Donos do dinheiro se contentam com economia ruim e não ligam para o resto
A Bolsa subiu 3,7%. As taxas de juros no atacadão do mercado de dinheiro caíram. No mesmo dia, soube-se que a economia está pelo menos estagnada, quase embicando para a recessão. No Congresso, passou a emenda constitucional que autoriza um calote parcial dos precatórios, uma moratória, na verdade.
No pacote da PEC veio também o certificado de óbito do teto de gastos, aquele que era para durar até 2026, pelo menos. Para ser mais preciso, passou a gambiarra do reajuste do limite das despesas do governo federal.
Sim, claro, há sequelas, que vão durar pelo ano que vem ou 2023, pelo menos. As taxas de juros caíram apenas alguns degraus abaixo da cobertura do arranha-céu para onde haviam se mudado desde setembro, graças também ao desgoverno teratológico de Jair Bolsonaro. A Bolsa está no prejuízo. Outros indicadores das “condições financeiras”, como dizem os economistas, sugerem arrocho no investimento e no consumo.
Sim, claro, essa degringolada geral não se deve apenas à mudança avacalhada e eleitoreira do teto de gastos. A inflação alta e persistente de modo imprevisto, além de em parte importada, contribuiu para degradar o ambiente, além de corroer salários, tirar comida de muita gente e abater o ânimo do consumidor, os remediados que podemos consumir além da subsistência. De quebra, ajudou a lascar o PIB.
Em resumo, os donos do dinheiro ou também administradores da poupança financeira parecem ter ficado aliviados que a gambiarra do teto foi limitada, por ora, ao que já se sabia —temiam que se inventasse uma licença geral para gastar. Quanto ao PIB, à atividade econômica, à produção e à renda, já se dava de barato que não renderia nada.
De resto, no fim e no começo das contas, desempenho econômico não tem a ver necessariamente com o andamento da finança, ainda mais no curto prazo. Mas é bom não se acalmar com as mumunhas do Congresso-centrão. Ainda vem por aí a discussão do Orçamento de 2022.
Está dado que teremos recessão em breve ou em 2022? Nem isso. Mas vai ser difícil crescer até aquele 1,5% ao ano que foi o padrão de 2017, 2018 e 2019, o período de calmaria estagnada, de paz dos cemitérios, entre o final da recessão de 2015-2016 e o 2020 da epidemia —os anos da “Ponte para o Futuro” no despenhadeiro.
Para chegar a essa velocidade de cágado deprimido, 1,5% de crescimento no ano, seria preciso que o PIB crescesse 0,5% neste trimestre final deste 2021 e 0,5% trimestre ante trimestre de 2022 inteiro. Dá? Quem faz estimativa de crescimento econômico em bancão diz que não. Para constar, o PIB do segundo trimestre deste ano caiu 0,4%; do terceiro, 0,1%.
O povo médio dos mercados se contenta ou se resigna com “isso tudo que está aí” na economia; quanto ao mais, mal liga. A destruição da Amazônia continua, cresce, mas parou de causar consternação pública, é “custo afundado” da opção pelo bolsonarismo. A destruição do ministério da Educação e do sistema de pesquisa, ciência, tecnologia e ensino superior público continua, de modo gritante nos últimos dias, vide a situação da Capes. Nem é preciso falar de saúde, diplomacia, relações comerciais ou da transformação de assuntos religiosos em questão de Estado.
Agora, é pensar na “Terceira Via”. Os adeptos, adesistas, cúmplices e colaboracionistas da ruína bolsonarista tentam sair de fininho —provavelmente, vão conseguir. Amanhã, vai ser outro dia, “carpe diem”, a Bolsa pode cair, os juros podem subir, “business as usual”, a depender também dos humores dos dinheiros do centro rico do mundo. Quanto ao resto, agora Inês e muito mais gente é morta. “Bola pra frente”. Né. (Folha de S. Paulo – 03/12/2021)
Vinicius Torres Freire, Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)