Marcus André Melo: O que explica o tamanho dos ministérios no Brasil?

Só acordos programáticos e instituições de controle fortes impedirão que governos de coalização degenerem em predação

“Não se assuste, é o governo que cai.” “Mas eu ouço aclamações…” “Então é o governo que sobe. Não se assuste. Amanhã é dia de cumprimentá-lo!”

A imprensa tem noticiado a criação de dez novas pastas ministeriais, um aumento de 40%, número que será provavelmente ampliado. Sim, os partidos da base potencial do governo “querem um carinho”, como afirmou um senador do PT. A expectativa é que a distribuição das pastas irá reger-se pela realpolitik de governos de coalizão. Ou, pelo menos, deveria: dela dependerá a governabilidade futura.

Governos de coalizão são encontrados em 80% dos sistemas parlamentaristas e em mais da metade dos presidencialistas e semipresidencialistas; são a regra mais que exceção, ainda que para alguns analistas pareça uma patologia institucional. E ela implica em partilha de poder —o que na prática se manifesta na distribuição do portfólio ministerial e de postos de comando nas estatais.

Mas o horror às coalizões não denota apenas desconhecimento. Entre nós, ela tem ancoragem real no atávico governismo, pintado com escárnio por Machado de Assis em “Esaú e Jacó”, de onde retiro o diálogo citado, e na sua associação com a corrupção e a captura de rendas.

Nos governos anteriores do PT, o número de ministérios era disparado o maior da América Latina e mais que o dobro da média europeia, atingindo 39 sob Dilma. Veja aqui. Na Europa, no período 1944 a 2005, metade dos gabinetes tinha menos de 17 pastas ministeriais, como mostraram I. H. Indridason e Shaun Bowler. Para esses pesquisadores, o tamanho dos gabinetes é função da intensidade dos conflitos no interior dos partidos e entre eles.

Em países onde o conflito —não só partidário, mas também tribal— é intenso e o império da lei, débil, o gabinete converte-se em ruidosa assembleia: são 71 ministérios em Uganda, 54 na Nigéria etc. Leonardo Arriola (UC-Berkeley) argumenta que, nesses casos, os ministérios hiperdimensionados evitam a escalada violenta de conflitos: o preço da governabilidade é assim a partilha predatória da máquina pública.

Em nosso país, as instituições reagiram recentemente a arranjos similares, o que engendrou uma reação insidiosa do sistema cujos desdobramentos ainda não estão claros. Sinal amarelo. Na Europa, os acordos de coalizão são contratualizados em bases programáticas, como discuti aqui. Entre nós, a construção de maiorias governativas é processo opaco e de baixa inteligibilidade para a sociedade. O resultado é o cinismo cívico. E mais: se ela exige a incorporação de mais da metade da oposição, a responsabilização política —a premiação e punição pelo desempenho de agentes públicos eleitos— evanesce. (Folha de S. Paulo – 28/11/2022)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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