Daniel Rittner: Eletrobras, Correios, Porto de Santos – e o PT

Algumas privatizações já estão nos trilhos e devem ser concluídas ao longo deste ano

O governo Jair Bolsonaro ainda tem a expectativa de privatizar três grandes estatais: Eletrobras, Correios e Santos Port Authority (novo nome da antiga Companhia Docas do Estado de São Paulo). Faltam somente 11 meses de mandato e dois dos três processos não poderão mais ser completados. Mesmo se o Senado aprovar até março ou abril a nova lei dos serviços postais, o que parece improvável diante da resistência de vários partidos, seria possível apenas fazer o leilão dos Correios até o fim de 2022. A assinatura do contrato, que formaliza efetivamente a transferência do ativo para o novo controlador, ficaria para 2023. No caso de Santos, escorregões no calendário planejado pelo Ministério da Infraestrutura tornam até o leilão neste ano uma meta desafiadora. Firmar contrato está fora de cogitação e vai necessariamente para o ano que vem. A Eletrobras é a única com o cronograma folgado – sua capitalização, diluindo a fatia acionária da União, deve ocorrer no primeiro semestre.

Entra, portanto, um novo fator na equação privatista do governo Bolsonaro: Lula, que lidera todas as pesquisas com boa margem, completaria os processos dos Correios e do porto de Santos? De volta ao Palácio do Planalto, em 2023, assinaria contratos com quem tiver vencido leilões realizados apenas algumas semanas antes por seu antecessor? A resposta ouvida pela coluna em círculos importantes do PT: tudo indica que não. Ninguém quer falar por Lula, todos ressaltam que ele próprio é quem tomaria as decisões sensíveis de eventual novo governo petista, mas pessoas influentes no partido defendem que esses processos sejam interrompidos ou, no mínimo, bruscamente freados.

A intenção, diz uma fonte, é avaliar cuidadosamente todas as privatizações – e levantar, inclusive, qual é a viabilidade jurídica de reversão no caso de vendas consideradas “lesivas” aos interesses nacionais. Um exemplo é a própria Eletrobras: haveria a possibilidade de fazer um aporte do Tesouro Nacional e, assim, recuperar o controle acionário da União na empresa?

As concessões de aeroportos e de rodovias, no entanto, são consideradas bem-vindas pelo PT. Pode haver divergências de modelagem, aqui e acolá, mas não ressalvas maiores. Ou seja, nenhuma resistência em ceder para o setor privado terminais como Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), as últimas duas joias da Infraero. Nessa área, petistas avaliam que o grande tabu foi quebrado por Dilma Rousseff ao desestatizar os primeiros aeroportos do país.

Quanto às autoridades portuárias, um ponto de inflexão será a venda da Codesa (ES), que administra os portos de Vitória e Barra do Riacho. O leilão está previsto para março.

A venda da Codesa sempre foi pensada nos governos Temer e Bolsonaro como espécie de teste, aprendizado, para algo maior: a privatização da SPA (ex- Codesp).

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e sua equipe vinham prometendo a abertura de consulta pública sobre Santos em outubro. Escorregou para novembro, depois dezembro, agora ficou para 20 de janeiro. Calculam-se mais ou menos os seguintes prazos: 45 dias de consulta pública, 30 dias para processar as contribuições e mandar os estudos ao Tribunal de Contas da União (TCU), 90 dias de análise pelo órgão de controle, 30 dias para fazer os ajustes às determinações do tribunal, 60 dias entre lançar o edital definitivo e concretizar o leilão. Por essa conta, e sem atrasos (que acontecem quase inevitavelmente em processos tão complexos), estaríamos em meados de outubro para ter o martelo batido na B3. Se houver imprevistos pelo caminho, nem leilão daria para fazer. Contrato, mesmo, ficaria só para 2023.

Um técnico do governo que está à frente das privatizações diz duvidar, apesar do discurso político, que o PT seria incapaz de não firmar esses contratos. Em Santos, a privatização prevê R$ 16 bilhões de investimentos em aprofundamento do canal, dragagem de manutenção, obras viárias e construção de um túnel para o Guarujá. Nos Correios, que parecem ter sua venda mais complicada, serão mais de R$ 2 bilhões anuais em investimentos pelo novo dono.

Nas palavras desse técnico, é dinheiro demais, que mobiliza usuários e empresários em geral contra a eventual decisão de paralisar processos tão adiantados – caso pelo menos os leilões já tenham ocorrido.

Novo papel

Algumas outras privatizações, como a da própria Codesa e a da CBTU em Belo Horizonte, estão nos trilhos e devem ser concluídas em 2022. A elas se somam ativos da Petrobras, como gasodutos, refinarias e a BR Distribuidora. Não é pouca coisa, mas faltaram as estatais mais simbólicas para quem só falava, na última campanha eleitoral, em trilhões de reais.

Digna de nota é a atuação do BNDES. Nos anos PT, foi um dos principais bancos de fomento do planeta, liberando mais recursos do que o alemão KfW e o coreano KDB. Em menos de uma década, mudou sua vocação e tornou-se um dos campeões mundiais em estruturação de projetos, o que inclui concessões e privatizações.

Além do saneamento, com sua primeira grande onda de capital privado, chama atenção o apoio do BNDES à venda de empresas estaduais. Somando os valores de compra, assunção de dívidas e investimentos obrigatórios, chega-se à marca de R$ 34,5 bilhões em capital mobilizado (como mostra o gráfico acima). (Valor Econômico – 12/01/2022)

Daniel Rittner é repórter especial do Valor Econômico em Brasília

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