PF ouvirá ex-presidente sobre escândalo das joias; desde 1989 ele tinha a proteção de um mandato
Durante quatro anos, Jair Bolsonaro mentiu sobre a urna eletrônica e sugeriu que seria vítima de um complô. Enquanto isso, seus aliados usavam a máquina do governo para tentar roubar a reeleição.
A conspiração contra a democracia chegou ao ápice em 30 de outubro de 2022. Era o dia do segundo turno, e a Polícia Rodoviária Federal montou barreiras ilegais para dificultar a circulação de eleitores.
Os bloqueios tinham um alvo: as regiões onde Lula havia recebido mais votos no primeiro turno. Novos indícios complicaram a situação de Anderson Torres, mas nem o patriota mais delirante acreditaria que ele agiu por iniciativa própria.
O ex-ministro da Justiça era um bolsonarista obediente. Estava ao lado do chefe quando ele convocou embaixadores ao Palácio da Alvorada para atacar o sistema eleitoral. Depois da eleição, cruzou os braços quando a extrema direita queimou ônibus e tentou depredar o edifício da Polícia Federal.
Lula subiu a rampa, e Torres reapareceu na cena de outro crime: os atos golpistas de 8 de janeiro. Desta vez, como chefe da polícia que permitiu a invasão das sedes dos Três Poderes.
O delegado está preso há quase três meses, e seu novo advogado diz que ele só comentará as suspeitas nos autos. Seu silêncio ajuda o capitão, mas não significa que ele será o único a pagar pela trama contra a democracia.
Hoje Bolsonaro prestará o primeiro depoimento à polícia desde a derrota nas urnas. Será ouvido sobre outro escândalo, o das joias sauditas, e deve sair indiciado por peculato. Se os investigadores não acreditarem em sua versão sobre os “presentes” de R$ 18 milhões, também poderá ser enquadrado por corrupção passiva.
Em mais de três décadas na política, o capitão sempre agiu como se nunca tivesse que responder por seus atos. Parecia se julgar inimputável. Agora ele experimenta uma situação inédita. Pela primeira vez desde 1989, não tem mandato nem foro privilegiado para protegê-lo. Demorou, mas a conta começou a chegar. (O Globo – 05/04/2023)