A lógica da polarização centrífuga é muito mais complexa do que se pensa
A nova onda populista causou certa perplexidade porque havia certo consenso que posições radicalizadas seriam derrotadas nas urnas por posições menos radicalizadas e mais “centristas”.
A lógica era cristalina: estas últimas contariam não só com o apoio de seu próprio campo mas também de rivais do polo oposto. O partido ou o candidato que expresse a preferência do eleitor mediano (que não se confunde com o ponto médio da escala ideológica), em disputa majoritária terá o apoio de uma maioria.
Mas como mostrou Sartori (1924-2017) na análise do que chamou “pluralismo polarizado” da Alemanha de Weimar, Chile de Allende, Itália do pós- guerra, a França da 4ª República, outros fatores importam. Neles não havia uma competição centrípeta pelo centro mas uma tendência centrífuga de radicalização entre os partidos e no eleitorado. E isso, argumentava, não decorria da adoção da representação proporcional, como se argumentava.
Sartori identificava sete traços fundamentais no pluralismo polarizado, mas alguns nos interessam. O primeiro é a existência de partidos ou movimentos anti-sistema que tem efeitos deslegitimadores (ou devastadores quando chegam ao poder). O segundo é que, em reação, tais partidos levam o centro a ser “habitado”, impedindo o centrifugalismo moderador da competição entre dois polos.
Assim, na Itália um grande partido de centro que era o maior partido com mais de 40% do voto polarizava com um partido antissistema, o Partido Comunista Italiano, apoiado por quase um terço do eleitorado. Quando a polarização ocorre entre dois polos ideológicos como no Reino Unido, “o centro é um espaço não habitado” para onde convergem.
“O sistema é baseado no centro precisamente porque é polarizado”, é sua conclusão contraintuitiva. A dimensão da DC refletia a rejeição das opções à esquerda e à direita, embora Sartori insistisse que é irrelevante o conteúdo ideológico do centro; importa apenas sua posição central entre polos, e se a amplitude da distância entre polos no sistema é alta, o que independe de simetrias, podendo ocorrer entre um partido de centro e um grande partido radical à esquerda ou direita.
Outro fator é a existência de oposição bilateral —gerando “polarização triangular”— cuja existência impede a formação de coalizões e aqui, argumenta, o número de partidos é irrelevante. Dado a fragmentação, o sistema gera incentivos para o purismo partidário e à “oposição irresponsável” —que torna-se retórica e maximalista por não poder ser alternativa real de governo. O resultado geral é um imobilismo sistêmico.
Como o pluralismo polarizado afeta o presidencialismo de coalizão? Voltarei ao tema. (Folha de S. Paulo – 14/06/2021)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)