Carlos Andreazza: Loja de conveniência

Emendas parlamentares pagas em 2021: R$ 25,1 bilhões. Dois mil e vinte um: o ano em que a pandemia nos mastigou de cabo a rabo — e a turma mamando e distribuindo tetas de paróquia em paróquia, o ano em que Rodrigo Pacheco envernizou a formalização do orçamento secreto.

Independentemente do alcolumbre da vez, o pacto que une governo Bolsonaro e o consórcio entre Progressistas, de Ciro Nogueira e Arthur Lira, e PL, de Valdemar da Costa Neto, não foi firmado para sutilezas. E todos os pachecos estão — serão — contemplados.

Previsão para 2022: R$ 37 bilhões, aí contidos os intocáveis mais de R$ 16 bilhões em emendas do relator. Valor que já considera os vetos miúdos de Bolsonaro, para pouco além de R$ 3 bilhões, montante que fica bem longe dos cerca de R$ 9 bilhões necessários à recomposição dos gastos obrigatórios que o Congresso, em parceria com o Planalto, propositalmente subestimou.

Foi sancionada, porém, a rubrica — da ordem de R$ 1,7 bilhão — que planta a projeção de reajuste salarial seletivo para as categorias do funcionalismo federal que compõem a base de apoio do bolsonarismo. E agora se especula sobre se parte dos bilhões vetados por Bolsonaro servirá para bancar aumento mais amplo. Alguém duvida? Falei em parte dos bilhões porque é provável que uma fatia da grana sirva à necessidade de se remontar o valor do Fundo Eleitoral àquele originalmente inscrito na LDO: R$ 5,7 bilhões, em vez dos pouco menos de R$ 5 bilhões que um puxadinho acomodara na LOA.

Para onde quer que se olhe, prioridades definidas, a galera sai ganhando. Jair “o Parlamento está muito bem atendido conosco” Bolsonaro já disse: “Hoje em dia estão todos ganhando”.

Um leitor me perguntou por que não escrevo sobre as eleições. Respondo: não faço outra coisa aqui senão falar da pré-campanha desde há muito deflagrada. E hoje de novo; dedicando-me particularmente à cobertura do governo Bolsonaro, sobretudo a partir de suas escolhas econômicas, em sua dimensão única: a de uma máquina dirigida tão somente à busca — irresponsável — do presidente pela reeleição, meta para a qual trabalha incondicionalmente o ministro da Economia.

Não me parece haver “sobre as eleições” mais importante do que a investigação acerca da forma como o governo e seus sócios no Parlamento —com o aval de Paulo Guedes — têm manejado dinheiros públicos e sacrificado a disciplina fiscal em função do objetivo de permanecer no poder. Não haverá algo mais relevante, com maiores impactos sobre o cidadão, do que a execução, ainda a meses das eleições, de um Orçamento, destelhado o teto de gastos, concebido e erguido sobre dois pilares, o corporativista e o eleitoreiro, conforme já expressaram a PEC dos Precatórios e seu tripé do esculacho fiscal, e agora sob a gestão patrimonialista de Ciro Nogueira.

E então, arrombada a porteira, chegamos à PEC dos Combustíveis, cuja pretensão consiste em baixar a inflação no trimestre que antecederá as eleições. Zeram-se os tributos federais, arma-se pressão sobre os governadores e alcança-se, com sorte, queda ínfima dos preços nas bombas. Com sorte porque não se pode descartar a chance de essa margem ser embolsada pela cadeia produtiva, ou mesmo anulada pelo aumento da cotação do barril de petróleo no mercado internacional.

Ninguém quer falar sobre câmbio apreciado; e sobre quanto disso — a verdadeira vilania a descontrolar o custo do combustível no Brasil — será produto do combo instabilidade institucional gerada por Bolsonaro mais incompetência de Guedes e Campos Neto.

Todo esse conjunto eleitoreiro a contratar mais inflação no futuro e a estabelecer o descalabro fiscal como escolha de governo. Depois da farra com as despesas disparada pela PEC dos Precatórios, a zorra com as receitas a partir da PEC dos Combustíveis, erigida sobre uma tal folga na arrecadação promovida pelo imposto inflacionário. O governo à vontade para renunciar a R$ 50 bilhões e ainda jogando mais areia sobre o aterro em que jaz a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mais uma emenda à Constituição que não exigiria contrapartida à perda de receita. Está na moda. É como vamos. Mais uma vez informados de que Guedes — “sem participar das tratativas” — não se opõe ao beiço na arrecadação. Está mesmo contente com a mágica que a inflação fez na mitigação do déficit. E avalia que não dá para “cruzar os braços”. Algo precisa ser feito para que o chefe seja competitivo. A escolha: o rombo nas contas públicas por uma maquiagem inflacionária que role a bomba adiante — mais uma vez — e não atrapalhe Bolsonaro até outubro.

Em sua coluna no portal Metrópoles, Igor Gadelha dá conta de um Guedes desanimado com o processo por meio do qual o governo a que serve o teria vertido de Posto Ipiranga em loja de conveniência. Desanimado, mas ainda fiador do cálculo eleitoreiro segundo o qual a degradação inflacionária será mais deletéria para a popularidade do capitão do que a ruína fiscal. E teremos as duas.

Foi Guedes quem se transformou em loja de conveniência. (O Globo – 25/01/2022)

Leia também

Queda de braço que vale R$ 110 bilhões

NAS ENTRELINHASPacto com o Supremo é negado nos bastidores...

O padrão a ser buscado

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas...

Parados no tempo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!