Cristovam Buarque: A cultura importa

Após eleição, investidores e consumidores ficam na expectativa de como eleito vai conduzir economia

Poucos lembram da importância que tem a cultura no progresso em qualquer país, em qualquer momento, especialmente no Brasil, nos próximos anos. A primazia da renda e dos preços no dia a dia de cada pessoa e no futuro do país coloca a economia como o setor de maior preocupação na formação e nos rumos do próximo governo.

Depois dos turnos eleitorais para escolher o presidente, investidores e consumidores ficam na expectativa de como o eleito vai conduzir a economia. Poucos se preocupam com os rumos a serem adotados pelo Ministério da Cultura e com quem vai ocupar a pasta.

Entre esses poucos, a preocupação mais comum é em saber quem vai cuidar dos órgãos de promoção e financiamento das atividades artísticas. Quase todos esquecem que vai caber a esse ministério coordenar a grande luta pela recuperação da mente brasileira, comprometida nos últimos quatro anos pela visão obscurantista, preconceituosa, censora, promovida pelo ainda presidente e seus asseclas mentais.

Depende da cultura vencer o próximo turno para eleger uma mente brasileira capaz de sair das visões preconceituosas contra nordestinos, homossexuais, mulheres, pobres, negros, para um sentimento de unidade nacional com respeito à diversidade. É preciso deixar o obscurantismo e as mentiras do mito e assumir o compromisso com a verdade e a ciência.

É preciso uma mente que sinta indignação diante da desigualdade e tenha compromisso com a superação da pobreza e do analfabetismo. É preciso superarmos o ódio pela política e desenvolvermos o gosto pelo debate entre opiniões e preferências; buscarmos um Brasil não apenas mais rico para todos de hoje, mas também melhor e mais belo para as futuras gerações.

Para isso, a cultura deverá superar a criminalização do mundo artístico que o discurso bolsonarista promoveu. E também acabar com a censura, explícita ou implícita, exercida contra as linhas de pensamento que não afinam com os credos oficiais do governante e seus auxiliares obscurantistas; sobretudo, retomar o gosto pelo diálogo entre os que pensam diferentemente e promover o debate livre para mergulhar na alma brasileira e captar os sonhos de utopia que ela mantém para o futuro, no momento de perplexidade, desencanto e frustrações.

Todos sabem que o bolsonarismo foi responsável pela morte precoce de centenas de milhares de pessoas, vitimadas pela covid-19. Precisamos despertar para outro genocídio, cometido sobre a mente do Brasil. A educação de base será a vacina fundamental para superarmos esse “mentecídio” do desencanto obscurantista. Mas são as artes plásticas, a literatura, a fotografia, o cinema, teatro, museus, festivais que reencantarão o Brasil: promovendo o entendimento e retomando os sonhos coletivos do povo. São os ensaios científicos que explicam a realidade, mas é arte que forma a maneira como o povo sente o mundo.

A poesia de João Cabral com a música de Chico Buarque, o romance de Graciliano Ramos, os filmes de Glauber Rocha despertam o sentimento de injustiça social, cuja lógica dos textos de Josué de Castro e Celso Furtado explicam. As fotografias de Sebastião Salgado abrem mais nossos olhos do que os livros sobre a Amazônia. Mas é, sobretudo, a disseminação das ideias que as artes promovem, criando um sentimento coletivo de como um povo percebe sua realidade, seu passado, seu destino. Os textos acadêmicos explicam para quem os lê, e a cultura aglutina as ideias de pessoas no sentimento do povo.

Nos próximos anos, os técnicos serão fundamentais para recuperarmos nossas finanças, evitarmos inflação, promovermos crescimento, emprego, renda, mas serão os artistas que nos encantarão, promovendo a beleza e os valores para um Brasil melhor e mais belo. A economia é a base material, mas só a cultura permitirá imaginar e desejar o Brasil de todos e para todos, formular sonhos utópicos, respeitar o papel da ciência e da beleza, o gosto pela verdade e pela tolerância, o repúdio aos preconceitos.

A economia e as finanças são fundamentais para caminharmos no presente, mas é a cultura que assegura sustentabilidade ao tecido social e justifica o destino para onde caminharmos juntos. Como disse o poeta, “sonhos sonhados juntos viram realidade”. (Correio Braziliense – 13/12/2022)

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)

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