Marcus André Melo: O que explica o novo padrão de atuação do Judiciário?

As consequências do consequencialismo judicial desmedido são visíveis

“Xandão venceu.” O tuíte da jornalista Malu Gaspar capta bem o sentimento público quanto à decisão do TSE sobre a inelegibilidade de Bolsonaro. Ele sugere personalização de decisões das cortes superiores –vistas como vendetas– e, mais preocupante, que a decisão tenha sido abertamente consequencialista. É um truísmo afirmar que as decisões de cortes superiores são políticas latu senso. Faço uso aqui da expressão para aquelas que não estão ancoradas estritamente no que está previamente estabelecido em lei – e que visa objetivos outros.

Numa análise positiva, há fatores que explicam o padrão hiperbólico de atuação do STF e, agora, do TSE.

Destaco aqui um aspecto que não está entre os “suspeitos usuais”; não se trata de judicialização da política, ativismo processual individual ou usurpação de imaginário poder moderador. Esses elementos estão indiretamente presentes, mas um fator explicativo decisivo é que o STF e os juízes individualmente passaram a ser eles próprios alvos de ataques. Senão vejamos.

A reação à Lava Jato e a inusitada mudança radical de posições individuais de juízes tiveram lugar após investigações que envolveram o Coaf sobre dois juízes, dando origem ao inquérito das fake news, que, entre outras coisas, censurou texto da Revista Crusoé sobre o assunto. Os ataques ao STF tiveram início ainda antes da posse do presidente através de Eduardo Bolsonaro. As diatribes de Weintraub em reunião ministerial e o episódio dos foguetes lançados sobre o STF revelam a escalada retórica.

E mais: o próprio presidente pediu o impeachment de dois juízes e ameaçou descumprir decisões da Corte. Com Daniel Silveira, o ataque e a punição assumem forma aberta de vendeta.

Tudo isso é inédito. Nada semelhante ocorreu durante os episódios de confrontação no mensalão ou no petrolão. O novo protagonismo do Judiciário na Nova República se alimentou de sua atuação como corte criminal e se manifestou em decisões sobre costumes etc. Nele atuou como árbitro, e não como parte. Isso explica, mas não justifica, o novo padrão de atuação do STF. Não se trata, portanto, de expansão linear de judicialização da política.

A decisão do TSE é hiperbólica não porque Bolsonaro não tenha cometido crimes (ex. de responsabilidade), mas porque, tratando-se do caso específico (evento com embaixadores), é desproporcional (como também o foi a de Dellagnol). O consequencialismo político desmedido tem consequências: converte as cortes e a nomeação de juízes em vale tudo institucional. No qual apenas a lealdade política e a pessoal importam. As consequências deste “consequencialismo” já são visíveis. A nomeação de Zanin é a cereja do bolo. (Folha de S. Paulo – 03/07/2023)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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