Míriam Leitão: Haddad entre o mercado e a política

Ministro completa seis meses no cargo com vitórias no Congresso, mais confiança da Faria Lima e muitos desafios pela frente

O ministro Fernando Haddad disse que não anteciparia seu voto na reunião de hoje do Conselho Monetário Nacional. Mas deu indicações. Avisou que considera decidida a meta da inflação do ano que vem. Ela está em 3%. Criticou, como desatualizada, a forma de cálculo de hoje sobre o tempo do cumprimento da meta ao final de cada ano: “Quase a totalidade dos países saiu do ano calendário”. A alternativa é a meta contínua. Em longa entrevista que me concedeu ontem na GloboNews, Haddad criticou indiretamente o mercado, que “fetichiza” um determinado indicador, disse que o arcabouço deve ser aprovado e garantiu que a reforma tributária não vai aumentar os impostos para o setor de serviços e profissionais liberais. E explicou a boa relação com o Congresso.

Haddad completa seis meses no Ministério da Fazenda, um dos mais difíceis da Esplanada, colecionou sucessos e contornou conflitos à direita e à esquerda, manteve diálogo com o Congresso e reduziu resistências na Faria Lima. Na entrevista que me concedeu ontem, quando perguntei se o nome dele estará em alguma cédula eleitoral em 2026, ele voltou correndo para a economia.

Há notícias na Fazenda de interesse de vários setores. Ele disse que deverá ser estendido o programa para compra de veículos populares e, desta vez, pessoas jurídicas também serão contempladas. Contou que haverá, também, uma linha de crédito para a produção de máquinas agrícolas menores para a agricultura familiar. Confirmou que os endividados poderão começar em breve a negociar no Desenrola.

A reforma tributária tem recebido dois tipos de críticas opostas, a de que aumenta impostos para o setor de serviços e para os profissionais liberais, e a de que fez tanta concessão mantendo isenções, e com um prazo tão longo de transição, que não vai ter o efeito esperado. Fiz as duas perguntas. Ele afirma que o setor de serviços não terá aumento de tributos até porque, segundo ele, 90% está no Super Simples, e disse que será uma verdadeira “constituinte tributária”, porque tudo vai ser discutido e que não se deve subestimar seu impacto positivo. Considerou normal as críticas.

— Quando chega o momento da decisão, os interesses se manifestam com uma energia vulcânica. Porque é última semana para tomar decisões, aí a questão federativa aparece, a questão setorial aparece.

Haddad admitiu que o Senado não ouviu seus pedidos em relação a deixar para o segundo semestre o debate sobre renovar a desoneração da folha salarial de 17 setores. Mas que está conversando com a Câmara. Ele quer que isso fique para a nova etapa da reforma tributária, quando se discutir renda e imposto sobre a folha. Está negociando com a Câmara a votação do projeto do Carf, já que a MP caducou.

Perguntei sobre sua boa relação com o Congresso e ele disse que nasceu na anomalia da transição.

— Quem fez a transição foi o Arthur Lira e o Rodrigo Pacheco, eles é que fizeram a transição, ao que se somou ao Supremo Tribunal Federal a partir de 8 de janeiro. Houve quase um pacto implícito de que os assuntos de Estado iam ser tratados como tais. Isso foi dito pelo presidente Arthur Lira e pelo presidente Rodrigo Pacheco: olha, vamos separar que é o estado brasileiro. Até usei uma metáfora: “Nós não estamos discutindo aqui quem vai ganhar o campeonato. Nós estamos discutindo se vai ter campeonato”. Então, vamos organizar o campeonato e a volta da política vai determinar quem ganha o campeonato depois de quatro anos.

Na avaliação do ministro, a economia tem sinais positivos que surpreenderam até o mercado.

— O mercado estava projetando uma inflação desse ano acima de 6%, até pouquíssimo tempo atrás. A pesquisa Focus via o PIB abaixo de 1%. Então em muito pouco tempo isso tudo se reverteu. Hoje tem gente apostando que a inflação pode chegar a 5%, o que é muito diferente de 6%. E crescimento a 2% a 2,3%. Eu sou a favor de modelagem e de pesquisa, mas nada substitui uma tomada de decisão bem informada por vários expedientes. Existe um pouco mais de arte na condução da política econômica que é como você processa o conjunto de informações que você está recebendo. Como está o mercado de crédito, como está o mercado de capitais? Como é que está a desaceleração da economia? Como é que está a desinflação dos produtos? Então, quando você fetichiza um determinado indicador, às vezes você não toma a melhor decisão — disse o ministro, dando uma suave estocada no mercado e Banco Central. (O Globo – 29/06/2023)

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