Numa pequena amostra da intensidade do tempo presente, em apenas duas semanas um general da ativa foi para um ato político e ficou na estranha situação de ser premiado pelo presidente e ameaçado de punição pelo Exército. Uma grande manifestação contra o governo ocupou as ruas de mais de 200 cidades. O PIB surpreendeu os economistas, o dólar caiu e uma crise hídrica surgiu como uma nova sombra sobre o país. A CPI avançou, mostrando que a mentira é usada como método pelo governo. O ministro do Meio Ambiente e o então presidente do Ibama foram alvos de uma operação que investiga a exportação ilegal de madeira.
A lista poderia crescer, porque os acontecimentos não deram trégua. Nas duas semanas em que fiquei longe deste espaço houve fatos que mudaram o cenário político. O mais importante deles foi a manifestação que tomou as ruas do país no sábado, 29. Quem saiu para protestar contra o governo Bolsonaro teve que vencer o conflito interno entre suas convicções sobre as medidas de proteção e a necessária reação a um presidente que tem provocado mortes pelas suas decisões. Bolsonaro, no domingo anterior, havia feito um desfile de moto, com seus apoiadores, pelas ruas do Rio, exibicionista e intimidatório, à moda Benito Mussolini. Era como se fosse o único capaz de mobilizar. O convincente ato 29M deixou marcado que a força contrária existe e é significativa.
O presidente Bolsonaro tem feito atos de campanha eleitoral, fora de hora, usando recursos públicos em seus deslocamentos e segurança. Leva ministros, como levou o ministro da Defesa a Manaus. O mais ostensivo ocorreu no Rio e instalou no palanque o general Eduardo Pazuello, um oficial da ativa. Pazuello mentiu na CPI, Pazuello mentiu para o Exército. É óbvio que aquele ato no qual ele discursou era político e, portanto, proibido pelo estatuto das Forças Armadas. Bolsonaro fez de propósito. Ele está minando as instituições ou querendo mostrar que as controla. Depois de trocar todos os comandantes das Forças, ele dá um xeque-mate no novo comando ao instalar Pazuello no próprio Palácio. Aliás, um general da ativa vai ficar sob a chefia de um almirante da ativa, Flávio Rocha, da Secretaria de Assuntos Estratégicos. As Forças Armadas precisam escolher de que lado estão. A ambiguidade não é mais tolerável.
Na CPI, acumulam-se as evidências dos erros do governo Bolsonaro. Um dos mais eloquentes depoimentos foi o de ontem, em que a médica Luana Araújo, com clareza e objetividade, mostrou o quanto o Brasil perde tempo, dinheiro, esforço e vidas por um caminho totalmente sem sentido no combate à pandemia. Explicou que a tese da imunidade de rebanho, através da contaminação pelo vírus, é “impossível”. O vírus passa por mutações constantes, a estratégia não é inteligente e tem um custo alto em vidas humanas. Ela demoliu uma por uma as teses que o governo vem insistindo em impor ao país. Com coerência científica, e uma firmeza notável para a sua juventude, a médica, que quase coordenou o enfrentamento à Covid, mostrou tecnicamente como o governo tem errado. Foi um dia de ouvir a racionalidade. E como fez bem.
A economia teve um número bom na última terça-feira. O crescimento do PIB do primeiro trimestre foi além da maioria absoluta das previsões. Há outros dados positivos como o forte saldo da balança comercial e a queda do dólar. Contudo, há diversas sombras: a inflação, o risco de uma crise hídrica, o desemprego. O principal fator de incerteza é a lentidão da vacinação. As hesitações, os atrasos, a negligência na busca da vacina que a CPI tem revelado a cada depoimento aumentaram o número de vítimas no Brasil, mas também comprometeram a recuperação econômica.
Quem vê a economia com olho nas tendências se depara com uma aberração no Brasil. No tempo em que todos os grandes fundos de investimento, maiores bancos e empresas globais assumem compromissos ambientais, o Brasil tem um ministro do Meio Ambiente como Ricardo Salles que é investigado por suspeita de facilitar exportação ilegal de madeira. É tão absurdo que parece inverossímil. Só é crível porque acontece no governo Bolsonaro. O cenário na área ambiental começou a mudar a partir dessa operação contra Salles e agora o inquérito foi autorizado pela ministra Cármen Lúcia. (Com Alvaro Gribel, de São Paulo/O Globo – 03/06/2021)