O presidente Jair Bolsonaro parece ter feito um estoque ilimitado de caixas de fósforo para riscar de forma indiscriminada até as eleições. Isso não costuma resultar em nada produtivo, como se viu há um ano, no 7 de Setembro.
Não basta ao presidente da República ofender, com adjetivos a cada dia mais pesados, os signatários da nova Carta aos Brasileiros e do manifesto das entidades patronais e de trabalhadores, ambos em defesa da democracia.
Na lógica de fomentar o caos, Bolsonaro achou por bem antecipar sua participação no ciclo de sabatinas da Fiesp, não por acaso a idealizadora do manifesto, para 11 de agosto, dia do ato da leitura dos dois documentos na Faculdade de Direito da USP.
O caldo de cultura para a primeira confusão está fermentando. Organizadores do ato em prol da democracia temem o encontro com apoiadores do presidente que podem se concentrar na Avenida Paulista, símbolo de manifestações políticas nos últimos anos, ainda que os eventos tenham horários distintos.
Qual a necessidade desse tipo de provocação? É difícil, à luz da lógica que costuma reger as estratégias de uma campanha eleitoral, entender o que Bolsonaro julga ter a ganhar confrontando mais de 660 mil cidadãos brasileiros e algumas das principais organizações do país que pedem apenas respeito ao Estado Democrático de Direito.
Ao reforçar em doses diárias de declarações apopléticas que se considera o alvo único dos dois textos, o presidente assina um atestado de que reconhece ser, aos olhos de amplos segmentos da sociedade civil do país que governa, um iliberal, antidemocrático.
Sim, suas ações de achincalhe aos demais Poderes, ao sistema eletrônico de votações, aos adversários políticos, à imprensa e a qualquer instituição que não lhe preste reverência já o colocam nessa posição. Mas que ele vista essa carapuça de forma tão desesperada causa surpresa mesmo depois de quase quatro anos desse padrão de comportamento no poder.
Se está tornando o 11 de agosto mais um dia de confronto, o que dizer do que o presidente vai construindo para a celebração do Bicentenário da Independência? Deu na veneta de Bolsonaro mudar o desfile do Rio da Avenida Presidente Vargas, onde tradicionalmente ocorre, para a orla de Copacabana — ou “inovar”, como anunciou em plena convenção que lançou o carioca Tarcísio Gomes de Freitas para o governo de São Paulo.
Não combinou com os militares, não avisou o prefeito do Rio, Eduardo Paes, apenas fez o típico aceno para atiçar sua militância, desvirtuando o caráter nacional de uma festa que é de todos os brasileiros.
Como sua característica é ir “aquecendo” a convocação para esses atos de cunho golpista que convoca, e de que participa desde o início de 2020, agora Bolsonaro já associou, em entrevista a uma rádio, diretamente o evento do Rio à contestação das urnas eletrônicas.
Chama “seu exército” para a rua para defender a “transparência” das urnas, enquanto conta com a ambivalência do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, que, depois de jurar lealdade à democracia diante do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, na semana passada, agora já está de volta ao script de chancelar a pressão do presidente sobre a Justiça Eleitoral.
Pressão descabida e desinformada, aliás, uma vez que cobra urgência em obter informações que já estão disponíveis há nove meses.
Tanto o presidente quanto os militares (sim, enquanto for o próprio ministro da Defesa a encabeçar esse roteiro, cabe a generalização) agem para incendiar o paiol às vésperas da eleição.
Nem o recado altivo e inequívoco da sociedade de que não aceita essa brincadeira é suficiente para pará-los. E para isso estão prestes a usurpar duas datas importantes como parte dessa escalada. (O Globo – 03/08/2022)