NAS ENTRELINHAS
A principal contradição entre o Congresso e o governo Lula, do ponto de vista institucional, é o fato de que deputados e senadores abocanham uma fatia cada vez maior do Orçamento da União, por meio de emendas parlamentares impositivas, sem compromisso com os resultados. Adotam critérios paroquiais, com objetivos eleitorais imediatos, sem a contrapartida da busca de políticas públicas eficazes, de estratégias de desenvolvimento e do êxito no combate às desigualdades.
Essa forma de “empoderamento” dos mandatos parlamentares em relação ao Executivo tem baixa produtividade e muito pouco compromisso com o bem comum, além de ser uma estratégia de reprodução de mandatos que desequilibra a chamada “paridade de armas” nas eleições: aos que tem mandato, tudo — principalmente verbas do Orçamento e recursos dos fundos partidário e eleitoral; aos que o almejam, nada. Em detrimento da renovação, a deterioração política.
Esse problema está posto e precisa ser enfrentado de alguma forma. A gula dos parlamentares em relação ao Orçamento da União cresce a cada ano, mas precisa ser enfrentada. Ou pela definição de prioridades de investimentos, a partir de uma proposta do Executivo na aprovação do Orçamento, com objetivo de mitigar a irresponsabilidade em relação aos resultados. Ou pela adoção do semi-presidencialismo, no qual o Congresso seria obrigado a responder pelos eventuais resultados negativos, e não apenas usufruir o bônus populista da execução administrativa na sua base eleitoral.
Essa é uma situação que já começa a desgastar o Congresso. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, deputado Danilo Forte (União-CE), para mitigar esse desgaste, pretende dar prioridade às emendas parlamentares que destinem recursos para projetos em execução, promoção da educação básica de qualidade, empreendedorismo feminino, inovação tecnológica, uso de energias renováveis e atendimento integral das crianças com deficiência. É um avanço em relação à situação atual.
O parlamentar sugeriu que cada bancada estadual, cada comissão permanente e cada parlamentar apresente até três emendas. Essas emendas incluem ações no projeto do Orçamento com metas de execução. Na LDO de 2023, o Congresso fez isso, por exemplo, em relação à contenção de encostas em áreas urbanas, com meta de atingir 92.291 pessoas — o que era pouco, mas já foi alguma coisa.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, sugeriram que as metas e prioridades para 2024 sejam as que forem aprovadas para o novo Plano Plurianual 2024-2027. Esse plano estabelece prioridades para quatro anos, a serem observadas na LDO.
Nos últimos anos, como as prioridades definidas pelo Congresso foram vetadas pelo governo Bolsonaro, as emendas ficaram à matroca, a ponto de existir um orçamento secreto.
Receitas e despesas
No relatório, Danilo Fortes propõe o gasto mínimo com Saúde de 15% da receita corrente líquida, que já deveria ser observado em 2023. Isso significaria um incremento de R$ 2,7 bilhões no Orçamento deste ano. Simone Tebet, porém, está discutindo com o Tribunal de Contas da União (TCU) para que a exigência seja feita a partir de 2024.
O mesmo problema pode ocorrer com o gasto mínimo de 18% da receita de impostos com a educação. Esses limites mínimos de gastos estão definidos na Constituição, mas tanto o governo federal como o Congresso e o Judiciário aumentam suas despesas com pessoal e custeio, sem a contrapartida do aumento de arrecadação.
Nesse aspecto, não deixa de ser alvissareira a aprovação, ontem, pelo Senado, da mudança do Imposto de Renda sobre fundos de investimentos e sobre a renda obtida no exterior por meio de offshores.
O relatório do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) altera uma série de leis, entre elas o Código Civil, para tributar ou aumentar as alíquotas incidentes sobre fundos exclusivos (fundos de investimento com um único cotista) e aplicações em offshores (empresas no exterior que investem no mercado financeiro). O líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), porém, criticou o projeto e disse que o governo atual “tem pouco apreço pelas contas públicas”.
O ex-ministro de Bolsonaro foi duro na crítica: “O governo muda a forma de taxar os fundos offshores e fundos exclusivos, permitindo que haja liquidação de seus ativos e, nessa antecipação, o governo possa recepcionar 8% sobre o capital amealhado nos últimos anos nas operações. Esses recursos serão não recorrentes. Em contrapartida, as despesas que estão sendo relacionadas e inseridas no Orçamento são definitivas, vão se acumulando com receitas episódicas e eventuais”. (Correio Braziliense – 30/11/2023)