Ainda que modesta, a recuperação de Jair Bolsonaro nas pesquisas encurtou o tempo e diminuiu as chances de alternativas ao atual presidente e a Lula, o favorito para ser o próximo. Ela matou também as chances de Lula vencer já no primeiro turno, o que submeterá o chefão petista a uma dificílima negociação antes do segundo – não para enfrentar Bolsonaro mas, sim, para tentar governar depois.
O “afunilamento” dos candidatos da terceira via está se dando pela percebida dificuldade de qualquer um deles em deslanchar, e não pela demonstração de muita força nas pesquisas. Até aqui esse afunilamento não levou a uma conjugação de esforços dos vários operadores políticos. Que permanecem dizendo haver tempo suficiente para consolidar uma alternativa à polarização.
A aparente falta de pressa desses articuladores se dá pelo raciocínio central deles: formar bancadas é tão ou mais importante do que a construção de uma candidatura presidencial. Claro que são coisas interligadas, pois um candidato competitivo ao Planalto ajuda a puxar votos para deputados federais. Mas dadas as regras de jogo do sistema político e de governo, a formação das bancadas ganhou um peso maior ainda.
No sentido das regras do jogo talvez esse seja o legado mais relevante de Bolsonaro, que entregou importantes ferramentas de poder ao Legislativo. Esse fato ficou evidenciado mais uma vez durante a janela partidária, que se encerra agora, e na qual aproximadamente 10% dos deputados trocaram de legenda. No saldo, os principais vencedores foram partidos associados à grande massa amorfa do Centrão, que estará plenamente confortável com Bolsonaro ou Lula – o que diz muito sobre a política brasileira.
A recuperação de Bolsonaro nas pesquisas não “nacionalizou” as eleições estaduais, que permanecem altamente regionalizadas e influenciam a composição do Legislativo. Ou seja, os favoritismos nos diversos Estados obedecem a fatores “locais”, sem que o candidato na liderança em cada Estado deva essa condição exclusivamente ao apoio dos líderes “nacionais”. Foi esse “regionalismo” que dificultou a formação de federações, com a qual se pretendia reduzir o absurdo número de partidos.
A mencionada recuperação acentuou nas camadas “pensantes” das elites econômicas e políticas, além das intelectuais, um certo conforto, além de resignação, em relação ao favoritismo de Lula. Em parte esse estado de espírito é impulsionado pelo profundo horror às boçalidades bolsonaristas. Em boa parte, porém, é resultado de acomodação, complacência e a convicção de que, no Brasil, as coisas se resolvem por si mesmas. Não se resolvem. (O Estado de S. Paulo – 24/03/2022)