Cristovam Buarque: Alianças, diálogos, ideias

Na medida em que se aproxima mais uma eleição, vale a pena lembrar projetos que no passado orgulharam Brasília e se espalharam pelo Brasil, graças a alianças, conversas e ideias vindas da população.

O Bolsa-Escola surgiu ainda com o nome “Renda mínima vinculada à educação”, no Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo, da Universidade de Brasília (UnB). A proposta foi apresentada, nos anos 1980, para todo o Brasil. Foi o jornalista Hélio Doyle quem levantou a possibilidade de aplicá-la apenas no Distrito Federal (DF). Havia a objeção de que isso atrairia milhares de famílias. Encontramos solução exigindo que a família beneficiada morasse no DF há pelo menos cinco anos.

No sábado passado, este jornal fez editorial informando que, no Nordeste, há mais pessoas dependendo do Auxílio Brasil do que vivendo de salário graças ao trabalho. A pandemia e os erros da economia contribuem para isso, mas é sobretudo a baixa escolaridade que desloca pessoas do mercado de trabalho para as políticas assistenciais. Por isso, ao criar o Bolsa-Escola, Brasília foi exemplo de como atender necessidade imediata de renda, graças à bolsa, e de transformação social e emancipação pessoal, graças à escola.

Foi o amigo taxista Argemiro quem me perguntou por que não dar Bolsa-Escola a adultos analfabetos, para que eles aprendessem a ler. Consideramos o risco de o analfabeto ficar recebendo o dinheiro sem dizer que aprendeu a ler. Elaboramos a solução de, no lugar de pagar renda mensal, comprar a primeira carta que o aluno escrevesse em sala de aula, provando ter aprendido a ler. Assim, surgiu o Bolsa-Alfa, projeto de grande impacto social e alto valor poético.

Foi conversando com o jornalista Gilberto Dimenstein, falecido em maio do ano passado, que ouvi a ideia de complementar o Bolsa-Escola pagando um valor para o aluno que fosse aprovado. O Bolsa-Escola mantinha a frequência, a complementação incentivaria o estudo. Havia o problema de incentivar o estudo e facilitar a evasão, depois de receber o prêmio. Tivemos a ideia de depositar o dinheiro em caderneta de poupança ao final do ano letivo em que fosse aprovado, para o aluno retirar quando concluísse o ensino médio.

O Bolsa-Escola foi descaracterizado em Bolsa Família e Auxílio Brasil, o Poupança Escola não foi adotado nacionalmente, mas está destacado nos livros de políticas públicas nascidas no DF.

O estímulo ao uso da faixa de pedestre foi sugestão do engenheiro Luiz Miura, então diretor do Detran-DF. Ideia tão ousada que muitos no próprio governo foram contra, com medo de acidentes. A resistência foi vencida ao ser apresentada como programa de educação coletiva ao longo de meses, até criar uma cultura no DF, que serviu de exemplo ao Brasil inteiro. A ação governamental foi mínima diante da ação coletiva da população, resultado do diálogo pedagógico.

O Projeto Saber foi fruto da ideia do então secretário do Trabalho Pedro Celso: formar milhares de jovens e adultos em ofícios, com cursos profissionalizantes. Centenas de milhares de pessoas se fizeram profissionais. Com apoio do programa BRB Trabalho, muitos se tornaram pequenos empresários, no próprio ramo dos ofícios que aprenderam: padeiros, cabeleireiros, cozinheiros.

O Saúde em Casa é exemplo de projeto de máxima eficiência e impacto sobre a população. A ideia foi sugerida pela médica Maria José Maninha, então secretária de Saúde. Ela e sua equipe conseguiram idealizar e implantar um sistema que permitiu atendimento domiciliar a qualquer doente que precisasse.

O programa Agroindústria Familiar foi criado e executado pelo professor João Luiz Homem de Carvalho, então secretário de Agricultura. Graças ao programa, o pequeno produtor conseguia agregar valor ao seu produto agrícola, industrializando-o e dando-lhe feição para ser comercializado nos grandes shoppings. O pequeno era globalizado graças à assessoria do governo.

Na hora em que centenas de pessoas se preparam para disputar cargos eletivos, vale a pena lembrar como o DF teve programas de grande repercussão local, nacional e até mundial, graças à interação e ao diálogo. Cabe lembrar que aquele governo só foi possível por causa da aliança entre sete partidos, unindo inclusive PT e PSDB. Se não fosse o apoio da deputada federal Maria de Lourdes Abadia, do PSDB, o PT não teria elegido o governador em 1994.

Neste 2022, vale a pena que as lideranças lembrem as boas ideias, diálogos inspiradores e as boas alianças. Sem eles, o Brasil e nossa cidade não darão os passos necessários para construirmos o futuro que queremos. (Correio Braziliense – 19/04/2022)

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)

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