Eliziane Gama pede que presidente da Ucrânia fale ao Congresso sobre guerra com a Rússia

Senadora propõe discussão do conflito e diz que presença de Zelensky no debate seria ‘gesto a favor da paz’ (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado – Gleb Garanichi/Reuters)

A líder da Bancada Feminina no Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA) apresentou requerimento, nesta quinta-feira (17), para que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fale em uma sessão de debates temáticos na Casa sobre a guerra com a Rússia e possibilidades de cessar-fogo.

“Apresentamos requerimento de Sessão de Debates Temáticos no Senado com Volodymyr Zelensky para discutir a guerra e possibilidades de paz. O Brasil abriga a maior colônia de ucranianos da América Latina e não pode se eximir de debater a crise humanitária e seus graves impactos econômicos”, anunciou a senadora na rede social.

No requerimento, Eliziane Gama argumenta que a participação de Zelensky em uma sessão seria ‘um gesto do Senado favor da paz’ e também de homenagem aos ucranianos ‘que contribuem com o seu trabalho e cultura’ ao progresso do País.

“O Brasil tem sido um aliado incondicional da paz e respeita a autonomia das nações. Como não poderia ser diferente, embora entendendo intrincados aspectos históricos que constituíram as nações, creio que o povo brasileiro não quer a guerra unilateral em andamento e torce para que Rússia e Ucrânia possam chegar a acordos, colocando fim à violência e a morte de tantos soldados e civis”, justifica a parlamentar no pedido.

O Paraná concentra 80% da comunidade ucraniana no Brasil, a quarta maior colônia do mundo, atrás apenas da própria Rússia, Estados Unidos e Canadá. Atualmente, cerca de 600 mil ucranianos vivem no Brasil.

Rubens Barbosa: Vulnerabilidades do Brasil

A pandemia e, agora, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia expuseram de forma dramática as vulnerabilidades de todos os países em áreas estratégicas. A dependência da China em muitos setores da cadeia produtiva fez com que os países desenvolvidos passassem a enfrentar essa questão com novas políticas industriais para reduzir os riscos dessa dependência. No caso do Brasil, a magnitude dos problemas – em especial na economia (baixo crescimento, inflação, taxa de juros), na sociedade (desigualdade, aumento da pobreza, desemprego), na destruição da Amazônia e no isolamento e na perda de espaço do mundo – deixa para um longínquo segundo plano a questão das vulnerabilidades que perpassa diversos setores estratégicos para a segurança alimentar e a segurança nacional.

Vou limitar o tratamento desta matéria a quatro aspectos: comércio exterior, áreas estratégicas, inovação e segurança cibernética.

O comércio exterior brasileiro está acima de US$ 0,5 trilhão. As exportações superam US$ 100 bilhões, porém com crescente vulnerabilidade. O agronegócio representou 43%. Deste total, mais de 70% das exportações estão representadas por dois produtos de proteína vegetal (soja e milho), 87,7% em valor concentrado no mercado chinês. O mercado asiático absorveu 46,4%, com destaque para a China, que representou 31,3%. Nos últimos cinco anos, mais de 90% da soja brasileira foi exportada para a China. E, com a redução das compras de soja e carne por esse país, nos meses recentes a participação chinesa registrou pequena redução.

Essa dependência deixa o setor muito exposto às oscilações do comportamento da economia chinesa e das políticas do governo de Beijing (restrições sanitárias, autossuficiência, diversificação de fontes de suprimento, negociações com os EUA). Além disso, a precariedade da infraestrutura e a dependência externa dos defensivos agrícolas se somam às crescentes ameaças de restrições externas (lei do desmatamento na Europa), em razão das políticas ambientais relacionadas aos ilícitos na Amazônia (desmatamento, queimadas e garimpo, inclusive em terras indígenas). Os consumidores e as cadeias de supermercados externos já começaram a boicotar produtos brasileiros, como retaliação à política ambiental amazônica.

Na indústria, pesquisas indicam que apenas 10% das empresas podem ser consideradas 4.0, o que tem acarretado aumento das importações e perda de mercado externo nas manufaturas, gerando um déficit de mais de US$ 110 milhões. A indústria de transformação caiu de 28% do PIB, em fins de 1980, para ao redor de 10%, no ano passado, e a participação das manufaturas nas exportações caiu de 59%, em 2000, para 27%, em 2021.

Quanto às vulnerabilidades em áreas estratégicas, podem ser lembradas, entre outras, a falta dos insumos na área da saúde para a fabricação de vacinas (IFA); na agricultura, a de fertilizantes (mais de 80% dos fertilizantes são importados da Rússia e de Belarus); na alimentação, em que 60% do consumo doméstico de trigo depende de importação externa e, deste total, 85% são provenientes de um único país, a Argentina; e na área de semicondutores e terras raras, sem qualquer política até aqui para reduzir essa dependência externa. Na era do conhecimento, o atraso do Brasil na educação e em pesquisa e desenvolvimento se reflete em todas as áreas produtivas, com exceção do agronegócio, que se mantém atualizado nos avanços tecnológicos no campo.

As transformações globais estão obrigando os países a atualizarem sua política industrial. A China, em 2017, com sua Made in China 2025, deu prioridade a dez setores considerados estratégicos para evitar a dependência externa e industrializar-se de forma competitiva. Mais recentemente, a Alemanha, a França e parcialmente os EUA adotaram políticas e incentivos para modernizar suas indústrias. Pronunciamentos, na semana passada, dos presidentes Joe Biden e Emmanuel Macron indicaram uma mudança de política pela qual, em vez de depender da cadeia produtiva estrangeira, EUA e França vão buscar uma autonomia soberana, aumentando a capacidade produtiva da economia em áreas estratégicas. No Brasil, tornou-se urgente a definição de uma estratégia entre o governo e o setor privado para reindustrializar o parque nacional, que poderia ser acelerada pela introdução de redes privadas de 5G e dos novos instrumentos da inteligência artificial.

Por fim, na área cibernética, o Brasil é um dos cinco países mais visados por hackers. Instituições governamentais como o TSE e o Ministério da Saúde foram atacadas e paralisadas em áreas sensíveis. Empresas privadas, desde bancos até cadeias de bens de consumo, também sofreram interferências externas. Claramente, o País não está preparado para responder a esta nova ameaça. Governo e empresas deveriam juntar esforços e recursos para melhorar a capacidade de defesa contra ataques à segurança e a proteção de dados sensíveis e que, como se viu em outros países, podem afetar a infraestrutura de energia e de transporte das cidades.

Um país com mais de 213 milhões de habitantes e dimensões continentais não se pode dar ao luxo de ignorar essas e outras vulnerabilidades que poderão afetar seus interesses concretos, prejudicando seu desenvolvimento e sua segurança nacional. (O Estado de S. Paulo – 08/03/2022)

RUBENS BARBOSA, PRESIDENTE DO IRICE (INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR), FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON