NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
Jean Jaurés (1859-1914) foi um dos mais destacados pacifistas de seu tempo. Professor de filosofia em Tolosa, tentou conciliar o idealismo e o marxismo. Era um liberal radical que se tornou socialista, integrando a ala direita do Partido Socialista Francês. Em 1897, com Zola e Clemenceau, liderou a campanha em favor de Alfred Dreyfus, o capitão francês injustamente acusado de espionagem pelo alto comando do Exército francês.
Grande orador, lutou contra o militarismo e sempre defendeu a aproximação entre a França e a Alemanha para garantir a paz na Europa. Foi assassinado no dia da declaração da guerra, 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um nacionalista fanático. Foi o principal líder da II Internacional a defender a paz. Quase todos os demais apoiaram a entrada dos seus países na guerra, a começar pelos dirigentes da poderosa Social-Democracia Alemã, que estava no poder. Com exceção de Vladimir Lênin, que defendeu a paz para derrubar a autocracia czarista e, depois, tomar a Rússia de assalto, na Revolução de Outubro.
A I Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918, foi uma tragédia em todos os sentidos. A fusão do capital financeiro com o capitalismo industrial, na virada para século XX, possibilitou notável expansão territorial das potências europeias em direção à Ásia, África e Oceania. A Inglaterra incorporou aos seus domínios, entre outros países, a Índia e a Austrália. A Alemanha havia se unificado com a Prússia — numa guerra com a França, tomara posse da Alsácia-Lorena, riquíssima em minérios e em franca industrialização. O sentimento de revanche na França era forte e aumentou quando Otto Von Bismarck, grande artífice da unificação alemã, formou a Tríplice Aliança com Áustria-Hungria e Itália.
Ameaçada, a França se aliou ao Império Russo, czarista, em 1894. Temendo a perda de territórios e bloqueios econômicos, a Inglaterra formou com ambos a Tríplice Entente. Na região dos Balcãs, a Rússia estimulava a criação da Grande Sérvia, enquanto a Áustria-Hungria se aproveitava da fragilidade do Império Turco-Otomano para expandir seu pangermanismo. Em 1908, a região da Bósnia-Herzegovina foi anexada pela Áustria-Hungria. A Alemanha pretendia ligar Berlim a Bagdá, por ferrovia, pela península balcânica.
O estopim da guerra foi o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria-Hungria, em 28 de janeiro de 1914, em Sarajevo, capital da Bósnia, por um militante da organização terrorista Mão Negra, formada por nacionalistas eslavos. As alianças de Áustria e Sérvia entraram em ação. Ao longo da guerra, o uso de novas armas, como o gás tóxico, e de invenções como o avião e os tanques aumentou a tragédia.
Em 1917, a Rússia se retiraria da guerra arruinada e os bolcheviques tomariam o poder, com apoio de soldados e marinheiros amotinados. Nesse mesmo ano, os Estados Unidos entraram na guerra ao lado da Inglaterra e da França. Em 1918, a Alemanha seria derrotada — o Império Austro-Húngaro se desagregaria no ano seguinte. O Tratado de Versalhes impôs sanções duríssimas à Alemanha, que cedeu territórios e indenizou os vencedores, principalmente a França. Morreram 8 milhões de pessoas, das quais 1,8 milhão só de alemães.
Fim da História
Tudo o que viria a acontecer seria desdobramento da I Guerra, sobretudo a II Guerra. Na Europa, o racha da social-democracia entre socialistas e comunistas, após a derrota do nazifascismo, em 1945, em meio à Guerra Fria, resultaria no “socialismo real” dos países da Cortina de Ferro e no Estado de bem-estar social dos países do Ocidente europeu. O colapso da União Soviética poderia ter resultado numa Casa Comum Europeia, como propunha Mikhail Gorbatchov, mas não foi o que aconteceu. A contínua expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em direção ao leste e os ressentimentos da Rússia, liderada por Vladimir Putin, agora resultaram na brutal invasão à Ucrânia e no ressurgimento da Guerra Fria.
Em 1989, Francis Fukuyama publicou o artigo “O Fim da História?”, na revista The National Interest, segundo o qual a dissolução da URSS e, consequentemente, o fim da Guerra Fria, eram a vitória do ideal da democracia ocidental sobre o mundo. O liberalismo e a democracia seriam os eixos de um “Estado homogêneo universal”. Os conflitos políticos que vinham dos séculos imemoriais não existiriam mais a partir daquele momento. O neoliberalismo conseguira resolver esse problema.
Essa tese está sendo posta à prova na guerra da Ucrânia, a nova marcha da insensatez. Um único homem poderia evitá-la: Putin, se não houvesse invadido o país vizinho; o presidente dos EUA, Joe Biden, se tivesse contido a expansão da Otan; ou o presidente Volodymyr Zelensky, que poderia ter negociado para a Ucrânia entrar na União Europeia e ficar fora da Otan. A pergunta é: como acabar com essa guerra? (Correio Braziliense – 06/03/2022)