A ‘insurreição’ bolsonarista é só parte da oposição que aguarda o novo presidente
Lula é um populista clássico dono de um partido no qual manda e desmanda. Bolsonaro é um populista “moderno” cuja atuação política como líder de oposição vai depender do que foi muito útil em campanhas eleitorais – redes sociais – e inútil como instrumento para governar.
Ambos compartilham uma noção hipertrofiada do que seja a própria capacidade de “tomar as ruas”. Basta lembrar que o PT insistiu na convocação de contra manifestações em 2016, e perdeu. Quanto a Bolsonaro, parece claro que o silencio de 48 horas após o resultado de domingo escondia uma esperança: o de uma espécie de “insurreição” popular contra a vitória de Lula.
Sim, é muito forte para ser ignorado o flerte de forças da ordem (como a PRF) com a desordem, o que já acontecera no movimento dos caminhoneiros em 2018. Mas protestos desse tipo, espontâneos ou não, tendem a se esvaziar rapidamente pois carecem de sentido e direção.
Eles dão, porém, uma ideia da virulência da oposição que Lula enfrentará, e que nem de longe existia quando assumiu pela primeira vez. O novo governo terá as dificuldades de praxe com um Congresso no qual maiorias existem apenas no papel, e com o qual terá de dividir o poder também de forma inédita. Contudo, dispõe das ferramentas para sobreviver.
A oposição extra parlamentar é que deveria ser bem mais preocupante do ponto de vista de Lula. O bolsonarismo é apenas uma expressão dessa ampla e profunda oposição, e talvez nem a mais decisiva. Ao contrário do que discursa Lula, saíram dois brasis das urnas. Lula beneficiou-se em grande parte da rejeição de Bolsonaro. Ganhou sobretudo pelos defeitos de seu adversário, mas não por oferecer uma visão de mundo que convencesse a maioria do eleitorado.
Bolsonaro deixou claro que pretende ser o líder desse grande espectro bem evidenciado pelas eleições proporcionais. É muito difícil que o consiga. Supondo que ele saiba quais serão seus passos quando acordar desempregado em janeiro vai precisar da estrutura partidária à qual pertence formalmente mas que tem outro dono, com interesses próprios (que o levarão a se acomodar com Lula). E de uma estratégia, coisa que nunca teve.
Para Lula, é um quadro que oferece pouco conforto. Está bem consolidado o fenômeno que explica boa parte da vitória de Bolsonaro em 2018 e seus 58 milhões de votos em 2022. Uma imensa parte do Brasil quer mudar o que está aí, tem pouca confiança nas instituições das mais variadas (como Judiciário ou imprensa, por exemplo), despreza partidos e o sistema eleitoral e não está disposta a conceder a Lula o benefício da dúvida. (O Estado de S. Paulo – 03/11/2022)
William Waack, jornalista e apresentador do programa WW, da CNN