Merval Pereira: Dilema político

Possível prisão de Bolsonaro causa discussão dentro do governo. Há quem ache que ele sairia ganhando se fosse preso

A volta ao país do ex-presidente Bolsonaro, que deverá acontecer brevemente devido à pressão política para que seu visto especial não seja renovado, pois não é mais presidente do Brasil, está criando uma discussão dentro do governo. Há os que consideram que o governo tem de ser rigoroso e prendê-lo quando existir alguma acusação formal contra ele, mesmo que seja logo na chegada.

Outros consideram que Bolsonaro só sairia ganhando se fosse preso, reforçando a imagem de vítima que vem cultivando no exterior. Não foi por acaso que ele ontem comentou que os atos de vandalismo ocorridos em Brasília foram “inacreditáveis”, reforçando a crítica que já havia feito quando disse que quebrar prédios públicos “está fora das quatro linhas da Constituição”.

Note-se que ele não critica quem pede intervenção militar, fechamento do Congresso e do Supremo, atitudes que ele e seus seguidores tentam enquadrar no que chamam “liberdade de expressão”. O que assusta os petistas é a possibilidade de Bolsonaro voltar nos braços do povo, mesmo que seja uma demonstração orquestrada, não espontânea.

O ex-deputado federal Miro Teixeira anda tuitando nos últimos dias informações sobre os bastidores das articulações bolsonaristas em Orlando. Garante que Bolsonaro prepara sua volta em grande estilo e que o ex-presidente tem ciência de que pode até ser preso, como foi advertido. Avalia, porém, que um tempo na cadeia poderá ser até benéfico para sua imagem de “mito”. Seria a tentativa de repetir o “efeito facada” que o beneficiou na campanha de 2018 e até hoje, a cada internação em consequência, serve para unir os seguidores.

A avaliação do risco político de uma prisão de Bolsonaro é feita entre os petistas e lembra o que aconteceu quando o então presidente Lula viu-se envolvido no escândalo do mensalão, em 2005, depois da denúncia de Roberto Jefferson de que o governo petista pagava a deputados e senadores para ter apoio no Congresso. A popularidade do presidente foi lá embaixo, e ele chegou a propor, por meio de emissários como o então ministro todo-poderoso Antonio Palocci, que, em troca da promessa de não se candidatar à reeleição, o PSDB desistisse de abrir processo de impeachment contra ele.

Os tucanos chegaram à conclusão de que não valia a pena promover o impeachment de Lula, pois politicamente ele estava derrotado. O ex-presidente Fernando Henrique argumentava que, impedindo Lula, os tucanos estariam criando um “Getúlio vivo”, referindo-se à revolta popular que o suicídio do presidente Getúlio Vargas provocou.

Os tucanos passaram a discutir qual deles seria o próximo presidente — Fernando Henrique, José Serra, Aécio Neves, Geraldo Alckmin. O final, conhecemos. Lula venceu a reeleição e ainda elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff. Anos mais tarde, com o escândalo do petrolão, Lula foi preso, saindo da prisão quase um ano depois para se eleger novamente presidente da República.

A ebulição da política brasileira está longe do fim, e cada decisão do governo Lula terá consequências adiante. Fica cada dia mais claro que há resistência militar ao governo legitimamente eleito, mesmo que não seja majoritária a ponto de sustentar um golpe.

A minuta para decretação de estado de defesa e intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) demonstra que tudo estava preparado para uma ação com ares legais para anular a eleição de Lula e manter Bolsonaro no poder. Não houve adesão de peso para dar esse passo fatídico, mas isso não quer dizer que não existam bolhas reacionárias por toda a organização do Estado brasileiro. Os próximos meses serão fundamentais para consolidar a posição do novo governo, mas, ao que tudo indica, Bolsonaro não desistirá de recuperar o apoio perdido pelo radicalismo para voltar ao poder, mesmo que seja disputando a eleição de 2026. (O Globo – 17/01/2023)

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