Míriam Leitão: Escalada de juros e outros riscos

Os juros subiram um ponto percentual e subirão outro ponto percentual na próxima reunião. A questão é até que nível terá que subir para garantir a queda da inflação no ano que vem. Economistas começam a projetar a Selic acima de 9%. A taxa está perto do que estava no começo do governo Bolsonaro, mas a inflação que era de 4,31% agora beira os 10%. Se o BC mantiver o ritmo, os juros chegam ao fim do ano em 8,25%, uma mudança radical, porque há seis meses estavam em 2%. Há várias outras sombras na conjuntura, como a crise hídrica, que tem efeito de reduzir ainda mais o crescimento, e a pedalada fiscal, que está sendo preparada no Congresso.

Segundo o Banco Central há muitas pressões sobre a inflação. Sobem preços industriais e dos serviços, persistem as pressões sobre combustíveis, energia e alimentos, “que refletem fatores como câmbio, preços de commodities e condições climáticas desfavoráveis”. O BC alertou também que “o risco fiscal segue elevado” e isso dá uma “assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante da política monetária”. É isso, inflação disseminada com várias pressões e risco fiscal.

Um desses riscos é a maneira como se pensa resolver o problema dos precatórios. O governo quer adiar o pagamento e tem tido a ajuda do Congresso para uma “pedalada legal”. Pedalada é postergar o pagamento de uma despesa para fazer outro gasto. Joga-se para frente o gasto ou a dívida, e o espaço no orçamento é ocupado por outra despesa. É truque, é contabilidade criativa. Foi o que o Congresso entendeu no impeachment da presidente Dilma. Mesmo que a despesa seja meritória, como o gasto do Bolsa Família, o nome é pedalada. Se quisesse realmente abrir espaço para despesa com o programa de transferência de renda bastava ao governo cortar emendas do relator. O fato de estar sendo inventada uma pedalada pelos presidentes da Câmara e do Senado é ainda mais absurdo.

O ciclo de alta de taxa de juros vai afetar o crescimento do ano que vem. É o certo a fazer diante da disparada da inflação, mas afetará. A crise hídrica também ameaça o nível de atividade. E isso num ano que já não tem boas projeções. No debate do GLOBO e do “Valor Econômico” sobre crise hídrica, tanto o secretário de Energia Elétrica do Ministério das Minas e Energia, Christiano Vieira, quanto o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, afastaram o risco de racionamento este ano, mas esclarecem que agora, outubro e novembro, será o pico da crise hídrica. Sobre o ano que vem, Ciocchi não dá a mesma certeza. No cálculo de Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse, uma redução forçada de consumo de energia de 10% pode significar a perda de um ponto percentual do PIB. Como ela prevê 1,1% de crescimento, ele iria a zero. Essa incerteza, segundo Solange, está paralisando as decisões de investimento. O cientista Paulo Artaxo, da USP, lembrou que estamos contratando mais riscos com o desmatamento e a destruição dos mananciais dos rios.

Se houvesse apenas esses problemas de conjuntura, o cenário já seria bastante ruim: inflação alta, juros subindo, desemprego elevado, crise hídrica, dúvidas sobre o abastecimento de energia, paralisação de investimentos. Mas há mais. O Brasil tem um governo que surpreende pela capacidade inesgotável de criar fatos ruins.

A viagem a Nova York foi um desastre. O enredo é tão absurdo que parece irreal. A comitiva do governo fez essa viagem para aumentar o desprezo em relação ao Brasil. O presidente perdeu a chance de dar a resposta certa ao primeiro-ministro Boris Johnson, quando ele recomendou a vacina Astrazeneca. Poderia ter dito que no Brasil é produzida em parceria com a Fiocruz e que é a vacina que protegeu milhões de brasileiros. Em vez disso, ele preferiu exibir sua inadimplência. Um presidente que só pode comer na calçada ou no puxadinho de um restaurante brasileiro. O ministro da Saúde faz um gesto sórdido para manifestantes e termina a viagem contaminado e fazendo quarentena em hotel. O ministro das Relações Exteriores mostrou em um gesto que a sua lealdade não é ao Estado brasileiro, como deveria ser, mas ao governo da “arminha”. Tudo é deplorável. E, além disso, temos uma crise econômica. (Com Alvaro Gribel, de São Paulo/O Globo – 23/09/2021)

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