Presidente minguou eleitoralmente e, ao que tudo indica, irreversivelmente
Jair Bolsonaro pode até anular os 125 pedidos de impeachment, cobrando a generosa fatura com que garantiu a Arthur Lira o controle da Câmara. O que o presidente não pode é evitar a presente erosão da sua popularidade. Perdas refletidas no abandono do empresariado, na debandada dos produtores rurais, no afastamento da classe média antipetista, que agora procura nova saída. São forças que o elegeram em 2018 e ele esperava multiplicar em 2022.
Resumo da ópera: Bolsonaro minguou eleitoralmente e, ao que tudo indica, irreversivelmente.
Não suportou o peso das três categorias de problemas que marcam sua presidência. Primeiro, o macabro culto da morte que impôs à sua gestão da pandemia. Depois, as atitudes antidemocráticas, promovendo atos radicais que provocaram a indignação dos democratas e atiçaram a reação dos movimentos populares.
Finalmente, as numerosas denúncias de corrupção, avalanche de acusações que derreteram o escudo de honestidade que usava para se distinguir, falsamente, dos seus concorrentes.
A cada pesquisa, os índices despencam. A avaliação de especialistas é que o núcleo compacto de Bolsonaro é de 15% do eleitorado. Sua última queda reduziu-o a 24%. Para se ter uma ideia, a presidente Dilma Rousseff, no auge de sua derrocada, contava com 20% de popularidade.
Os números negativos de hoje não representam, porém, uma fatalidade. Segundo o experiente analista Antonio Lavareda, as medições atuais mais constroem uma opinião do que a revelam. O eleitor é colhido de surpresa quando convidado a pensar em algo que ainda não está presente na sua vida. São números provisórios, sujeitos a chuvas e trovoadas.
Tais ressalvas, entretanto, não desqualificam as pesquisas como forma eficiente de avaliar o desempenho do presidente quando candidato à reeleição. O chamado “incumbente”, palavra de pouco charme mas de que não se pode fugir para designar a maldição da existência do candidato no exercício do cargo.
Quem estará recebendo os votos desgarrados de Bolsonaro? Ainda não é possível saber. Será fatal que os eleitores encontrem suas alternativas ao longo da campanha.
Lula ganhará alguns, mas poucos. Nem todo o eleitorado de Jair Bolsonaro foi constituído pelo voto ideológico. Assim, em comum com Lula, há o voto populista, o voto das medidas assistenciais, e até o voto que já foi do Lula, um dia, mas de lá saiu em busca de mudança. E agora ainda está rodopiando no espaço.
Se os apartados forem mais identificados com o centro e a direita, é muito provável que se encontrem na opção que vier a ser oferecida por este espectro político. As candidaturas são esboços, os nomes e sobrenomes não foram gravados pelos eleitores. No atual estágio, houve um único debate entre três possíveis candidatos e haverá outro em agosto. Ainda é pouco elaborado o repertório da disputa. João Doria aposta no seu trunfo das vacinas. O governador Eduardo Leite monopoliza a agenda de costumes. O veterano Ciro Gomes testa mais uma vez seu programa. Tudo ainda muito precário.
Debate-se, entre os males do presidencialismo brasileiro, a falta que fazem as eleições primárias e o curto período da campanha, duas situações que beneficiam só o candidato à reeleição. O resultado desse sistema costuma fazer sofrer o eleitor. Que se arrepende das escolhas mal feitas e se mortifica pelos 4 anos seguintes, sonhando com a próxima chance de corrigir seus erros.
Estamos a um ano e três meses da eleição, tempo suficiente para Bolsonaro continuar tentando recuperar a popularidade perdida. Seja pelo uso e abuso da máquina pública, seja pelo projeto guerrilheiro de acabar com as urnas eletrônicas e criar o ambiente de apocalipse político. Que ocorrerá com o prolongamento indefinido da proclamação de resultados, caracterizando o golpe continuísta com que ameaça o País. (O Estado de S. Paulo – 07/07/2021)
ROSÂNGELA BITTAR, JORNALISTA, COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS