Presidente relega a esperança dos que votaram nele sonhando com a reunificação que a democracia permite entre discordantes
Ao trazer a Venezuela de volta, o presidente Lula demonstrou a importância de sua eleição. Seu antecessor cometeu o desatino de colocar as posições políticas pessoais na frente dos interesses do Brasil, praticamente rompendo relações com um país com o qual temos 2.199 quilômetros de fronteira. Lula retomou as relações com a Venezuela, mas também colocou suas posições políticas na frente, quando disse que as violações de direitos humanos e a quebra das instituições democráticas são apenas narrativas de opositores do governo venezuelano. Ao dizer isto, Lula ignorou aqueles que o apoiaram em 2022, mas discordam do comportamento político do governo Maduro ao desrespeitar as instituições democráticas.
Mesmo assim, ainda é Lula. Desviou-se de parte de seus eleitores, mas estes continuam reconhecendo seus méritos e com esperanças de seu governo sanar o desmonte dos serviços públicos, cuidar do meio ambiente e dos povos originários, consolidar nossa democracia. Ainda é Lula, mas parece ter esquecido que sua vitória, por uma diferença mínima, deve-se a eleitores que não se enquadram plenamente nas visões dele, nem dos mais próximos ideologicamente.
Ao tratar a taxa de juros como uma questão pessoal entre ele e o presidente do Banco Central, Lula ignora centenas de economistas cujo aval em 2022 foi essencial para dar-lhe a credibilidade que necessitava para ganhar a eleição. Que se saiba, ninguém que diverge desta sua narrativa foi convidado para sugerir como diminuir a taxa de juros, sem negacionismos, nem bravatas. Mesmo assim, aqueles apoiadores pensam “ainda é Lula”.
Ao continuar dividindo o Brasil entre ele e seu antecessor, entre “nós” e “eles”, Lula relega a esperança dos que votaram nele sonhando com a reunificação que a democracia permite entre discordantes. Não fez gestos para pacificar milhões de eleitores que votaram no presidente anterior, mas não concordam com ideias retrógradas ou autoritárias, esperavam palavras e ações de pacificador para o futuro, e às vezes assiste falas com conflitos voltados para o passado. Apesar disto, ainda é Lula.
Desde o início de seu governo, Lula assumiu posições ambíguas sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia sem ouvir muitos de seus apoiadores, entre os quais conhecedores de política externa que têm visão diferente. Mesmo assim, estes descontentes acham que ainda é Lula que pode conduzir o Brasil de maneira satisfatória no cenário internacional.
Ainda é Lula, mas ao se isolar entre os apoiadores mais próximos, quase todos reverenciais, sem fazer alertas nem apresentar alternativas, Lula vai perdendo o apoio que necessitou para vencer em 2022 e necessitará em 2026, para evitarmos a volta da tragédia que o Brasil atravessou. Para seus eleitores esperançosos, ainda é ele, mas até quando no número necessário para servir ao Brasil. (Blog do Noblat/Metrópole – 03/06/2023)
Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador