Cristovam Buarque: Analfabetos, vocês existem e são valiosos

É preciso ensinar a ler cada um dos analfabetos adultos, como se fossem vítimas da tortura de viver sem saber ler.

Os discursos de posse dos novos ministros mostraram uma mudança nunca antes vista na política nacional. Em todas áreas, mostram que viramos uma página. Saímos do obscurantismo para o respeito à ciência, da insensibilidade social para o compromisso com os pobres, do descuido com o meio ambiente para a defesa da natureza, dos sonhos autoritários à participação democrática, da anti-cultura ao prestígio dos artistas, do desprezo à educação ao educacionismo explícito, do isolamento internacional à presença no mundo.

Cada um e cada uma dos ministros e ministras, sem exceção demonstraram uma visão de mundo diferente do atraso que prevaleceu nos últimos quatro anos. Com o Ministro Silvio Almeida ficou claro que os direitos humanos voltaram a ser preocupação nacional: saímos do esquecimento para a valorização de cada grupo “minoritário”.

No seu discurso de posse, o ministro citou cada grupo social que existe e precisa ser atendido com os respectivos direitos humanos que lhes são privados.

Talvez sem perceber, ao citar cada um deles, esqueceu o grupo que, de tão excluído, nem é considerado privado de direito humano. Brasil esquece que os mais de milhões de seus adultos analfabetos são privados do direito humano fundamental de saber ler seu idioma. Falamos “tortura nunca mais”, como se cada um destes dez milhões não fosse torturado cada minuto em que está acordado: não é capaz de ler o nome do filho, escrever uma carta à mãe, saber qual remédio está tomando ou dando a uma parente, nem mesmo se a bandeira em frente é do seu país. O analfabetismo não é visto como um chicote açoitando permanentemente dentro do cérebro de quem não pode se orientar porque não sabe ler. O analfabeto é um escravo que desde 1988 foi solto, mas até hoje não foi liberto, tem o direito de andar, mas não de se orientar no caminho.

Esta é uma das causas da permanência do analfabetismo, 130 anos depois da proclamação da república: além do abandono da educação das crianças para manter cavada a “última trincheira da escravidão”, o analfabetismo de adultos não é tratado como uma questão de direitos humanos. Considera-se fazer leis necessárias para cuidar das mulheres, dos negros, dos povos originários, dos LGBTQIA+, dos presos, mas não dos analfabetos. O ministro Silvio Almeida tem todas qualidades para tratar o analfabetismo como negação de direito humano fundamental, porque os analfabetos existem e são valiosos.

O Brasil precisa entender que tratar o assunto do analfabetismo como questão apenas de educação, é como considerar a tortura como questão apenas da saúde do torturado. É preciso cuidar dos ferimentos das vítimas da tortura, mas também termos leis que eliminem tortura no futuro. Da mesma forma, é preciso ensinar a ler cada um dos analfabetos adultos, como se fossem vítimas da tortura de viver sem saber ler, e também garantir que todas crianças aprendam a ler na idade certa, porque este é um direito humano fundamental. (Blog do Noblat/ Metrópoles – 08/01/2023)

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

Leia também

Surpresa esperançosa

A realização de um Enem para os professores é boa ideia.

Brasil fica mais perto da nova Rota da Seda

Os chineses tentam atrair a adesão do Brasil ao programa há anos. Até agora, os governos brasileiros resistiram, por razões econômicas e geopolíticas.

Plano era matar Lula, Alckmin e Moraes

As evidências colhidas por STF e PF apontam que o segundo documento-chave do plano, intitulado “Punhal Verde Amarelo”, foi elaborado pelo general Mario Fernandes.

Lula ri por último na reunião do G20

O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate às desigualdades.

Trump joga Lula nos braços de Xi Jinping

Vitória do republicano nas eleições americanas aproxima o petista...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!