William Waack: Certeza da incerteza

Jair Bolsonaro e Lula não querem briga com elites. Especialmente as mais destacadas no mundo financeiro, empresarial e da agroindústria. Esforçam-se por dizer a elas o que acham que gostariam de ouvir – o que explica a inconsistência entre promessas e realidade.

A disputa eleitoral entre Jair e Lula traz às mesmas elites uma grande certeza que é, porém, o sinal de uma grande incerteza. A certeza é a de que dois personagens políticos decidiram pelo fim do teto de gastos. Por razões distintas, mas convergentes.

Sob Bolsonaro a regra para limitar o crescimento de gastos foi desmoralizada. E enterrada pela sucessão de PECs para sustentar bondades sociais/eleitorais. O próprio Ministério da Economia reconhece a desmoralização ao discutir mecanismo alternativo (a relação dívida/PIB) para limitar gastos.

Lula repetiu na Fiesp nesta semana que não precisa de teto de gastos pois ele, Lula, é a garantia pessoal de responsabilidade fiscal. Trata-se de reinvenção do passado para atender a imperativos eleitorais do presente, algo tão velho como a própria política. Implícita está a noção de que a economia cresce com o Estado gastando.

O problema do teto de gastos não é a regra, mas o motivo de ela ter sido inventada. Nas últimas décadas, não importa o governo, estabeleceu-se como verdadeiro consenso social o crescimento constante dos gastos públicos, sem que nosso espaço econômico tenha condições de sustentar esse aumento.

Pode-se afirmar que a essência da disputa política brasileira hoje é o fato de cofres públicos não conseguirem mais acomodar interesses segmentados e regionais. Manobras das correntes políticas se dão em torno de migalhas de um orçamento engessado e comprometido com despesas obrigatórias. Situação agravada de maneira formidável pela instituição do nosso paraíso das emendas parlamentares (e orçamento secreto).

Com o que chegamos à grande incerteza gerada pela certeza de que Jair e Lula não querem mais teto de gastos. Qual será a regra, então, para limitar o crescimento de gastos de um Estado que notoriamente não cabe no PIB? Embora pareça questão técnica, sua natureza é essencialmente política.

No cerne do problema dos gastos está a “concertación” ampla jamais obtida para reforma administrativa (pagamento do funcionalismo), tributária (pacto federativo) e de sistema de governo (grave desequilíbrio entre os Poderes, com avanços do Legislativo e STF). Grupos dirigentes e pensantes brasileiros no sentido mais amplo estão profundamente divididos e demonstram notável incapacidade de atuação conjunta.

Não é surpresa que Jair e Lula tenham uma ideia apenas do que não querem. (O Estado de S. Paulo – 11/08/2022)

William Waack, jornalista e apresentador do programa WW, da CNNN

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