Não há mais tempo a perder com debates quando está em jogo a sobrevivência da democracia
Está na pauta da Câmara a votação do regime de urgência para a apreciação do Projeto de Lei (PL) das Fake News, aprovado no Senado em 2020. É fundamental que os deputados sigam adiante com o plano de votar o requerimento amanhã e levar o PL à apreciação do plenário ainda nesta semana. Os eventos do 8 de Janeiro e os ataques recentes em escolas deixaram claro que é preciso agir com presteza. O Brasil não pode permitir que as redes sociais continuem a ser usinas de desinformação e violência.
A última versão do PL apresentada pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), está madura e incorpora os dispositivos da legislação mais moderna sobre o tema, em particular a europeia. É esperado que as plataformas digitais façam pressão para adiar a votação, mas os deputados precisam resistir. Devem evitar repetir o erro cometido ao não aprovar o PL antes das eleições do ano passado, abrindo caminho ao golpismo que se sucedeu.
Por mais que possa haver margem para críticas pontuais, na essência o PL das Fake News promove duas mudanças essenciais. Primeiro, torna as plataformas corresponsáveis pelos conteúdos que veicularem, acabando com a imunidade que hoje usufruem e estabelecendo o “dever de cuidado” pelo que circular em suas redes (ao mesmo tempo, cria regras sensatas de moderação e governança para preservar a liberdade de expressão). Segundo, sob inspiração da lei australiana, prevê que remunerem os criadores de conteúdos jornalísticos que fizerem circular.
Embora não reconheçam isso, as plataformas digitais funcionam como empresas de comunicação, que faturam com a venda de publicidade, veiculada em conteúdos produzidos por terceiros. Essa relação de parasitismo é a principal responsável pela crise que acometeu as empresas que produzem jornalismo profissional. Ao defender a manutenção desse estado de coisas, as plataformas desviam do ponto central: a preservação da democracia.
O jornalismo profissional é a principal arma da sociedade para se informar de modo fidedigno. Ao deixar de pagar pelos conteúdos, as plataformas enfraquecem a capacidade da imprensa de exercer essa tarefa intransferível. Gigantes digitais como Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp) ou Alphabet (controladora de Google e YouTube) não substituíram o jornalismo profissional nem eliminaram sua necessidade. Ao contrário, além de enfraquecê-lo com o parasitismo, criaram modelos de negócios que incentivam desinformação e discurso de ódio.
Produzir jornalismo de qualidade exige pessoal qualificado e editores treinados para trabalhar em nome do interesse público. Investigações envolvem encontros pessoais, viagens e o investimento em várias áreas do conhecimento, nos prazos exíguos ditados pela necessidade dos cidadãos. Todo conteúdo exige checagem exaustiva e apuro técnico. Tudo isso custa caro.
Os projetos montados pelas plataformas para atenuar o parasitismo se revelaram insuficientes. A timidez desses esforços é a melhor prova de que, enquanto a legislação for generosa com elas, nada mudará. Com poderio financeiro e alcance global, elas têm fugido de qualquer discussão minimamente justa para pagar pelo conteúdo jornalístico que circula nas redes. No jargão dos economistas, trata-se de uma falha de mercado que não será corrigida sem uma regulação rigorosa, como a do PL. Não há mais tempo a perder para aprová-lo. (O Globo – 25/04/2023)