Merval Pereira: Mais do mesmo?

O presidente Bolsonaro achou que repetindo o que deu certo em 2018 estaria reeleito em 2022, esquecendo que, entre as duas eleições, ele governou o país revelando o que realmente sempre foi: uma pessoa irresponsável, sem empatia, misógina, incompetente, que não teve sucesso em suas promessas liberais na economia ou no combate à corrupção porque não eram verdadeiras.

Assim como a adesão de Henrique Meirelles impactou setores que temem a volta do ex-presidente Lula, a permanência de Paulo Guedes à frente da economia ainda é uma âncora para a tentativa de reeleição de Bolsonaro. Mesmo que, durante seu mandato, a atuação do Posto Ipiranga tenha ficado abaixo das expectativas. Bolsonaro enganou a todos.

Uns porque achavam que as barbaridades que disse na campanha seriam contidas quando eleito. Falou-se até que os militares em postos-chave no Palácio do Planalto o conteriam em seus arroubos. Mas, como uma vez me disse o general Villas Bôas, Bolsonaro mostrou-se “incontrolável”, e os militares é que foram ou expelidos, ou domesticados por ele.

Outros estavam certos de que, como ele fazia questão de ressaltar, não entendia nada de economia e deixaria Paulo Guedes livre para comandá-la. Nada disso aconteceu. Guedes teve de engolir muitos sapos, aceitar diversas interferências de Bolsonaro, como a isenção dos militares da reforma da Previdência ou os buracos no teto de gastos com fins eleitorais. Diante de todos os reveses que sofreu, a resiliência de Paulo Guedes na defesa da reeleição de Bolsonaro ainda dá ânimo a parte dos apoiadores originais, na esperança de que seja possível fazer num segundo mandato o que não foi feito no primeiro.

Guedes mostrou-se um bolsonarista arraigado, a ponto de ser cogitado para aparecer no programa eleitoral do presidente para convencer os cidadãos do que defende em vários encontros com representantes do mercado financeiro: o Brasil está se recuperando melhor que os países europeus e os Estados Unidos, não existem 33 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza no Brasil. Nem mesmo existe fome, como garante Bolsonaro.

O incumbente candidato à reeleição mostrou-se durante este primeiro (e provavelmente único) mandato também incontrolável no que toca a pronunciamentos extravagantes, indecorosos, que, se já chocavam quando era deputado federal do baixo clero, hoje, na boca do presidente da República, envergonham o país e o expõem a vexames internacionais, como agora em Londres, quando fez um discurso político na sacada da residência do embaixador brasileiro, ou em Nova York, onde subiu numa mesa de churrascaria para fazer um discurso eleitoral.

Diz-se do linguajar de Bolsonaro que é de “conversa de churrascaria”, e ele confirmou isso repetindo que é “imbrochável”. Toda a viagem ao exterior do presidente Bolsonaro, aliás, foi programada para fazer imagens para a campanha eleitoral. Não tem sentido não aproveitar o privilégio de abrir a conferência da ONU e, em vez disso, falar de Lula e elencar vantagens que considera ter sobre seu adversário político. É uma perda de tempo e de dinheiro público.

Um estadista fala na ONU sobre política internacional, se posiciona sobre assuntos como a guerra na Ucrânia, que está em debate no momento, ou meio ambiente. São temas constrangedores para Bolsonaro, pois as posições do país adotadas por sua orientação são contrárias ao que a maioria do mundo ocidental pretende — ele apoia a invasão da Ucrânia e não colabora para a solução do problema climático.

Bolsonaro atingiu povos indígenas, com seus decretos e a permissividade com invasores e garimpeiros ilegais, assunto delicado na ONU e no mundo em geral. Tentou tapar o sol com a peneira em seu discurso, mas todos os que têm acesso a informações de satélites e medições sabem que a Amazônia foi devastada por causa da leniência proposital do governo, que acha melhor derrubar árvores e fazer mineração em terras indígenas. De qualquer maneira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já proibiu imagens de Londres e deve proibir também as da ONU em que apareça fazendo proselitismo político.

Uma frase famosa atribuída ao físico Albert Einstein diz:

—É insanidade fazer sempre a mesma coisa e esperar resultado diferente.

Com Bolsonaro, aconteceu outra coisa: fez as mesmas coisas querendo ter o mesmo resultado. Mas esqueceu que o mundo mudou, especialmente devido à pandemia, e o ambiente enlouquecido que presidiu a última eleição, embora ainda exista em setores radicalizados, já não é majoritário entre os eleitores. (O Globo – 22/09/2022)

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