociedade e não necessariamente pelo Estado. Afinal, o Estado não possui o monopólio da noção de público. É pela relação que os homens estabelecem entre si na esfera produtiva que a sociedade de fato se modifica, uma vez que tenha reunido as condições materiais para isso.
Marx chegou a dizer, por exemplo, que a luta dos trabalhadores tinha por objetivo restabelecer “a propriedade individual fundada sobre as conquistas mesmo da era capitalista”, vendo assim o trabalhador como um detentor pessoal das suas condições de trabalho. Não havia outra forma dele ser dono do seu próprio trabalho.
Aqui, uma observação, ainda que longa. Os poetas, cronistas e literatos em geral possuem uma percepção muito aguçada da realidade. Acontece que a sensibilidade sempre saí na frente: é o primeiro estágio do conhecimento. Isso dito, em uma crônica que publicou em 1954, no Diário Carioca, Paulo Mendes Campos relata que, durante o período que residiu em São João del-Rei, viajava constantemente de Maria Fumaça para Tiradentes e outras cidades dos arredores.
Quando o trem parava em Tiradentes, os passageiros davam um jeito de descer, mesmo aqueles que iriam prosseguir viagem. Por uma razão: na plataforma da estação havia uma senhorinha que, segundo o cronista mineiro, “confeccionava as melhores empadinhas de galinha do mundo inteiro”. Mas a senhorinha em questão reusava as ofertas para vender a uma pessoa só as empadinhas do seu tabuleiro.
Alguns se ofereciam para pagar em dobro, mas ela se mantinha irredutível, sob o argumento de que “todo mundo tem direito, uai!”. Trabalhando por sua própria conta, ela possuía uma perfeita noção da qualidade do seu trabalho.
Mais: o dinheiro era um meio e não um fim. Ainda que atuando no mercado, ela não se submetia às suas pressões. Isto é, buscava controlar seu processo produtivo, impondo limites à força do dinheiro. Esse o desafio: transformar o trabalho em um espaço soberano.
Fazer a ultrapassagem do capitalismo, integrando interesse pessoal e bem comum. Mas nada de ilusões: o homem trabalha em conjunto, não tanto porque queira – mas porque de fato precisa. O trabalho não é apenas uma atividade – é também uma relação social. (25 de agosto de 2023)
Ivan Alves Filho, historiador