Por Paulo Siqueira
No século XVI, quando os portugueses se lançaram ao mar nas navegações, morreram 9 entre 10 dos exploradores. Mas mesmo assim, eles se lançavam em ondas contínuas ao mar, na busca de um caminho marítimo que contornasse os territórios muçulmanos e chegasse às índias. O fator econômico não foi o único que os motivou, afinal não vale a pena ir pra morte quase certa por riquezas. Mas houve o elemento religioso incorporado, o qual, num projeto nacional, mobilizou estado, povo e igreja em busca do reino encantado do rei cristão encoberto, Prestes João, reino onde vertia mel e leite dos rios, e ouro das pedras.
O fenômeno da extrema-direita nessa segunda década de século e milênio, se reveste também de narrativa religiosa. Dentro desse bojo, Bolsonaro, um obscuro deputado, se apresentou como o líder de um movimento contra o sistema, e assim, a extrema-direita se apresenta como uma força revolucionária, não no sentido marxista, mas porque quer romper o sistema, as instituições, tomar o poder e impor sua agenda, a qual junta alguns elementos que a esquerda rejeita: volta a um passado mítico, o cristianismo como religião hegemônica, a família tradicional, armas, uma polícia sem limites pra combater o crime, bons costumes e rejeição a identitarismos, e à agenda ambiental.
Mas o que Bolsonaro promete é luta contra o sistema, uma luta sem fim, na qual, foi derrotado em 22, pois o sistema é muito poderoso. Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo, por outro lado é um sujeito que saiu do nada, trabalhou 13 anos como CLT ganhando salário mínimo e se tornou milionário. Hoje, ele ensina às pessoas a como serem milionárias também. Basta seguir seus ensinamentos, entre os quais estão: Deus cristão, família, patriotismo e trabalho duro. Nada mais é do que a doutrina da prosperidade, pouco conhecida pela academia, mas muito forte entre evangélicos. Mesmo o vídeo em que ele ora pra uma cadeirante voltar a andar, é vista pela esquerda como charlatanismo, mas pelos evangélicos como uma luta por livramento e se a cadeirante não conseguiu, não foi por falta de tentativa dele, mas ou por pouca fé da pessoa, ou por vontade de Deus.
Bolsonaro promete luta, Marçal oferece prosperidade.
Marçal domina muito bem os mecanismos contemporâneos de comunicação e traz para o Brasil métodos agressivos de ataques, muito comuns nas campanhas norte-americanas. Ele consegue mobilizar internautas e influencers e arregimentou um exército de voluntários, na mais pura estratégia de firmar a narrativa salvacionista de que ele lidera um exército e Deus é o Senhor dos Exércitos. Marçal tem a firmeza e a coragem pra sempre dobrar a aposta, e nenhum escrúpulo parece lhe fazer vacilar. Não é de hoje, sejamos honestos, que a agressividade política e a falta de escrúpulos frequenta as eleições no Brasil.
Ainda é cedo pra apontarmos onde isso vai dar, mas o fenômeno já está posto, e Marçal já é o líder de um segmento importante, tanto que o próprio Bolsonaro, assustado com sua ascensão, tenta contê-lo, e a extrema-direita tem se dividido, todos eles apelando para se unirem.
Nesse segmento, os evangélicos hegemonizam outros segmentos que deram sustentação a Bolsonaro até agora: ruralistas, armamentistas, gamers, policiais, militares, influencers, niilistas, e outros. Mesmo que perca essa eleição, Marçal desponta como um líder que devemos levar a sério sob o risco de sermos novamente surpreendidos como fomos em 2018.