William Waack: ‘Bênção’ e ‘maldição’

O Brasil não é parte em qualquer conflito internacional agudo de cunho geopolítico, religioso, étnico ou mesmo comercial. Não ameaçamos nem somos ameaçados por nossos vizinhos. Não temos querelas ou questões graves com ninguém lá fora. É uma “benção” mas também uma “maldição”.

Ao conforto dessa realidade corresponde uma grande dificuldade da sociedade brasileira de se preocupar com problemas de segurança internacional e defesa nacional. Quando surgem no debate político eleitoral, questões de política externa ou defesa são de curtíssimo prazo e de cunho estritamente partidário-ideológico.

O Brasil já foi descrito como uma grande ilha de costas para o mar, dada nossa condição geográfica (em termos geopolíticos) de relativo isolamento. Nas relações internacionais geografia é destino, mas mesmo esse destino manifesto de potência regional com muitos vizinhos parece pouco nos interessar.

Falta ao Brasil qualquer capacidade relevante de projetar poder além de suas fronteiras. Mesmo a defesa de nossos ativos estratégicos (como o pré-sal, por exemplo) depende de projetos (submarino de propulsão nuclear) que se desenvolvem sem sentido de urgência (nem de emergência).

Fala-se com muito ímpeto sobre a defesa da “soberania da Amazônia” mas o que realmente ameaça essa inigualável riqueza não vem de fora. A maior ameaça à Amazônia é nossa própria incapacidade de fazer valer nossas leis e gerir nossas riquezas.

Mesmo o poder de uma potência regional depende de base industrial, expansão da produtividade e da atividade econômica. A indústria brasileira encolheu nas últimas 2 décadas e a produtividade está estagnada há mais tempo ainda. O agronegócio, no qual o Brasil se tornou um campeão mundial, é visto mais pelos outros (como China e Estados Unidos) como fator do jogo global geopolítico do que por nós mesmos.

A guerra na Ucrânia importa tremendamente não só pelas consequências imediatas na bomba de gasolina e no supermercado. O conflito já transformou profundamente o sistema da ordem internacional que o Brasil já teve uma vez pretensões de alterar e resistir ao que lhe pareciam restrições impostas pelas grandes potências (como acesso a tecnologias bélicas, nucleares e de exploração espacial).

O mundo que terminou agora nasceu na queda do Muro de Berlim a 9 de novembro de 1989. A grande manchete dos principais jornais brasileiros (o Estadão foi exceção) no dia seguinte foi “Silvio Santos não é candidato”. Eram as eleições que terminaram com Collor derrotando Lula.

Parabéns a Lula e Silvio, que continuam (cada um na sua) tão ativos. (O Estado de S. Paulo – 10/03/2022)

WILLIAM WAACK, JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN

Leia também

Eles continuam aqui

Cristovam Buarque* Publicado no Correio Braziliense. Militares ainda têm sintonia com...

Lira semeou vento e pode colher tempestade

A primeira reação de Lira e dos líderes à decisão de Flávio Dino de sustar o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas foi promover uma rebelião na Câmara contra o Supremo.

General preso não faz democracia

A democracia tem razões para sentir otimismo com a prisão de um general golpista, mas deve entender que generais presos não fazem tropa democrática.

Turbulência e esperança

Vivemos entre a incompletude radical das soluções locais e a precariedade dos instrumentos multilaterais criados a duras penas.

Nota sobre a História, com uma pitada de conjuntura

Ivan Alves Filho* A situação brasileira é objeto de preocupação...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!