José Álvaro Moisés: STF dá fôlego curto a Lula e não anula desejo de autonomia do Congresso

Decisão do STF sobre orçamento secreto traz três significados importantes com diferentes consequências para o governo federal

A decisão do STF declarando inconstitucional a emenda de relator, chamada orçamento secreto, tem pelo menos três significados importantes com diferentes consequências para o governo que está chegando ao poder.

O primeiro, essencial para a qualidade da democracia, se refere ao que a literatura da ciência política designa como accountability social, um mecanismo de fiscalização e controle de funcionamento dos regimes democráticos e republicanos que está além das instituições.

Nesse caso, não se trata apenas do controle de ações do Legislativo pelo Poder Judiciário, algo muito importante, mas do fato de que o abuso que desde 2020 vinha sendo perpetrado pelo Congresso Nacional, com anuência do presidente da República, foi denunciado pelo Estadão, um órgão da sociedade civil, mostrando a quebra dos princípios de legalidade, moralidade, transparência, impessoalidade, publicidade e eficiência.

A denúncia sinalizou como a mídia é fundamental na democracia, e mostrou como é inapropriada qualquer tentativa de controle dos meios de comunicação, às vezes defendida pelo PT.

O segundo deriva da mudança de humor do deputado Arthur Lira, que sinalizara ao presidente eleito, Lula da Silva, a possibilidade de apoio à PEC da Transição se apoio tiver à sua reeleição para a presidência da Câmara. Lira estranhou a mudança repentina de posição de Ricardo Lewandowski sobre o orçamento secreto e respondeu com a sua mudança repentina quanto à votação da PEC de interesse do novo governo, confirmando a natureza da relação que o Centrão mantém com qualquer governo.

Coalizão, alheia ao programa de governo, ocorre se houver a captura de espaços de poder, e a questão é se isso compromete os objetivos de governo. O presidente tem de se haver com isso e decidir até onde quer ir.

O terceiro significado é menos prosaico. A emenda de relator, embora por linhas tortas, é parte de um movimento do Legislativo de conquistar poder de decisão sobre o orçamento no contexto do chamado presidencialismo de coalizão. Os parlamentares não querem apenas autorizar o Executivo a agir, querem influir nos rumos do gasto público. Tivesse transparência e critérios públicos de decisão, a iniciativa poderia melhorar a qualidade da democracia, com maior equilíbrio entre as funções do presidente e dos parlamentares quanto aos gastos públicos. Tudo começou com o chamado orçamento impositivo, mas ganhou um rumo antirepublicano nos últimos anos sob Bolsonaro. O STF tentou corrigir o movimento, deu algum fôlego a Lula, mas ele não vai amortecer nos próximos anos, vai ter novos desdobramentos. (O Estado de S. Paulo – 21/12/2022)

José Álvaro Moisés é cientista político e professor da USP

Leia também

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Reforma tributária será novo eixo da disputa política

NAS ENTRELINHASSe a desigualdade é grande e a riqueza...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!