O pior governo da história recente criou involuntariamente alguma esperança
Em 2021 consolidaram-se importantes legados de Jair Bolsonaro para 2022. Nenhum o favorece – e alguns serão dor de cabeça para quem lhe suceder.
Setores privados da economia empreenderam ações políticas e conseguiram defender em parte as visões de modernização do País em linha com grandes transformações internacionais. É assim que obtiveram as demissões, no começo do ano, dos ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Eles eram péssimos para os negócios, para dizer o mínimo.
Ganhou corpo nesse processo uma inédita coligação de instituições financeiras internacionais e nacionais, da agroindústria e da própria indústria. Criaram-se várias instâncias de articulação (formais e informais) que terão peso nas escolhas dos próximos governantes. Bolsonaro conseguiu a “proeza” de rachar internamente vários desses segmentos que o apoiaram em 2018. Não tem mais como colar os cacos dos cristais quebrados.
Outro legado de peso foi o enfraquecimento da figura institucional do presidente da República. Sob Bolsonaro, o Legislativo capturou prerrogativas inéditas no uso de ferramentas do poder via Orçamento público. O presidente que sairá das urnas em 22 será mais fraco do que o vencedor de 2018. Precisará de articulação bem mais abrangente do que formar maiorias sólidas num Parlamento que permanecerá fracionado.
A “cerca elétrica” erguida pelo STF em torno de Bolsonaro funcionou. Por tudo o que se possa criticar no STF, em seus integrantes, na sua peculiar interpretação da Constituição e sua presença na política, os freios institucionais atuaram. A trágica gestão da pandemia catapultou o STF a uma posição de legislar e governar da qual dificilmente abdicará.
Outro legado significativo de Bolsonaro para 2022 é ter ajudado decisivamente a recuperar as chances eleitorais do lulopetismo. Como Lula vai trabalhar esse ganho é outra história, mas é ele o favorito que todos terão de derrotar. O problema de Bolsonaro é ser cada vez menos visto como alternativa a Lula.
Por último, ganha corpo uma noção ainda vaga, em boa parte criada pelo fracasso bolsonarista. É a ideia de que mesmo forças políticas antagônicas têm condições de pensar um país para além do destino de indivíduos como Bolsonaro e Lula. Há um eixo de debate democrático capaz de unir e pacificar contrários, centrado em como nos fazer sair da pobreza, da desigualdade, da injustiça e da ignorância.
O colunista confessa que esse último parágrafo é uma esperança. De um 2022 melhor para todos nós. Feliz ano-novo. (O Estado de S. Paulo – 30/12/2021)
WILLIAM WAACK, JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN