Carlos Andreazza: A PEC do Orçamento Secreto

PEC da Transição embute gambiarra que dribla o Supremo e abre espaço para a atividade do orçamento secreto

O relator da PEC da Transição, Elmar Nascimento, senhor da Codevasf, levantou em seu parecer puxadinho para que o orçamento secreto mantenha espaço. O truque se assenta na conversa fiada de partilha do bicho. Apregoou-se que aqueles quase R$ 20 bilhões designados às emendas do relator – e que estavam no vácuo para avanço dos oportunistas – seriam igualmente divididos entre parlamentares e Executivo.

Né? Foi isso o propagado.

A leitura do texto mostra que não será bem assim. Que o Congresso leva a sua bolada, expandida – e que ainda poderá formalmente se espalhar sobre a do governo, com pinta de ser fachada.

Atenção ao rachuncho, que atende ao Supremo debochando do Supremo. A jogada é engenhosa porque transfere a lógica operacional da emenda do relator, proibida pela Corte, para o montante que cabe ao governo. Cabe ao governo, donde esvaziada a emenda do relator, em atendimento ao STF; mas – driblando o STF – sob designação de destino pelo relator-geral do Orçamento.

É, portanto, o mesmo mecanismo do orçamento secreto.

Migra-se o abrigo dos dinheiros de RP9 para RP2, do Congresso para o Executivo, mantida, porém, a relação não impositiva – base para uma nova sociedade entre governo e consórcio parlamentar, como havia com Bolsonaro – segundo a qual o relator indica, exercendo poder e armando biombo para apadrinhamentos desconhecidos, e o Planalto pode ou não liberar a grana.

Em resumo: parlamentares continuarão, com aval do governo, a patrocinar destinações orçamentárias sem ser identificados, sob a assinatura do relator-geral; os donos do Congresso manterão poder autoritário sobre as distribuições; e o Executivo guardará meios de soltar os recursos conforme seus interesses. Vencidos – mais uma vez – os princípios constitucionais da transparência, da impessoalidade e da eficiência no gasto público.

Dou vez ao cínico para que diga que se terá progredido no combate ao orçamento secreto, cujo volume teria diminuído pela metade. Dos R$ 19,4 previstos originalmente, ora, ficaram – apenas – R$ 9,7 bilhões. Talvez mesmo um sinal de que esse regime de emagrecimento apontaria para o fim do vício na LDO de 2024. O cínico precisa do crente.

Claro que o deputado Elmar, aliado de Arthur Lira na gestão do Orçamento da União, não erigiu a gambiarra – negociada da noite para o dia e embutida, numa emenda à Constituição, sem qualquer debate – senão em acordo com a equipe de Lula.

Não sei se o acordo, afinal, será bom para o novo governo. É verdade que leva os bilhões para muito além do necessário ao custeio do Bolsa Família. No entanto, a redução dos efeitos da PEC para somente um ano, em vez dos dois pedidos, exigirá que o presidente logo tenha de negociar, nessas bases famintas, por 2024; enquanto o Parlamento sai da rodada, para além do arranjo pela reinvenção do orçamento secreto, com poderoso aumento nas chamadas emendas individuais, impositivas. E daí para frente, para cima… Mordida vem para ficar.

O troço é espantoso.

Da cota R$ de cerca de R$ 12 milhões por deputado, sobe-se a pouco mais de R$ 32 milhões. E cada senador terá R$ 59 milhões – contra anteriores R$ 39 milhões. Cinquenta e nove milhões de reais! Está ou não reeleito Rodrigo Pacheco, o estadista?

A turma aprovará, tudo o mais constante, a PEC da Transição – com alcance para somente 2023. Junto, coerentemente camuflada, formalizará também a PEC do Orçamento Secreto. (O Globo – 21/12/2022)

Carlos Andreazza, jornalista, colunista do GLOBO e apresentador da rádio CBN

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