A propósito das eleições

O Campo Democrático tem que permanecer unido em torno de Simone, que representa a aliança que sempre nos livrou do populismo (Foto: Divulgação)

Com o claro objetivo de torpedear o processo democrático, tentando ganhar as eleições presidenciais por intermédio de um propalado voto útil, atropelando as legítimas candidaturas de Simone Tebet e Ciro Gomes, o lulopetismo pode estar dando um tiro no próprio pé. De um lado, é possível que não vença logo no primeiro turno, os eleitores do Campo Democrático representado por Simone Tebet e Ciro Gomes se recusando a fornecer um cheque em branco a Lula e ao PT. Pior: isso poderia criar dificuldades imensas para eventuais alianças no segundo turno. Explico: se os votos dos eleitores do Campo Democrático são tão inúteis assim (isto é, só servem para eleger o lulopetismo desde já e ponto final), esses eleitores poderão perfeitamente se abster no segundo turno. E sem esses votos o PT poderá até perder as eleições no segundo turno, sempre uma nova eleição como sabemos. Devagar com a louça, então.

O exemplo recente da Itália nos faz pensar: a taxa de comparecimento eleitoral foi da ordem de 64%. É pouco, muito pouco. Revela uma terrível desilusão com a política, com as formas atuais de representação, que não se renovaram. O recuo do Mani Puliti (ou Mãos Limpas, o movimento de luta contra a corrupção, equivalente à Lava Jato brasileira), os conchavos impetrados à esquerda e à direita desqualificando o jogo democrático são dados da realidade.

O tabuleiro político foi embaralhado de tal maneira que tendências fascistas se saíram vitoriosas desta feita. O oportunismo demonstrou ter limites. E o que se revela mais preocupante, talvez: a Itália deu as cartas em matéria de política institucional ao longo de mais de um século. Ou seja, o fascismo nasceu lá, o centrismo surgiu por lá, o eurocomunismo, coisa que podemos dizer do pós-comunismo também. Pode ser que essa tendência ao fascismo e neofascismo se reforce ainda mais.

De volta à nossa realidade: o PT está longe de representar a Democracia entre nós. Fez, ultimamente, a campanha do medo o tempo todo, como o candidato Bolsonaro também fez. Os lulistas querem se apresentar como um biombo contra ditaduras ou aventuras autoritárias. No entanto, Lula e os petistas se recusaram a comparecer ao Colégio Eleitoral em 1984, para apoiar o candidato da oposição ao regime militar Tancredo Neves. Havia então no Brasil uma ditadura real, uma ditadura militar de fato. Inclusive, é sempre importante recordar que o PCB, da clandestinidade, por meio do jornal Voz Operária, no final de 1974, divulgou a palavra de ordem Fechando o cerco, que propunha, justamente, que a oposição atuasse no Colégio Eleitoral para derrotar a ditadura. A História daria razão aos estrategistas do PCB, aliados aos democratas do MDB.

O nome disso é visão política. O autor do editorial da Voz foi o dirigente comunista Orlando Bonfim, assassinado em 1975 pela ditadura. O mesmo Orlando Bonfim que participou, em 1943, da elaboração do Manifesto aos Mineiros, contra a ditadura do Estado Novo. Coerência é o que não lhe faltava.

Prosseguindo. Curiosamente, o PT, que dizia fazer uma oposição para lá de radical ao regime militar, obteve sua legalidade política sob esse mesmo regime, enquanto o PCB, o PSB e o PC do B permaneciam ilegais. A direção central do PCB, com Giocondo Dias à frente, chegou a ser toda presa, em 1982.

Pior: o PT viraria as costas à Constituição Cidadã de 1988, desdenhando a luta de milhares de democratas, muitos deles torturados e mortos. Seus parlamentares se retiraram, em fila indiana, do Congresso Nacional, em sinal de protesto. Mais: boicotaram o Plano Real de Itamar Franco, o único projeto de transferência de renda para o bolso do trabalhador ao longo da redemocratização. Afinal, ao dar um tiro de morte na inflação, o Plano Real paralisava a transferência brutal de salário para o capital. Além disso, o Governo Itamar, o mais progressista que o Brasil já teve, foi alvo de todo tipo de campanha por parte do PT, um partido que se especializou em pedir o impeachment de quase todos os presidentes da redemocratização para cá. Curiosamente, uma vez mais, Lula só não pediu o impeachment de… Jair Bolsonaro.

Por todos esses motivos, o Campo Democrático tem que permanecer unido em torno de Simone Tebet, que representa a continuidade da aliança que, historicamente, sempre nos livrou do populismo – esse fascismo que muitas vezes não ousa dizer o nome na América Latina, representado por Perón, Maduro, Daniel Ortega e afins – e das tentações autoritárias, do Estado Novo de Getúlio à ditadura dos generais. Mais: temos a oportunidade de construir novamente um projeto de Nação, como nos governos JK, Jango e Itamar, voltado para as chamadas reformas de base, reformas estruturantes, atualizadas, evidentemente. Retomar o fio da meada está na ordem do dia.

Ivan Alves Filho, historiador, documentarista e jornalista, autor de 20 livros em que se destacam Memorial dos Palmares, História Pré-Colonial do Brasil, Brasil, 500 anos em documentos, Velho Chico mineiro, O historiador e o tapeceiro, O caminho do alferes Tiradentes e A saída pela Democracia

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