Celso Rocha de Barros: Bolsonaro precisa mesmo de uma anistia porque seus crimes são indiscutíveis

Em uma República funcional, atual presidente teria caído e estaria cumprindo pena

No Qatar há exemplos extremos de imoralidade e perversão autoritária, de atraso cultural e riqueza inexplicável concentrada nas mãos das piores famílias. Diante das críticas da comunidade internacional, as autoridades do país já teriam começado a se defender dizendo que, sim, tudo isso é verdade, mas Eduardo Bolsonaro só vai ficar lá até a Copa acabar.

Enquanto o deputado assistia aos jogos com toda mordomia, um bando de palhaços manifestava-se diante de quartéis e rodovias pedindo um golpe de Estado.

Ao saberem das férias do Bananinha das Arábias, alguns dos manifestantes tiveram lapsos de lucidez e questionaram se seu movimento, afinal, era mesmo sério. Afinal, nenhuma liderança revolucionária até hoje tirou férias para assistir à Copa durante a revolução.

Considerado como uma tentativa de salvar a civilização ocidental, a moral cristã e a pátria brasileira, o movimento golpista é obviamente uma piada, e, sinceramente, meu filho, quantos anos você tem?

Por outro lado, como arma para que Bolsonaro, seus filhos e cúmplices pressionem as instituições por uma anistia, o movimento golpista é seríssimo.

Bolsonaro precisa mesmo de uma anistia, porque está preste a perder o foro privilegiado e seus crimes são indiscutíveis.

Nos últimos anos, escrevi várias vezes sobre as projeções que indicavam números imensos de mortes na pandemia que não teriam acontecido se Jair Bolsonaro tivesse aceitado as ofertas de vacina que vieram sem suborno.

Se o maior assassinato em massa da história brasileira não for suficiente para colocar Bolsonaro e seus cúmplices na cadeia, ainda restam os ataques diários à democracia, da tentativa de golpe do 7 de Setembro de 2021 até o incentivo às atuais manifestações golpistas, passando pelo Golpolão do PL.

Finalmente, essa semana Bolsonaro deixou claro que o orçamento secreto era compra de votos: ao cancelar os repasses após o acordo entre Lula e Arthur Lira, Jair mostrou que a falcatrua sempre funcionou em troca de apoio a seu governo.

Em uma República funcional, Bolsonaro já teria caído e já estaria cumprindo pena na companhia de seus filhos e cúmplices.

Não tenho, entretanto, nenhuma expectativa de que isso aconteça nos próximos anos em nada parecido com a dimensão necessária. Duvido que seja possível punir os militares golpistas, por exemplo. Os culpados no meio empresarial e político ainda têm aliados poderosos.

Sobra o baixo clero olavista e osmarterrista, que inclui o próprio Bolsonaro e seus filhos. Não por acaso, são os mais desesperados por um movimento golpista forte. Na hora H, pretendem trocar os golpistas por uma anistia e voltarem a assistir o jogo.

Não devemos anistiá-los. Puni-los aumentará a probabilidade de que os próximos governantes comprarão vacina durante epidemias e respeitarão a democracia. A tradição brasileira, entretanto, sugere que o risco de anistia é real.

Se acontecer, espero ainda não estar vivo para ver o que os fascistas farão na próxima vez. Afinal, se não tivessem sido anistiados pelas mortes dos cerca de 500 mortos da ditadura, o medo da cadeia os teria impedido de matar as centenas de milhares da pandemia. Talvez tenham curiosidade de saber até onde dá para subir esse número sem serem presos. (Folha de S. Paulo – 05/12/2022)

Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

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