Luiz Carlos Azedo: CPMI do 8 de janeiro mobiliza governo e Bolsonaro

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

O governo deve indicar 11 dos 16 senadores; Bolsonaro tem uma tropa de choque pronta para defendê-lo nas investigações

O depoimento de ontem do ex-presidente Jair Bolsonaro à Polícia Federal sobre uma postagem no Facebook, na qual questionava a lisura das eleições, mostra que o ex-chefe do Executivo piscou ao ser intimado a depor no inquérito que investiga os responsáveis pela ocupação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua superexposição será inevitável durante o funcionamento da CPMI do 8 de janeiro, que foi oficializada ontem pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Ao depor, Bolsonaro disse que publicou o comentário por engano, ao repassar para uma rede social um vídeo que questionava a lisura das urnas eletrônicas. Alegou que estaria sob efeito de medicamentos quando fez a postagem, por ter sido hospitalizado. “Esse vídeo foi postado na página do presidente do Facebook quando ele tentava transmiti-lo para o seu arquivo de WhatsApp para assisti-lo posteriormente”, disse o advogado Paulo Cunha Bueno, na saída da sede da Polícia Federal. Entre 8 e 10 de janeiro, Bolsonaro esteve hospitalizado em Orlando, em razão de uma obstrução intestinal, sendo submetido a tratamento com morfina. Ou seja, estava involuntariamente drogado.

Bolsonaro teme seu indiciamento no inquérito da Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, sob jurisdição do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o que poderia resultar numa condenação e inelegibilidade. Bolsonaro, segundo disse o advogado, estaria à disposição da CPMI para depor sobre o 8 de janeiro. Dependendo da composição da comissão, porém, sua situação pode ficar ainda mais enrolada, embora seja um palco de volta à cena política e recuperação plena da sua liderança na oposição ao governo Lula.

No Congresso, movimentam-se o governo, acusado pelos bolsonaristas de ter facilitado a invasão dos Três Poderes, e a oposição, para ocupar posições estratégicas na CPMI e fazer muito barulho. Uma disputa entre o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o presidente Câmara, Arthur Lira (PP-AL), complica a vida do governo. Governista de primeira hora, Renan quer ser o relator da CPMI, mas isso descontenta Lira, de cujo apoio Lula depende para aprovar qualquer matéria no parlamento.

Ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, o presidente do PP, Ciro Nogueira, tem preferência pelo líder da sua bancada na Câmara, André Fufuca (MA). Está afinado com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na articulação do bloco de oposição ao governo no Congresso. Lira manteve sua hegemonia no Centrão com o superbloco que formou na Câmara, mas sua liderança no PP é compartilhada com Ciro. Eduardo Bolsonaro, na prática, lidera a ruidosa bancada do PL.

Disputa de espaços

O governo deve indicar 11 dos 16 senadores, entre os quais o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP); Omar Aziz (PSD-AM); Humberto Costa (PT-PE); e Renan Calheiros, que pontificaram na CPI da Covid. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), passa um dobrado para conseguir a indicação dos deputados governistas, porque quem garante maioria para o Executivo alcançar seus objetivos é Lira. Sem apoio do presidente da Câmara, o governo se fragilizaria, embora pretenda escalar deputados bons de briga, como Lindbergh Farias (PT-RJ), Rogério Correia (PT-MG), André Janones (Avante-MG) e Aliel Machado (PV-PR).

Bolsonaro tem uma tropa de choque pronta para defendê-lo na CPMI: os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG), Delegado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e André Fernandes (PL-CE), e os senadores Magno Malta (PL-ES), Jorge Seif (PL-SC) e Rogério Marinho (PL-RN). O líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ), em publicação nas redes, antecipou a linha de atuação dos bolsonaristas: “Lula, Flávio Dino (ministro da Justiça) e G. Dias (Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) tentaram se eximir de qualquer culpa pelo 8 de janeiro, mas a proteção dos órgãos federais era da competência deles, e se omitiram e contribuíram para que a tragédia ocorresse. Agora, as câmeras não deixam dúvida. Foram os mentores intelectuais”.

A comissão terá seis meses de duração, ou seja, deve funcionar até outubro. Como a questão democrática ocupa a centralidade da disputa política, a CPMI deve roubar a cena em muitos momentos do Congresso. Ou seja, ofuscará a discussão de medidas muito importantes, como a regulamentação das big techs, conhecida como PL das Fake News; a aprovação do novo “arcabouço fiscal”, cujo ponto fraco é o aumento de arrecadação; e a reforma tributária, grande aposta do governo para a retomada do crescimento de forma sustentável.

O governo quer ocupar 21 das 32 cadeiras do CPMI, sendo 11 no Senado Federal e 10 na Câmara dos Deputados. Para identificar os autores intelectuais dos ataques golpistas e responsabilizar Bolsonaro; apontar omissões de agentes públicos durante a movimentação de pessoas para o acampamento em frente ao QG do Exército e depois para a Praça dos Três Poderes; alcançar os financiadores dos atos golpistas e os responsáveis pela logística do acampamento e pelo transporte de bolsonaristas para Brasília; individualizar a conduta dos envolvidos na depredação dos palácios. Para isso, conta com o apoio do presidente da CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, deputado Chico Vigilante (PT), que já tem muita informação sobre mandantes e financiadores. (Correio Braziliense – 27/04/2023)

Leia também

Brasil safado de Madonna é negação do conservadorismo

NAS ENTRELINHASFãs revelam uma identidade coletiva na qual representam...

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!