Marcus André Melo: Bilhões e eleições

Existe financiamento de partidos e campanhas em outras democracias?

Sempre houve muito dinheiro nas nossas eleições, e elas estão entre as mais caras do mundo. “Os gastos partidários são astronômicos, as despesas dos candidatos, elevadíssimas”, escreveu Hermes Lima, em 1955.

Hoje estão ainda maiores; e a fatura continua a ser socializada. Até 2015, através de doações de empresas (ex. sobrepreço de contratos públicos); agora através de fundos públicos bilionários. A mudança tem elementos positivos —diminuição da influência corporativa sobre as eleições— mas os valores envolvidos, não. Remédio e veneno variam apenas na dose.

As causas do alto custo das eleições no país são objeto de controvérsias. Os efeitos da representação proporcional (RP) com lista aberta em grandes distritos eleitorais é um dos pontos debatidos.

Lima esboçou o argumento lá atrás: “Cada deputado necessita de votos no estado inteiro e julga-se no dever de distribuir, por intermédio da lei orçamentária, verbas e auxílios pelo estado inteiro… não é por outro motivo que as emendas ao orçamento na Câmara se apresentam aos milhares”.

Ele também argumentou que os problemas resultavam da “tremenda influência do dinheiro em nossos prélios eleitorais”. E tinha razão: as campanhas majoritárias também são caríssimas. Nas campanhas paga-se um prêmio elevadíssimo pelo valor esperado de estar com a caneta na mão.

O financiamento público de partidos e campanhas políticas (FPPP) tem sido discutido como “custos da democracia”. O argumento é estapafúrdio por afirmar o óbvio e ignorar o essencial: o montante envolvido.

Na Europa e nos EUA, os partidos políticos e a democracia precederam o surgimento do FPPP em um século, como mostrou Susan Scarrow. A Alemanha aprovou legislação nesse sentido em 1959, no que foi seguida por Suécia (1965), Finlândia (1967), Noruega (1970), Itália (1974), Áustria (1975) e Espanha (1978). E só na década de 80 foi adotado em França (1988) —que também proibiu doações empresariais—, Grécia (1984), Dinamarca (1987), e Bélgica (1989), difundindo-se nas novas democracias nos anos 90. Mas há democracias onde inexiste FPPP (Suíça) ou ele limita-se a cobrir despesas administrativas dos partidos da oposição (Reino Unido), e ao reembolso de gastos eleitorais de parlamentares.

Há debate na ciência política sobre as consequências do FPPP. De um lado estão os analistas que o consideram um ingrediente que reforça os cartéis partidários, e inibidores da competição política; de outro, os que atribuem à FPPP a crescente fragmentação partidária nas democracias. Entre nós ele produziu hiperfragmentação, mas agora dá lugar ao cartel legislativo. Não é à toa que o apoio ao fundo une esquerda e direita. (Folha de S. Paulo – 28/02/2022)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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