Vera Magalhães: O golpe chinelão

Em pouco mais de um mês, o Brasil assistiu a dois ataques terroristas, à tentativa de um terceiro, à descoberta de uma minuta de golpe de Estado na casa de um ex-ministro da Justiça e, agora, à confissão de um senador de que foi levado ao encontro do então presidente da República, por um deputado federal, e de que discutiram a três uma conspiração para prender um ministro da Suprema Corte e anular o resultado das eleições. E há quem, diante de um conjunto de acontecimentos dessa gravidade inimaginável, tente encontrar atenuantes. Elas não existem.

É preciso que em algum momento se dê um “basta” à permanente mania de colocar Jair Bolsonaro como um personagem coadjuvante ao golpismo bolsonarista. É dele que partem todas as investidas contra as instituições democráticas desde que foi eleito.

Sem ele, não existiriam Daniel Silveira, indultado depois de conspirar contra a democracia; Carla Zambelli ameaçando atirar em plena luz do dia; Roberto Jefferson recebendo agentes da Polícia Federal a tiros de fuzil; os generais Augusto Heleno e Braga Netto endossando discurso que deslegitima o processo eleitoral; nem a turba que invadiu os prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro.

Como alguém espera que cole a versão que o senador Marcos Do Val tentou vender, de um Bolsonaro de calção e chinelos que ouve dentro do Palácio da Alvorada placidamente um plano aloprado para grampear um ministro do STF e nada faz? Isso horas depois de dizer que o próprio Bolsonaro havia tentado “coagi-lo” a “dar um golpe de Estado junto com ele”.

É nítido o pânico do clã Bolsonaro de que, finalmente, não seja mais possível ao patriarca se esquivar das responsabilidades pelo legado de destruição ao longo de quatro anos. Conseguiu se safar na pandemia, mesmo diante das inúmeras vezes em que abertamente desdenhou a gravidade do vírus, boicotou medidas sanitárias, atrasou a compra de vacinas, comprou medicamentos sabidamente ineficazes, ouviu denúncias de corrupção na compra de vacina por atravessadores — e nada fez.

Não foi responsabilizado pelas muitas vezes em que, do alto de palanques, ameaçou ministros do Supremo, disse que não cumpriria decisões judiciais, usou palácios para divulgar fake news contra o sistema de votação e convocou aliados para atos antidemocráticos.

Por ora, está se esquivando de responder pelas ações deliberadas de seu governo para permitir a entrada de garimpeiros em terras ianomâmis e retirar a fiscalização da região, o que resultou numa tragédia humanitária.

Está cada dia mais claro que a fuga de Bolsonaro para a Flórida se deve a uma tentativa de se desvincular não de um, nem dois, mas de uma sequência de atentados à democracia desde sua derrota para Lula nas urnas. Acontece que, no episódio Silveira-Do Val, ele deixou digitais que não serão apagadas. (O Globo – 03/02/2023)

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