NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
A atual composição do Congresso Nacional barra qualquer lei que possa fazer o agronegócio se sentir ameaçado
No livro Lógica da Ação Coletiva (Edusp), o economista Mancur Olson explica o comportamento de indivíduos racionais que se associam para a obtenção de algum benefício coletivo na democracia. Sua pretensão foi apresentar uma alternativa à teoria sociológica tradicional dos grupos sociais, que já não dava resposta à deterioração política das relações entre os governos e os cidadãos na sociedade norte-americana. Estamos falando na década de 1960. Sua conclusão principal foi de que “quando maior for o grupo, menos intensa será a defesa de seus interesses comuns”, o que parece ser um contrassenso.
Macul considerou os benefícios coletivos como uma espécie de “benefício invisível”, que se transforma em benefício individual e, depois de obtido, não pode ser negado a ninguém, mesmo que não tenha participado da luta para conquistá-lo. Ou seja, um bem público. Do ponto de vista da racionalidade coletiva, todos ganhariam caso houvesse uma cooperação integral. Porém, a racionalidade individual proporciona a recompensa mais vantajosa para quem se omite, independentemente de os outros membros do grupo cooperarem ou deixarem de cooperar.
É mais ou menos o que acontece com a questão ambiental. Todo mundo sabe que o aquecimento global é uma ameaça à sobrevivência da humanidade e que conter o desmatamento é o meio mais barato e rápido de refreá-lo. É isso que faz da Amazônia a vedete mundial da questão ambiental. O impacto de uma política de desmatamento zero na contenção do aquecimento global a curto prazo é muito maior e mais barato do que a conversão da economia do carbono em economia verde.
No momento, isso é tudo que os governos das economias mais desenvolvidas desejam para fazer essa conversão. No Brasil, a transição seria até mais fácil, porque a nossa matriz energética é predominantemente renovável e ainda temos a possibilidade de produção de biocombustível em grande escala. Ocorre que a “mão invisível” do mercado, que resulta do auto-interesse social, em determinadas situações, produz resultados desastrosos para o coletivo. Reciclar, utilizar produtos reaproveitáveis, não desperdiçar, ou seja, adotar hábitos ecologicamente sustentáveis no dia a dia é muito bonito e tem apoio de todo mundo, principalmente quando praticado pelos outros.
Mas esse não é um dilema só nosso, é um problema das democracias ocidentais. Grupos pequenos, com interesses concentrados, podem obter resultados mais robustos do que grupos maiores cujos interesses sejam difusos. A ultrapassagem da sociedade industrial, de certa forma, confirmou essa teoria, porque a representação de classes sociais se enfraqueceu, como acontece, por exemplo, com sindicatos outrora muito poderosos, a exemplo de bancários e metalúrgicos, enquanto os grupos de pressão por interesses afins, organizados em redes sociais, se fortaleceram e são mais eficazes.
O lobby dos ruralistas, o setor mais atrasado do agronegócio, em relação às pautas ambientais é muito mais eficiente do que o dos ambientalistas. Mesmo havendo um novo governo que promove radical mudança na política ambiental, como ficou demonstrado, ontem, Dia do Meio Ambiente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado das ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. O atual Congresso barra qualquer lei que possa fazer o agronegócio se sentir ameaçado.
Eficiência concentrada
Sua frente parlamentar que é desproporcional em relação ao seu peso eleitoral e muito mais competente na atuação política do que os ambientalistas. A atuação dos agentes penitenciários da Califórnia serve de paradigma para entender o poder de pressão dos ruralistas no Congresso. Nos anos 1970, o presidente da Associação dos Guardas Penitenciários da Califórnia, Don Novey, classificava como a missão mais difícil do Estado cuidar de 36 mil prisioneiros. O lobby funcionava porque Novey construiu uma narrativa de combate à violência e organizou grupos de defesa de suas vítimas, recebendo maciço apoio dos republicanos.
Em 2002, a população carcerária era de 130 mil detentos e o número de agentes penitenciários havia saltado de 2,6 mil para 31 mil. Havia 21 novos presídios, os salários dos guardas ultrapassavam US$ 100 mil por ano, com direito a aposentadoria aos 50 anos, com 90% dos rendimentos. O segredo foi uma aliança com legisladores conservadores e construtores de prestígio, que resultou na aprovação da “Three strikes” (Três Delitos – Três Golpes), em 1994. A lei segundo a qual quem tivesse sido condenado por dois delitos e cometido um terceiro, violento ou não, poderia ser condenado de 25 anos à prisão perpétua.
Os guardas penitenciários californianos não formavam uma base eleitoral de grande expressão, mas eram capazes de desequilibrar as disputas eleitorais por meio do financiamento eleitoral e do ataque aos parlamentares que defendiam os direitos humanos. Quem não apoiasse suas teses, veria o dinheiro fluir para o adversário na campanha eleitoral. Entretanto, diante da explosão da população carcerária, há 10 anos o governo da Califórnia reagiu, e essa lei acabou sendo abrandada. (Correio Braziliense – 06/06/2023)