Votação prevista para esta terça-feira (22) na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é a expressão concreta da boiada passando para extinguir direitos dos povos indígenas. O texto em votação (PL 490/2007) agrupa 14 projetos num saco de maldades avassalador.
Entre outras medidas, propõe transferir do governo federal para o Congresso a competência de demarcar terras indígenas, abre a possibilidade de anular demarcações já feitas, legaliza garimpos, permite a exploração econômica predatória e fragiliza a proteção de povos isolados. Indígenas estão acampados em Brasília para tentar impedir esse correntão.
Diante de tamanho ataque, adquire especial relevância a votação prevista para o dia 30 de junho no STF que envolve disputa entre o governo de Santa Catarina e a terra indígena Ibirama-Laklãnõ, da etnia Xokleng. A decisão terá repercussão geral, servindo de baliza para as demais instâncias judiciais.
No centro da controvérsia está a tese do chamado “marco temporal”, sustentado pelos ruralistas.
A tese considera que os indígenas só teriam direito às terras por eles ocupadas até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A perversidade embutida nesse argumento é desconsiderar o histórico de expulsões e remoções forçadas a ferro e fogo.
Nesse sentido, a história dos Xokleng é exemplar. Conforme estudos do antropólogo Silvio Coelho dos Santos (1938-2008), em pleno século 20, eram comuns as expedições de “bugreiros” para massacrar os Xokleng e tomar suas terras, a mando de oligarcas locais.
O depoimento de um desses “bugreiros”, recolhido pelo antropólogo, é autoexplicativo: “Primeiro, disparavam-se uns tiros. Depois, passava-se o resto no fio do facão. O corpo é que nem bananeira, corta macio. Cortavam-se as orelhas. Cada par tinha preço”. É preciso virar a página de violência contra os indígenas no Brasil, em definitivo. Espera-se que o STF confirme o direito dessas populações aos seus territórios e a viver em paz. (Folha de S. Paulo – 22/06/2021)
Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. É autora dos livros “Tragédia em Mariana – a história do maior desastre ambiental do Brasil” e “A Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado – uma história de conservação”